sábado, 27 de julho de 2013

Sodoma e Gomorra existiram?


Na primeira leitura das missas deste domingo, Abraão conversa com Deus sobre a destruição das cidades de Sodoma e Gomorra. Estas cidades realmente existiram? Elas foram destruídas? O que teria causado a destruição das cinco cidades citadas no capítulo 19 do Gênesis? 

Lendas e mitos – Os capítulos 12 até 36 do Livro do Gênesis são um conjunto de textos sem característica histórica ou de reportagem jornalística de acontecimentos. Estamos diante de uma mistura de mitos, lendas e relatos, pelos quais se expressa a realidade da vida nômade durante o segundo milênio antes de Cristo. O autor do Gênesis recuperou essas velhas lendas e apresentou uma catequese. 

Abraão em Mambré – Nas missas da semana passada, foi lida a passagem do Gênesis em que Abraão recebe três figuras divinas junto do carvalho sagrado de Mambré (perto de Hebron), tendo sido recompensado com um filho. Esta lenda era contada entre os cananeus, mais de mil anos antes de Abraão. O autor do Gênesis, usando a história de Abraão ter se estabelecido em Hebron, recuperou a antiga lenda cananeia, tornando-o herói desse encontro. 

Outra catequese – Nesta semana, o texto do Gênesis usa a mesma fórmula: recorda um cataclismo que destruiu toda a região ao sul do Mar Morto na época dos cananeus, inserindo Abraão como personagem da história. O autor de Gênesis toma um acontecimento pré-histórico muito remoto, criando uma fantasia religiosa e indicando as causas da terrível catástrofe. 

A cidade - Sodoma era uma cidade antiga, que se supõe ter existido nas margens do Mar Morto, ao sul da península de El-Lisan. De acordo com as lendas, foi uma das cidades destruídas (as outras teriam sido Gomorra, Adama, Seboim e Segor) por um cataclismo, que ficou na memória do povo hebreu. Estas cidades teriam sido extintas por Deus com fogo e enxofre descido do céu. Segundo o relato bíblico, esses lugares e os seus habitantes foram destruídos por Deus por causa da prática de atos imorais. A confirmação histórica destes fatos continua como um dos maiores mistérios arqueológicos para os cientistas e estudiosos da Bíblia. 

Evidências – Em meados dos anos 1960, os arqueólogos Pettinato e Matthiae foram os responsáveis pela descoberta da antiga cidade de Ebla (Tell Mardikh), a principal cidade síria do terceiro milênio a.C., destruída pelo rei Naramsin, por volta de 2300 a.C. Na biblioteca da cidade de Ebla, foram encontrados 17 mil tabletes de argila com inscrições. Um desses tabletes foi publicado por Pettinato, em 1976, e revelou algo surpreendente: a inscrição falava sobre a existência de cinco cidades (Sodoma, Gomorra, Adama, Seboim e Segor), na mesma sequência que aparece em Gênesis 14, 2-8. 

Escavações – Em 1965, o pesquisador Paul Lapp realizou escavações nas proximidades da cidade árabe de Bad-Edh-Dhra, no Vale de Sidim, local da cidade de Sodoma, conforme descrição em Gênesis 14,3. Encontraram vários restos de um santuário cananeu, que datava de 2800 a.C. Dados importantes da descoberta: vestígios de queima de enxofre nas pedras, interrupção brusca na habitação e regiões com várias camadas de cinza com alguns metros de espessura! 

Vulcão? – Alguns estudiosos modernos têm procurado na geologia da área uma explicação para a lenda: a região fica situada na falha do vale do Jordão, numa zona sujeita a terremotos e a atividades vulcânicas. Depósitos de betume e de petróleo têm sido descobertos nesta região e alguns escritores antigos atestam a presença de gases que, uma vez inflamados, poderiam causar uma terrível destruição, do tipo relatado em Gn 19. Terá sido isso que aconteceu nessa região? 

Asteroide? – Em meados do século XIX, o pesquisador Henry Layard descobriu um bloco de argila, datado do ano 700 a.C., que continha inscrições muito antigas. Em 2008, os pesquisadores britânicos Alan Bond e Mark Hempsell conseguiram decifrar as inscrições: trata-se de uma descrição da noite de 29 de junho de 3123 a.C., feita por um astrônomo sumério, sobre a passagem de um asteroide com dimensões maiores de um quilômetro, que devastou uma área de um milhão de quilômetros quadrados. A explosão do asteroide se assemelha com o relatado no Antigo Testamento da destruição das cidades de Sodoma e Gomorra. 

