Uma voz – O Evangelho do segundo domingo de Advento, não é Jesus
que nos fala diretamente, mas seu precursor, João Batista. O coração da
pregação do Batista está contido nessa frase de Isaías, que João repete a seus
contemporâneos com grande força: “Esta é a voz daquele que grita no deserto:
preparai o caminho do Senhor, endireitai suas veredas!”. Isaías, para dizer a
verdade, expressava: “Uma voz clama: no deserto, abri caminho ao Senhor” (Is
40, 3). Não é, portanto, uma voz no deserto, mas um caminho no deserto. Os
evangelistas, aplicando o texto ao Batista que pregava no deserto da Judéia,
modificaram a pontuação, mas sem mudar o sentido da mensagem.
Deserto – Jerusalém era uma cidade rodeada pelo deserto: ao
Oriente, os caminhos de acesso na areia eram facilmente apagados pelo vento,
enquanto ao Ocidente se perdiam entre as asperezas do terreno para o mar.
Quando uma comitiva ou um personagem importante devia chegar à cidade, era
necessário sair e caminhar pelo deserto para abrir uma via menos provisória;
cortavam as sarças, aplainavam os obstáculos, reparavam a ponte ou uma
passagem. Assim se fazia, por exemplo, por ocasião da Páscoa, para acolher os peregrinos
que chegavam da Diáspora. Neste dado, de fato, inspira-se João Batista. Está a ponto
de chegar, clama, aquele que está acima de todos, “aquele que deve vir”, o
esperado os povos: é necessário traçar um caminho no deserto para que possa
chegar.
Caminhos do Senhor – Mas eis aqui o salto da metáfora à realidade: este
caminho não se traça no terreno, mas no coração de cada homem: não se traça no
deserto, mas na própria vida. Para fazê-lo, não é necessário pôr-se
materialmente ao trabalho, mas converter-se: “Endireitai os caminhos do Senhor”:
este mandato pressupõe uma amarga realidade: o homem é como uma cidade invadida
pelo deserto; está fechado em si mesmo, em seu egoísmo; é como um castelo com um
fosso ao redor e as pontes levantadas. Pior: o homem complicou seus caminhos
com o pecado e aí permaneceu, seduzido, como em um labirinto. Isaías e João
Batista falam metaforicamente de precipícios, de montes, de passagens
tortuosas, de lugares impraticáveis.
Verdadeiros nomes – Basta chamar estas coisas por seus verdadeiros nomes,
que são orgulho, humilhações, violências, cobiças, mentiras, hipocrisia,
imundices, superficialidades, embriaguez de todo tipo (pode-se estar ébrio não
só de vinho ou de drogas, mas também da própria beleza, da própria
inteligência, de si mesmo, que é a pior embriaguez!). Então se percebe
imediatamente que o discurso também é para nós, é para cada homem que nesta
situação deseja e espera a salvação de Deus.
Significa – Endireitar um caminho para o Senhor, portanto, tem um
significado bastante concreto: significa empreender a reforma da nossa vida,
converter-se. Em sentido moral, o que se deve aplanar e os obstáculos que se
deve retirar são o orgulho – que leva a ser impiedoso, sem amor para com os
demais – a injustiça – que engana o próximo – além de rancores, vinganças,
traições no amor. São vales cheios de preguiça, incapacidade de impor-se um
mínimo de esforço, todo pecado de omissão.
Montes – A palavra de Deus jamais nos esmaga sob um monte de
deveres sem dar-nos ao mesmo tempo a segurança. O profeta Baruc diz que Deus “dispôs
que sejam abaixados os montes e as colinas, e enchidos os vales para que se una
o solo, para que Israel caminhe com segurança sob a glória divina". Deus
abaixa, Deus enche, Deus traça o caminho; é tarefa nossa corresponder à sua
ação, recordando que “quem nos criou sem nós, não nos salva sem nos”.
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