sábado, 20 de fevereiro de 2010

Jesus foi tentado?


O trecho do Evangelho lido neste domingo (Lc 4,1-13) apresenta-nos uma catequese sobre as tentações de Jesus.

 

Desonra? – Muitos têm dificuldade em aceitar que Jesus foi tentado pelo Diabo. No fundo é porque consideram a tentação como algo desonroso para a pessoa, como uma fraqueza, uma deficiência. Mas não é assim. A tentação não é nem boa e nem má. É simplesmente inevitável. Passa a ser boa ou má segundo a decisão que cada indivíduo toma diante dela.

 

Coisas estranhas – Como podemos dizer que as tentações de Jesus são as mesmas que as nossas?  A primeira tentação acontece no deserto. Mas, na segunda, o Diabo aparece transportando-o pessoalmente ao Templo de Jerusalém. Como o transportou? Levantando-o? Voando? Isto seria aceitar que o Diabo realizou um impressionante prodígio. De onde tirou poder para fazer milagres, quando a tradição bíblica sustenta que só Javé pode fazê-los? Na terceira tentação, o Diabo aparece levando-o a um alto monte, de onde lhe mostra todos os reinos e países do mundo. Existe na Terra esta extraordinária montanha, de onde se pode contemplar semelhante espetáculo?

 

Criação literária – E como pôde Jesus permanecer quarenta dias no deserto sem comer e, principalmente, sem beber? A desidratação não perdoa ninguém. Tudo isso nos leva a supor que, embora Jesus tivesse tido tentações durante sua vida, o modo como elas estão aqui contadas não é histórico. Trata-se mais de uma criação literária dos evangelistas, com a finalidade de deixar um ensinamento religioso, uma idéia válida para a vida dos cristãos. Nenhum exegeta sustenta que Jesus foi realmente levado ao deserto, que ali teve fome e foi tentado, que depois foi levado ao Templo de Jerusalém e terminou em cima de um monte. Toda esta coreografia é uma criação dos evangelistas para deixar-nos um ensinamento.

 

Por que os evangelistas escolheram essas três tentações? Aqui está a chave e o segredo de todo o relato! Escolheram-nas para traçar um paralelo com aquilo que aconteceu com o povo de Israel, logo após a saída do Egito, quando os israelitas entraram no deserto, conduzidos por Deus. Ali permaneceram durante quarenta anos e sofreram especialmente três tentações. Levando em conta esses detalhes, os autores bíblicos apresentam Jesus como o novo povo de Israel, que veio substituir o antigo, pois o povo de Israel, toda vez que fora tentado, tinha sido derrotado. Jesus, ao contrário, sai vitorioso das mesmas tentações e agora forma o novo povo, a nova herança de homens e pode realizar o programa libertador encomendado por Deus ao antigo Israel que, por sua infidelidade, não o pôde levar avante.

 

No deserto – O cenário da primeira tentação de Jesus é o deserto: durante quarenta dias sem comer, Ele sente fome e o Tentador o provoca para converter as pedras em pão. O povo de Israel teve a mesma experiência: depois de sair da opressão do Egito,  durante quarenta anos experimentou uma fome parecida, caindo em tentação. Rebelou-se contra Moisés, desejou poderes especiais para fazer aparecer alimento e até chegou a desejar voltar para a escravidão do Egito. Muitos anos depois Moisés lhes jogaria na cara essa fraqueza, dizendo que deviam ter pensado que nem só de pão vive o homem, mas também de tudo o que sai da boca de Javé (Dt 8,3). Mas quando sobreveio a mesma tentação a Jesus, ele negou-se a usar seus poderes, derrotando o Diabo com as mesmas palavras de Moisés.

 

No Templo – O segundo encontro entre Jesus e o Diabo se deu no Templo, sobre um precipício de mais de cem metros. Ele é convidado a jogar-se dali, para provar que Deus sempre cuida dele. Também o povo de Israel havia passado por semelhante situação: em Masá, no deserto, houve falta d’água e embora soubessem que Javé nunca os havia abandonado, os israelitas exigiram de Moisés que fizesse aparecer água. Caíram na tentação de usá-lo para Deus. E mesmo assim, Deus lhes fez o milagre. Moisés, porém, os censurou: “Não tenteis o Senhor vosso Deus como tentastes em Masá” (Dt 6,16). Essa mesma tentação assaltava agora Jesus. Mas o Senhor, lembrando-se de Moisés, voltou a citá-lo ao Diabo, para vencê-lo.

 

Na montanha – A terceira tentação se dá numa montanha altíssima, de onde Jesus contempla todos os reinos. Dessa vez Satanás lhe propõe que abandona o serviço exclusivo do Pai e converta-se em um adorador seu. O povo de Israel, igualmente, teve essa tentação no deserto: abandonar Javé e fazer para si um ídolo, um bezerro de ouro para adorá-lo (Êx 32). Moisés dirigiu um discurso ao povo antes de entrar na Terra Prometida, pedindo-lhe que não se deixasse tentar por outros deuses, pois “só se deve adorar e prestar culto a Deus” (Dt 6,13). Jesus viveu essa mesma tentação de adorar a outro fora de Deus Pai. E superou-a novamente com as palavras de Moisés que lhe serviram de arma vencedora.

 

Em substituição ao perdedor – Israel havia sido derrotado em todas as provas do deserto, por isso os profetas acreditaram que Deus mandaria um Messias, com força suficiente para vencer todas as tentações e converter em realidade as antigas esperanças do povo. Com o advento do Senhor, os evangelistas sugerem que se inaugura um “novo povo de Israel”, formado por Jesus Cristo e pelos seus seguidores, os cristãos. E dessa vez conseguirá, sim, pois Jesus saiu triunfante das tentações e todo aquele que viver unido a Ele poderá vencer igualmente as tentações. Para isso, os autores colocaram as tentações só no início de sua vida pública, mostrando que, se alguém se esforça em vencê-las, logo tem desimpedido o caminho para o êxito e assegura o triunfo final, como Jesus.

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