O
Evangelho deste segundo domingo da Quaresma nos apresenta a Transfiguração de
Jesus e nos ensina o caminho da escuta atenta de Deus e dos seus projetos, da
obediência total e radical aos planos do Pai.
Os desanimados –
O relato da transfiguração de Jesus é antecedido do primeiro anúncio da paixão
(cf. Mt 16,21-23) e de uma instrução sobre as atitudes próprias do discípulo
(convidado a renunciar a si mesmo, a tomar a sua cruz e a seguir Jesus no seu
caminho de amor e de entrega da vida – cf. Mt 16,24-28). Depois de terem ouvido
falar do “caminho da cruz” e de terem constatado aquilo que Jesus pede aos que
o querem seguir, os discípulos estão desanimados e frustrados, pois a aventura
em que apostaram parece encaminhar-se para um fracasso; eles vêem desaparecer,
pouco a pouco – nessa cruz que irá ser plantada numa colina de Jerusalém – os
seus sonhos de glória, de honras, de triunfos e perguntam-se se vale a pena
seguir um mestre que nada mais tem para oferecer do que a morte na cruz.
Projeto –
É neste contexto que Mateus coloca o episódio da transfiguração. A cena
constitui uma palavra de ânimo para os discípulos (e para os crentes em geral),
pois nela manifesta-se a glória de Jesus e atesta-se que Ele é – apesar da cruz
que se aproxima – o Filho amado de Deus. Os discípulos recebem, assim, a
garantia de que o projeto que Jesus apresenta é um projeto que vem de Deus; e,
apesar das suas próprias dúvidas, recebem um complemento de esperança que lhes
permite “embarcar” e apostar nesse projeto.
Simbologia –
Literariamente, a narração da transfiguração é uma teofania – quer dizer, uma
manifestação de Deus. Portanto, o autor do relato vai colocar no quadro que
descreve todos os ingredientes que, no imaginário judaico, acompanham as
manifestações de Deus (e que encontramos quase sempre presentes nos relatos
teofânicos do Antigo Testamento): o monte, a voz do céu, as aparições, as
vestes brilhantes, a nuvem e mesmo o medo e a perturbação daqueles que
presenciam o encontro com o divino. Isto quer dizer o seguinte: não estamos
diante de um relato fotográfico de acontecimentos, mas de uma catequese (construída
de acordo com o imaginário judaico) destinada a ensinar que Jesus é o Filho
amado de Deus, que traz aos homens um projeto que vem de Deus.
Elementos –
Esta página de catequese, destinada a ensinar que Jesus é o Filho de Deus e que
o projeto que Ele propõe vem de Deus, está construída sobre elementos
simbólicos tirados do Antigo Testamento. Que elementos são esses?
O
monte situa-nos num contexto de
revelação: é sempre num monte que Deus Se revela; e, em especial, é no cimo de
um monte que Ele faz uma aliança com o seu Povo. A mudança do rosto e as vestes
de brancura resplandecente recordam
o resplendor de Moisés, ao descer do Sinai (cf. Ex 34,29), depois de se
encontrar com Deus e de ter as tábuas da Lei. A nuvem, por sua vez, indica a presença de Deus: era na nuvem que
Deus manifestava a sua presença, quando conduzia o seu Povo através do deserto.
Moisés e Elias
representam a Lei e os Profetas (que anunciam Jesus e que permitem entender
Jesus); além disso, são personagens que, de acordo com a catequese judaica,
deviam aparecer no “dia do Senhor”, quando se manifestasse a salvação
definitiva. O temor e a perturbação
dos discípulos são a reação lógica de qualquer homem ou mulher diante da
manifestação da grandeza, da onipotência e da majestade de Deus. As tendas parecem aludir à “festa das
tendas”, em que se celebrava o tempo do êxodo, quando o Povo de Deus habitou em
“tendas”, no deserto.
Novo Moisés – A
mensagem fundamental, moldada com todos estes elementos, pretende dizer quem é
Jesus. Recorrendo a simbologias do Antigo Testamento, o autor deixa claro que
Jesus é o Filho amado de Deus, em quem se manifesta a glória do Pai. Ele é,
também, esse Messias libertador e salvador esperado por Israel, anunciado pela
Lei (Moisés) e pelos Profetas (Elias). Mais ainda: ele é um novo Moisés – isto
é, aquele através de quem o próprio Deus dá ao seu Povo a nova lei e através de
quem Deus propõe aos homens uma nova aliança.
Novo Povo de Deus –
Da ação libertadora de Jesus (o novo Moisés), irá nascer um novo Povo de Deus.
Com esse novo Povo, Deus vai fazer uma nova aliança; e vai percorrer com ele os
caminhos da história, conduzindo-o através do “deserto” que leva da escravidão
à liberdade.
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