Resumindo – O relato da destruição das cinco cidades no livro do Gênesis é a recuperação de uma antiga história da época dos cananeus, transformada numa história religiosa e colocando Abraão como personagem. A veracidade da história, bem como as causas da destruição, ainda está sendo pesquisada.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Marta e Maria


No Evangelho deste domingo, Jesus visita uma casa onde moravam duas irmãs: Marta e Maria. A primeira fica preocupada com os seus afazeres, enquanto a outra se concentra em ouvir a Palavra de Jesus. 

Betânia – Este episódio situa-nos numa aldeia não identificada, em casa de duas irmãs (Marta e Maria). Estas duas irmãs são as irmãs de Lázaro, referidas em Jo 11,1-40 e Jo 12,1-3. Assim, provavelmente, a ação passa-se em Betânia, uma pequena aldeia situada na encosta oriental do Monte das Oliveiras, a cerca de três quilômetros de Jerusalém. Betânia era o lugar predileto onde Jesus procurava – e recebia – aconchego humano, carinho, afeto, amizade, acolhimento; onde podia refazer as suas forças nas suas caminhadas evangelizadoras.

Duas irmãs – É gritante a diferença de gênio das duas irmãs! Marta, provavelmente a mais velha, preocupada com os seus afazeres – afinal tinha chegado treze hóspedes para uma refeição e tinham que ser bem tratados. Maria, calma, senta-se aos pés do Senhor, para escutar a Palavra. De repente, ressoa o desabafo de Marta: “Senhor, não te importa que minha irmã me deixe sozinha com todo o serviço? Manda que ela venha ajudar-me!”. 
 

Mestre – Há, neste texto, um pormenor que é preciso pôr em relevo. Diz respeito à postura corporal de Maria: “sentada aos pés de Jesus”: é a posição típica de um discípulo diante do seu mestre (Lc 8,35; At 22,3). A situação mostra também que Jesus não fazia qualquer discriminação: as mulheres na sociedade da época eram tidas como inferiores e nenhum “rabbi” (mestre) da época se dignava aceitar uma mulher no grupo dos discípulos que se sentavam aos seus pés para escutar as suas lições. Lucas coloca em relevo, neste episódio, que o fator decisivo para ser discípulo de Jesus é estar disposto a escutar a sua Palavra. 

Marta – Marta se sente responsável pela situação. Qual é a mãe da família, a dona de casa ou o anfitrião de visita que não sentiria o que Marta sentiu? Por isso mesmo, chama a atenção a resposta do Senhor: “Marta, Marta! Você se preocupa e anda agitada com muitas coisas; porém uma só coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte, e esta não lhe será tirada.” Jesus não está defendendo a preguiça, nem a omissão, nem a exploração do trabalho dos outros! Num mundo agitado como é o nosso, em que "não há tempo" para cultivar o relacionamento humano, a amizade e a oração, esta resposta nos faz lembrar a importância de priorizar as coisas, modificando nossa maneira de viver.

Maria – Jesus questiona a agitação e o ativismo. Focar a vida num número sem fim de atividades sem objetivos claros, sem organização, sem rumo, é fuga para evitar um encontro com os anseios mais profundos do nosso ser, dos apelos de Deus. A atitude de Maria é a de uma discípula que aprende viver de maneira nova, ouvindo e refletindo sobre a Palavra de Deus, uma palavra que pode levar a muita atividade, mas nunca ao ativismo.

Marta e Maria – Jesus não quer menosprezar Marta. Na realidade, todos nós temos que ser “Marta e Maria”. Temos necessidade de nos dedicarmos aos nossos afazeres, mas também é preciso achar tempo para ficarmos aos pés do Senhor. O desafio é de conseguir o equilíbrio entre os dois aspectos de vida, entre “lançar as redes” e “consertar as redes” (Mc 1,16-20), entre “atividade” e “oração”, entre “missão” e “interiorização”. Os dois lados são tão intimamente ligados que, o desequilíbrio – seja do lado que for – trará conseqüências negativas para a nossa vida de discípulos.
 

Ação e contemplação – Não podemos ver, neste episódio, uma oposição entre ação e contemplação.  O evangelista (Lucas), nesta catequese, não está querendo ressaltar que a vida contemplativa é superior à vida ativa: está dizendo que a escuta da Palavra de Jesus é o que há de mais importante para a vida do cristão, pois é o ponto de partida da caminhada da fé. Isso não significa que o “fazer coisas”, que o “servir os irmãos” não seja importante, e sim que tudo deve partir da escuta da Palavra, pois é essa disposição interior que nos projeta para os outros e nos faz perceber o que Deus espera de nós.

sábado, 13 de julho de 2013

O Bom Samaritano


A parábola do “Bom Samaritano” talvez seja a mais conhecida de todas as parábolas de Jesus. Mas quem são os samaritanos e qual a razão de Jesus ter se utilizado de uma pessoa desse povo em sua parábola? 

