sábado, 4 de dezembro de 2010

Uma voz no deserto

Estamos no segundo domingo do Advento. O texto do Evangelho das missas (Mt 3,1-12) é dedicado a João Batista. A reflexão de hoje é baseada num texto do Pe. Raniero Cantalamessa, pregador da Casa Pontifícia do Vaticano.

 

Uma voz – O Evangelho do segundo domingo de Advento, não é Jesus que nos fala diretamente, mas seu precursor, João Batista. O coração da pregação do Batista está contido nessa frase de Isaías, que João repete a seus contemporâneos com grande força: “Esta é a voz daquele que grita no deserto: preparai o caminho do Senhor, endireitai suas veredas!”. Isaías, para dizer a verdade, expressava: “Uma voz clama: no deserto, abri caminho ao Senhor” (Is 40, 3). Não é, portanto, uma voz no deserto, mas um caminho no deserto. Os evangelistas, aplicando o texto ao Batista que pregava no deserto da Judéia, modificaram a pontuação, mas sem mudar o sentido da mensagem.

 

Deserto – Jerusalém era uma cidade rodeada pelo deserto: ao Oriente, os caminhos de acesso na areia eram facilmente apagados pelo vento, enquanto ao Ocidente se perdiam entre as asperezas do terreno para o mar. Quando uma comitiva ou um personagem importante devia chegar à cidade, era necessário sair e caminhar pelo deserto para abrir uma via menos provisória; cortavam as sarças, aplainavam os obstáculos, reparavam a ponte ou uma passagem. Assim se fazia, por exemplo, por ocasião da Páscoa, para acolher os peregrinos que chegavam da Diáspora. Neste dado, de fato, inspira-se João Batista. Está a ponto de chegar, clama, aquele que está acima de todos, “aquele que deve vir”, o esperado os povos: é necessário traçar um caminho no deserto para que possa chegar.

 

Caminhos do Senhor – Mas eis aqui o salto da metáfora à realidade: este caminho não se traça no terreno, mas no coração de cada homem: não se traça no deserto, mas na própria vida. Para fazê-lo, não é necessário pôr-se materialmente ao trabalho, mas converter-se: “Endireitai os caminhos do Senhor”: este mandato pressupõe uma amarga realidade: o homem é como uma cidade invadida pelo deserto; está fechado em si mesmo, em seu egoísmo; é como um castelo com um fosso ao redor e as pontes levantadas. Pior: o homem complicou seus caminhos com o pecado e aí permaneceu, seduzido, como em um labirinto. Isaías e João Batista falam metaforicamente de precipícios, de montes, de passagens tortuosas, de lugares impraticáveis.

 

Verdadeiros nomes – Basta chamar estas coisas por seus verdadeiros nomes, que são orgulho, humilhações, violências, cobiças, mentiras, hipocrisia, imundices, superficialidades, embriaguez de todo tipo (pode-se estar ébrio não só de vinho ou de drogas, mas também da própria beleza, da própria inteligência, de si mesmo, que é a pior embriaguez!). Então se percebe imediatamente que o discurso também é para nós, é para cada homem que nesta situação deseja e espera a salvação de Deus.

 

Significa – Endireitar um caminho para o Senhor, portanto, tem um significado bastante concreto: significa empreender a reforma da nossa vida, converter-se. Em sentido moral, o que se deve aplanar e os obstáculos que se deve retirar são o orgulho – que leva a ser impiedoso, sem amor para com os demais – a injustiça – que engana o próximo – além de rancores, vinganças, traições no amor. São vales cheios de preguiça, incapacidade de impor-se um mínimo de esforço, todo pecado de omissão.

 

Montes – A palavra de Deus jamais nos esmaga sob um monte de deveres sem dar-nos ao mesmo tempo a segurança. O profeta Baruc diz que Deus “dispôs que sejam abaixados os montes e as colinas, e enchidos os vales para que se una o solo, para que Israel caminhe com segurança sob a glória divina". Deus abaixa, Deus enche, Deus traça o caminho; é tarefa nossa corresponder à sua ação, recordando que “quem nos criou sem nós, não nos salva sem nos”.

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