O Evangelho deste domingo (Lc 18,1-8) apresenta-nos a parábola
do juiz e da viúva. A viúva, pobre e injustiçada
(na Bíblia, é o protótipo do pobre sem defesa, vítima da prepotência dos ricos
e dos poderosos), passava a vida queixando-se do seu adversário e exigindo
justiça; mas o juiz, “que não temia Deus nem os homens”, não lhe prestava
qualquer atenção… No entanto, o juiz – apesar da sua dureza e insensibilidade –
acabou por fazer justiça à viúva, a fim de se livrar definitivamente da sua
insistência importuna.
O texto – Este é um texto que não tem
paralelo em outro evangelista, mas é similar à parábola do amigo importuno, que
vem pedir pão no meio da noite e que é atendido por causa da sua insistência (Lc
11,5-8). É preciso lembrar que Lucas escreveu o terceiro Evangelho durante a
década de 80, uma época em que as comunidades cristãs sofriam por causa da hostilidade
dos judeus e dos pagãos e que já se anunciavam as grandes perseguições que dizimaram
as comunidades cristãs no final do século I. Os cristãos estavam inquietos, desanimados
e ansiavam pela segunda vinda de Cristo – isto é, pela intervenção definitiva
de Deus na história, para derrotar os maus e salvar o seu Povo.
Explicação – O próprio autor dá a sua aplicação
teológica, após apresentar a parábola: se um juiz prepotente e insensível é
capaz de resolver o problema da viúva, por causa da sua insistência, Deus (que
não é, nem de perto nem de longe, um juiz prepotente e sem coração) não iria
escutar os “seus eleitos, que por Ele clamam dia e noite, e iria fazê-los esperar
muito tempo?”
Insistência – É evidente que, se até um juiz
insensível acaba por fazer justiça a quem lhe pede com insistência, com muito mais
motivo Deus – que é rico em misericórdia e que defende sempre os fracos – estará
atento às súplicas dos seus filhos. Dado o contexto em que a parábola aparece,
é certo que Lucas pretende dirigir-se a uma comunidade cristã cercada pela
hostilidade do mundo, que começava a ver no horizonte próximo a ameaça das
perseguições e que estava desanimada, pois, aparentemente, Deus não escutava as
súplicas dos crentes e não intervinha no mundo para salvar a sua Igreja.
Um tempo
próprio para intervir - A
resposta que Lucas deixa aos seus destinatários é a seguinte: ao contrário do
que parece, Deus não abandonou o seu Povo, nem é insensível aos seus apelos;
Ele tem o seu projeto, o seu plano e o seu tempo próprio para intervir… Aos
crentes resta exercitar a paciência e confiar que Ele agirá para libertá-los.
Oração – Que é que tudo isso tem a ver com
a oração? Porque é que esta é uma parábola sobre a necessidade de rezar? Lucas
pede aos cristãos que, apesar do aparente silêncio de Deus, não deixem nunca de
dialogar com Ele. É nesse diálogo que entendemos os projetos e os ritmos de
Deus; é nesse diálogo que Deus transforma os nossos corações; é nesse diálogo
que aprendemos a nos entregar nas mãos de Deus e a confiar n’Ele. Sobretudo,
que nada (nem o desânimo, nem a desconfiança perante o silêncio de Deus) nos
leve a desistir de uma verdadeira comunhão e de um profundo diálogo com Ele.
Reflexão – Por que é que Deus permite que
tantos milhões de homens sobrevivam em condições tão degradantes? Por que é que
os maus e injustos praticam arbitrariedades sem conta sobre os mais fracos e
nenhum mal lhes acontece? Como é que Deus aceita que 2.800 milhões de pessoas (metade
da humanidade) vivam com menos de R$ 10,00 por dia? Como é que Deus não intervém
quando certas doenças incuráveis ameaçam dizimar os pobres dos países do quarto
mundo, perante a indiferença da comunidade internacional? Onde está Deus quando
as ditaduras ou os imperialismos maltratam povos inteiros? Deus não intervém
porque não quer saber dos homens e é insensível em relação àquilo que lhes
acontece?
Lógica de Deus
– É a isto que esse
trecho do Evangelho procura responder… Lucas está convicto de que Deus não é
indiferente aos gritos de sofrimento dos pobres e que não desistiu de intervir
no mundo, a fim de construir o novo céu e a nova terra de justiça, de paz e de
felicidade para todos… Simplesmente, Deus tem projetos e planos que nós, em
nossa ânsia e impaciência, não conseguimos perceber. Deus tem o seu ritmo – um
ritmo que passa por não forçar as coisas, por respeitar a liberdade do homem… Cabe-nos
confiar e respeitar a lógica de Deus, entregando-nos em Suas mãos.
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