sábado, 16 de outubro de 2010

A viúva e o juiz


O Evangelho deste domingo (Lc 18,1-8) apresenta-nos a parábola do juiz e da viúva.  A viúva, pobre e injustiçada (na Bíblia, é o protótipo do pobre sem defesa, vítima da prepotência dos ricos e dos poderosos), passava a vida queixando-se do seu adversário e exigindo justiça; mas o juiz, “que não temia Deus nem os homens”, não lhe prestava qualquer atenção… No entanto, o juiz – apesar da sua dureza e insensibilidade – acabou por fazer justiça à viúva, a fim de se livrar definitivamente da sua insistência importuna.

 

O texto – Este é um texto que não tem paralelo em outro evangelista, mas é similar à parábola do amigo importuno, que vem pedir pão no meio da noite e que é atendido por causa da sua insistência (Lc 11,5-8). É preciso lembrar que Lucas escreveu o terceiro Evangelho durante a década de 80, uma época em que as comunidades cristãs sofriam por causa da hostilidade dos judeus e dos pagãos e que já se anunciavam as grandes perseguições que dizimaram as comunidades cristãs no final do século I. Os cristãos estavam inquietos, desanimados e ansiavam pela segunda vinda de Cristo – isto é, pela intervenção definitiva de Deus na história, para derrotar os maus e salvar o seu Povo.

 

Explicação – O próprio autor dá a sua aplicação teológica, após apresentar a parábola: se um juiz prepotente e insensível é capaz de resolver o problema da viúva, por causa da sua insistência, Deus (que não é, nem de perto nem de longe, um juiz prepotente e sem coração) não iria escutar os “seus eleitos, que por Ele clamam dia e noite, e iria fazê-los esperar muito tempo?”

 

Insistência – É evidente que, se até um juiz insensível acaba por fazer justiça a quem lhe pede com insistência, com muito mais motivo Deus – que é rico em misericórdia e que defende sempre os fracos – estará atento às súplicas dos seus filhos. Dado o contexto em que a parábola aparece, é certo que Lucas pretende dirigir-se a uma comunidade cristã cercada pela hostilidade do mundo, que começava a ver no horizonte próximo a ameaça das perseguições e que estava desanimada, pois, aparentemente, Deus não escutava as súplicas dos crentes e não intervinha no mundo para salvar a sua Igreja.

 

Um tempo próprio para intervir - A resposta que Lucas deixa aos seus destinatários é a seguinte: ao contrário do que parece, Deus não abandonou o seu Povo, nem é insensível aos seus apelos; Ele tem o seu projeto, o seu plano e o seu tempo próprio para intervir… Aos crentes resta exercitar a paciência e confiar que Ele agirá para libertá-los.

 

Oração – Que é que tudo isso tem a ver com a oração? Porque é que esta é uma parábola sobre a necessidade de rezar? Lucas pede aos cristãos que, apesar do aparente silêncio de Deus, não deixem nunca de dialogar com Ele. É nesse diálogo que entendemos os projetos e os ritmos de Deus; é nesse diálogo que Deus transforma os nossos corações; é nesse diálogo que aprendemos a nos entregar nas mãos de Deus e a confiar n’Ele. Sobretudo, que nada (nem o desânimo, nem a desconfiança perante o silêncio de Deus) nos leve a desistir de uma verdadeira comunhão e de um profundo diálogo com Ele.

 

Reflexão – Por que é que Deus permite que tantos milhões de homens sobrevivam em condições tão degradantes? Por que é que os maus e injustos praticam arbitrariedades sem conta sobre os mais fracos e nenhum mal lhes acontece? Como é que Deus aceita que 2.800 milhões de pessoas (metade da humanidade) vivam com menos de R$ 10,00 por dia? Como é que Deus não intervém quando certas doenças incuráveis ameaçam dizimar os pobres dos países do quarto mundo, perante a indiferença da comunidade internacional? Onde está Deus quando as ditaduras ou os imperialismos maltratam povos inteiros? Deus não intervém porque não quer saber dos homens e é insensível em relação àquilo que lhes acontece?

 

Lógica de Deus – É a isto que esse trecho do Evangelho procura responder… Lucas está convicto de que Deus não é indiferente aos gritos de sofrimento dos pobres e que não desistiu de intervir no mundo, a fim de construir o novo céu e a nova terra de justiça, de paz e de felicidade para todos… Simplesmente, Deus tem projetos e planos que nós, em nossa ânsia e impaciência, não conseguimos perceber. Deus tem o seu ritmo – um ritmo que passa por não forçar as coisas, por respeitar a liberdade do homem… Cabe-nos confiar e respeitar a lógica de Deus, entregando-nos em Suas mãos.

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