Samaritano – A Samaria era a região central da Palestina – uma região heterodoxa, habitada por uma raça de sangue misturado (de judeus e pagãos) e de religiões diferentes. Se nós observarmos o mapa da Palestina na época de Jesus, vamos notar as três principais regiões: a Galiléia (no norte) a Samaria (no centro) e a Judéia (no sul). Mas, por que existia tanto preconceito com os Samaritanos? 

Origens – Desde o ano de 931 a.C., a Judéia e a Samaria eram estados separados, com freqüentes guerras, embora habitados pelo mesmo povo hebreu. Historicamente, a divisão começou quando, em 721 a.C., a Samaria foi tomada pelos assírios e parte da população samaritana foi deportada. Na Samaria instalaram-se, então, colonos assírios que se misturaram com a população local. Embora apenas 4% da população samaritana tenha sido deportada, para os judeus, os habitantes da Samaria começaram a paganizar-se (2 Re 17,29). 

Judeus – A relação entre as duas comunidades deteriorou-se ainda mais com a volta dos judeus (para a Judéia) do Exílio da Babilônia (em 538 a.C.). Os judeus recusaram a ajuda dos samaritanos (Esd 4,1-5) para reconstruir o Templo de Jerusalém (ano 437 a.C.) e denunciaram os casamentos mistos. Tiveram, então, de enfrentar a oposição dos samaritanos na reconstrução da cidade (Ne 3,33-4,17). No ano 333 a.C., novo elemento de separação: os samaritanos construíram um Templo no monte Garizim; no entanto, esse Templo foi destruído em 128 a.C. por João Hircano. Mais tarde, as desfeitas continuaram: a mais famosa aconteceu por volta do ano 6 d.C., quando os samaritanos profanaram o Templo de Jerusalém durante a festa da Páscoa, espalhando ossos humanos nos átrios. 

Desprezo recíproco – Na época de Jesus, existia uma animosidade muito viva entre samaritanos e judeus. Os judeus desprezavam os samaritanos por serem uma mistura de sangue israelita com estrangeiros e consideravam-nos hereges em relação à pureza da fé judaica; e os samaritanos pagavam aos judeus com um desprezo semelhante. 

Impuro – Para o judeu, não havia samaritano bom. Se um samaritano tocasse no corpo de um judeu, mesmo casualmente ou de maneira rápida, o judeu se considerava impuro. Ao chegar em casa, passaria por um ritual de purificação. A sombra de um samaritano seria o suficiente para estragar uma comida, tornando-a impura aos olhos de um judeu. 

Situação da parábola – Jesus é questionado por um especialista em leis com a pergunta: “Quem é o meu próximo?”. Ele não faz uma discussão teórica e estéril sobre quem seja o próximo, mas conta a parábola do “Bom Samaritano”. Vejamos.

Parábola – Depois de um assalto, passou pela vítima um sacerdote que “viu o homem e passou adiante pelo outro lado”. A mesma coisa aconteceu com um levita. Quando passou um samaritano e viu o sofrimento alheio, ele não pensou em discussões teológicas sobre pureza e parte para uma ajuda prática, com misericórdia.

Quem se fez próximo? – Terminando a história, Jesus devolve a pergunta ao especialista em leis – mas, faz uma mudança fundamental: não faz a pergunta teórica “quem é o meu próximo”, e sim uma pergunta prática “quem se fez próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?” A primeira pergunta só levaria a uma discussão vazia; a de Jesus leva a uma mudança de prática vivencia.

Misericórdia – Forçado a reconhecer que quem se fez próximo do sofredor era o samaritano, o legista ouviu da boca de Jesus a conclusão: “Vá e faça a mesma coisa”. Com esta parábola, Jesus quer ensinar que nada, nem o culto, têm prioridade sobre a ajuda a uma pessoa necessitada. A religião de Jesus não é teoria: é prática de misericórdia, pois Deus é misericordioso. O legista já sabia a orientação da Escritura, mas, tentava escapar das suas conseqüências, criando discussões inúteis. Nós também sabemos o que diz a Bíblia: não tentemos, pois, esvaziá-la com debates estéreis sobre quem é “o pobre”, “o aflito”, “o próximo”, “o bom”. Façamos o que Jesus ensina nesta parábola “e viveremos”.

sábado, 6 de julho de 2013

O envio ...


No Evangelho das missas deste domingo, os discípulos de Jesus são enviados ao mundo para continuar a obra libertadora que Jesus começou e para propor a Boa Nova do Reino aos homens de toda a terra, sem exceção; devem fazê-lo com urgência, com simplicidade e com amor. Na ação dos discípulos, torna-se realidade a vitória do Reino sobre tudo aquilo que oprime e escraviza o homem.  

Caminhada – O Evangelho situa-nos, outra vez, no contexto da caminhada de Jesus para Jerusalém. Apresenta-nos mais uma etapa desse “caminho espiritual”, durante o qual Jesus vai oferecendo aos discípulos a plenitude da revelação do Pai e preparando-os para continuar, após a sua partida, a missão de levar o Evangelho a todos os homens. 

Catequese – A história do envio dos 72 discípulos é uma tradição exclusiva de Lucas. Seria uma história estranha e inesperada, se a víssemos como um relato fotográfico de acontecimentos concretos: de onde vêm estes 72, que não são nomeados nem por Mateus nem por Marcos e que aqui aparecem surgidos do nada? Trata-se, fundamentalmente, de uma catequese por meio da qual Lucas propõe, aos discípulos de todas as épocas, uma reflexão sobre a missão da Igreja, em caminhada pelo mundo. Lucas ensina que o cristão tem de continuar no mundo a missão de Jesus, tornando-se, para todos os homens, testemunha dessa proposta de salvação/libertação que Cristo veio trazer. 

Dois a dois – O texto começa apresentando o número dos discípulos enviados: 72. Trata-se, evidentemente, de um número simbólico, que se refere à totalidade das nações pagãs que habitam a Terra. Significa, portanto, que a proposta de Jesus é uma proposta universal, destinada a todos os povos, de todas as raças. Depois, Lucas assinala que os discípulos foram enviados dois a dois. Trata-se de assegurar que o seu testemunho tem valor jurídico (Dt 17,6; 19,15); e trata-se de sugerir que o anúncio do Evangelho é uma tarefa comunitária, que não é feita por iniciativa pessoal e própria, mas, em comunhão com os irmãos. 

Testemunho – Lucas indica, ainda, que os discípulos são enviados às aldeias e localidades onde Jesus “devia de ir”. Dessa forma, indica que a tarefa dos discípulos não é pregar a sua própria mensagem, mas preparar o caminho de Jesus e dar testemunho d’Ele. Depois desta apresentação inicial, Lucas passa a descrever a forma como a missão se deve concretizar. 

Cordeiros – Há, em primeiro lugar, um aviso sobre a dificuldade da missão: os discípulos são enviados “como cordeiros para o meio de lobos”. Trata-se de uma imagem que, no Antigo Testamento, descreve a situação do justo, perdido no meio dos pagãos. Aqui, expressa a situação do discípulo fiel, frente à hostilidade do mundo. 

Simplicidade – Há, em segundo lugar, uma exigência de pobreza e simplicidade para os discípulos em missão: os discípulos não devem levar consigo nem bolsa, nem alforje, nem sandálias; não devem deter-se a saudar ninguém pelo caminho; também não devem saltar de casa em casa. As indicações de não levar nada para o caminho sugerem que a força do Evangelho não reside nos meios materiais, mas na força libertadora da Palavra; a indicação de não saudar ninguém pelo caminho demonstra a urgência da missão; a indicação de que não devem saltar de casa em casa sugere que a preocupação fundamental dos discípulos deve ser a dedicação total à missão e não a de encontrar uma hospitalidade mais confortável. 

Anúncio – Qual deve ser o anúncio fundamental que os discípulos apresentam? Eles devem começar por anunciar “a paz”. Aqui, não se trata apenas da saudação normal entre os judeus, mas do anúncio dessa paz messiânica que preside ao Reino. É o anúncio desse mundo novo de fraternidade, de harmonia com Deus e com os outros, de bem-estar, de felicidade (tudo aquilo que é sugerido pela palavra hebraica “shalom”). Esse anúncio deve ser complementado por gestos concretos de libertação, que mostrem a presença do Reino no meio dos homens. 

Poeira – As palavras de ameaça às cidades que se recusam a acolher a mensagem (Até a poeira desta cidade que grudou nos nossos pés nós sacudimos contra vocês!) não devem ser tomadas ao pé da letra: são uma forma bem oriental de sugerir que a rejeição do Reino trará conseqüências trágicas à vida daqueles que escolhem continuar a viver em caminhos de egoísmo, de orgulho e de auto-suficiência. 

Resultado – Nos versículos 17-20, Lucas refere-se ao resultado da ação missionária dos discípulos. As palavras com que Jesus acolhe os discípulos descrevem, figuradamente, a presença do Reino enquanto realidade libertadora. Apesar do êxito da missão, Jesus põe os discípulos de sobreaviso para o orgulho pela obra feita: eles não devem ficar contentes pelo poder que lhes foi confiado, mas sim porque os seus nomes estão “inscritos no céu” (a imagem de um livro onde estão inscritos os nomes dos eleitos é freqüente nesta época, particularmente nos apocalipses – veja em Dn 12,1; Ap 3,5; 13,8; 17,8; 20,12.15; 21,27).