A parábola do filho pródigo mostra a paternal misericórdia
de Deus para com a fraqueza humana. Apresentamos parte do sermão proferido (dezembro
de 399) por Santo Agostinho que trata principalmente do arrependimento
humano e do perdão de Deus:
O homem que tem dois filhos é Deus que tem dois povos: o
filho mais velho é o povo judeu; o mais novo, os gentios. O patrimônio que este
recebeu do Pai é a inteligência, a mente, a memória, o engenho e tudo o que
Deus nos deu para que O conhecêssemos e Lhe déssemos culto. Tendo recebido este
patrimônio, o filho mais novo "partiu para um país muito distante".
Distância significa: o esquecimento de seu Criador. "Dissipou sua herança
vivendo dissolutamente": gastando e não ajuntando; malbaratando tudo o que
tinha e não adquirindo o que não tinha, isto é, consumindo toda sua capacidade
em luxúria, em ídolos, em todo tipo de desejos perversos, aos que o texto
denominou meretrizes.
Não é de admirar que essa orgia acabasse em fome. Fome não
de pão visível, mas da verdade invisível. E, por causa da fome, "foi
pôr-se a serviço de um dos senhores daquela região": entenda-se o diabo, o
senhor dos demônios, sob cujo poder caem todos os curiosos.
À margem de Deus, por entregar-se a seus próprios recursos,
foi submetido à servidão e lhe tocou o ofício de apascentar porcos, o que
significa a servidão mais extrema e imunda que costuma alegrar os demônios: não
foi por acaso que o Senhor, quando expulsou a legião dos demônios, permitiu que
entrassem na piara de porcos.
Alimentava-se então das vagens de porcos sem poder
saciar-se. Vagens são as vistosas doutrinas do mundo: servem para ostentar, mas
não para sustentar; alimento digno para porcos, mas não para homens: próprias
para dar deleitação aos demônios, mas não justificação aos fiéis.
Até que, por fim, tomou consciência do lugar em que tinha
caído; do quanto tinha perdido; Quem tinha ofendido e a quem se tinha
submetido. Reparai no que diz o Evangelho: "Entrando em si...";
primeiramente, voltou-se para si e só assim pôde voltar para o pai. Voltando
para si mesmo, encontrou-se miserável: "Quantos empregados, diz ele, há na
casa de meu pai, que têm pão em abundância, e eu, aqui, morrendo de fome!"
Levantou-se e voltou. Ele, caído por terra depois de
contínuos tropeços. O pai o vê ao longe e sai-lhe ao encontro. É dele que fala
o Salmo: "Entendeste meus pensamentos de longe" (Sl 139,2). Que
pensamentos? Aqueles que o filho tinha em seu interior: "Levantar-me-ei e
irei a meu pai, e dir-lhe-ei: Meu pai, pequei contra o céu e contra ti; já não
sou digno de ser chamado teu filho; trata-me como a um dos teus
empregados". Ele ainda nada tinha dito, só pensava em dizer. O pai, porém,
ouvia como se o filho já o estivesse dizendo.
Embora tivesse ainda somente a disposição de falar ao pai,
cogitando em seu interior: "Levantar-me-ei e irei a meu pai, e dir-lhe-ei...",
o pai, que de longe já conhece essas cogitações, foi ao seu encontro.
Que significa "ir ao encontro" senão antecipar-se
pela misericórdia? Pois, "estava ainda longe, quando seu pai o viu, e,
movido pela misericórdia, correu-lhe ao encontro". Por que foi movido pela
misericórdia? Porque o filho tinha confessado sua miséria. "E correndo-lhe
ao encontro, lançou-se-lhe ao pescoço", isto é, pôs o braço sobre o
pescoço dele.
E o pai ordena que o vistam com a primeira veste, aquela que
Adão perdera ao pecar. Tendo recebido o filho em paz, tendo-o beijado, ordena
que lhe dêem uma veste: a esperança de imortalidade, conferida no batismo.
Ordena que lhe dêem um anel, penhor do Espírito Santo; calçado para os pés,
como preparação para o anúncio do Evangelho da paz, para que sejam formosos os
pés dos que anunciam a boa nova.
Estas coisas Deus faz através de seus servos, isto é, os
ministros da Igreja. Acaso eles podem, por si próprios, dar veste, anel e
calçados? Não, apenas cumprem seu ministério, desempenham seu ofício; quem dá é
Aquele de cujo depósito e de cujo tesouro são extraídos estes dons.
Mandou também matar o bezerro cevado, isto é, que fosse
admitido à mesa em que o alimento é Cristo morto. Mata-se o bezerro para todo
aquele que, de longe, vem para a Igreja, na qual se prega a morte de Cristo e
no Seu corpo o que vem é admitido. Mata-se o bezerro cevado porque o que se
tinha perdido foi encontrado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário