No trecho do Evangelho lido neste
domingo (Lc 6,17.20-26), Jesus proclama as bem-aventuranças.
Época – Estamos na
Galiléia e Jesus já é conhecido em toda a região, reunindo multidões por onde
passa. Estamos no mês de agosto/setembro do ano 28 (lembrar que Jesus foi
batizado há quase um ano e, há quatro meses, iniciou o seu ministério
proclamando-se o Messias na sinagoga de Nazaré).
Dois textos – As
bem-aventuranças são apresentadas por dois evangelistas: Mateus e Lucas. Enquanto Mateus apresenta a proclamação
bem-aventuranças bem no início do ministério de Jesus, na Galileia (logo após o
chamado dos quatro primeiros discípulos), em Lucas esta proclamação é situada
após alguns milagres, atritos com os fariseus, o chamado de Mateus e a escolha
dos Doze apóstolos. Em Mateus, a proclamação se faz no alto de uma montanha e
apenas ao grupo de discípulos. Em Lucas, ela é feita em um lugar baixo e plano,
aos discípulos e a uma grande multidão. Mateus cita quatro bem-aventuranças que
não estão em Lucas (categorias da tradição profética de Israel): mansidão,
misericórdia, pureza de coração e promoção da paz.
Ungido – Para entendermos todo o alcance e
significado deste texto, devemos recordar que ele está situado na primeira
parte do Evangelho de Lucas que é dominada pelo episódio da sinagoga de Nazaré,
onde Jesus enuncia o seu programa: “o Espírito do Senhor está sobre Mim porque
Me ungiu, para anunciar a Boa Nova aos pobres; enviou-Me a proclamar a
libertação aos cativos…” (Lc 4,18-19). As bem-aventuranças de Lucas inserem-se
em todo este ambiente: a libertação chegou com Jesus e dirige-se aos pobres.
Mensagem – Lucas
inicia este “discurso da planície” com quatro bem-aventuranças (que equivalem
às nove de Mateus). Os destinatários destas bem-aventuranças são os pobres, os
que têm fome, os que choram, os que são perseguidos. Os “pobres” de Lucas são
as pessoas privadas de bens e à mercê da prepotência e da violência dos ricos e
dos poderosos. São os desprotegidos, os explorados, os pequenos e sem voz, as
vítimas da injustiça, que com frequência são privados dos seus direitos e da
sua dignidade pela arbitrariedade dos poderosos. Por isso, eles têm fome,
choram, são perseguidos.
Pobres? – Serão os
pobres os primeiros destinatários da salvação de Deus. Por quê? Por que a
proposta libertadora de Deus é para uma classe social, em exclusivo? Não! Porque
eles estão numa situação intolerável de debilidade e Deus, na sua bondade, quer
derramar sobre eles a sua bondade, a sua misericórdia, a sua salvação. Depois,
a salvação de Deus dirige-se prioritariamente a eles porque, na sua
simplicidade, humildade, disponibilidade e despojamento, os pobres estão mais
abertos para acolher a proposta que Deus lhes faz em Jesus.
Bem-aventurados – As bem-aventuranças manifestam, numa outra linguagem, o
que Jesus já havia dito no início da sua atividade na sinagoga de Nazaré: Ele é
enviado pelo Pai ao mundo, com a missão de libertar os oprimidos. Aos pequenos,
aos privados de direitos e de dignidade, aos simples e humildes, Jesus diz que
Deus os ama de uma forma especial e que quer oferecer-lhes a vida e a liberdade
plenas. Por isso eles são “bem-aventurados”.
Maldições – As
“maldições” (ou os quatro “ais”) aos ricos que preenchem a segunda parte do Evangelho
deste domingo são o reverso da medalha. Denunciam a lógica dos opressores, dos
instalados, dos poderosos, dos que pisam os outros, dos que têm o coração cheio
de orgulho e de auto-suficiência e não estão disponíveis para acolher a
novidade revolucionária do “Reino”. As advertências aos ricos não significam
que Deus não tenha para eles a mesma proposta de salvação que apresenta aos
pobres; mas significam que, se eles persistirem numa lógica de egoísmo, de
prepotência, de injustiça, de auto-suficiência, não têm lugar nesse “Reino” que
Jesus veio propor.
Nova lógica – A
proposta de Jesus apresenta uma nova compreensão da existência, bem distinta da
que predomina no nosso mundo. A lógica do mundo proclama “felizes” os que têm
dinheiro (mesmo quando esse dinheiro resulta da exploração dos mais pobres), os
que têm poder (mesmo que esse poder seja exercido com prepotência e
arbitrariedade), os que têm influência (mesmo quando essa influência é obtida à
custa da corrupção e dos meios ilícitos). A lógica de Deus exalta os pobres, os
desfavorecidos: é a esses que Deus Se dirige com uma proposta libertadora e a
quem convida a fazer parte da sua família.
Boa Nova – O anúncio
libertador que Jesus traz é, portanto, uma Boa Nova que enche de alegria os
corações amargurados, os marginalizados, os oprimidos. Com o “Reino” que Jesus
propõe aos homens, anuncia-se um mundo novo, um mundo de irmãos, no qual a prepotência,
o egoísmo, a exploração e a miséria serão definitivamente banidos e onde os
pobres e marginalizados terão lugar como filhos iguais e amados de Deus.
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