sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Humildade e hospitalidade


O Evangelho deste domingo coloca-nos no ambiente de um banquete em casa de um fariseu. Deve tratar-se da refeição solene de sábado, que se tomava por volta do meio-dia, na volta da sinagoga, para a qual eram convidados hóspedes. Durante a refeição, discutia-se as leituras escutadas durante o ofício sinagogal. 

Fariseus – Os fariseus formavam um dos principais grupos religioso-político da sociedade palestina dessa época. Dominavam os ofícios sinagogais e estavam presentes em todos os passos religiosos dos israelitas. A sua preocupação fundamental era transmitir a todos o amor pela Torah (cinco primeiros livros da Bíblia), quer escrita, quer oral. Tratava-se de um grupo sério, verdadeiramente empenhado na santificação do Povo de Deus; mas, ao absolutizarem a Lei, esqueciam as pessoas e passavam por cima do amor e da misericórdia. Consideravam-se “puros” e desprezavam o povo do país, que por causa da ignorância e da vida dura que levava, não podia cumprir integralmente os preceitos da Lei. 

Banquete – Conscientes das suas capacidades, da sua integridade e superioridade, não eram propriamente modelos de humildade. Isso talvez explique o ambiente de luta pelos lugares de honra que o Evangelho faz referência. É bom lembrar, que estamos no contexto de um “banquete”. O “banquete”, no mundo semita, é o espaço do encontro fraterno, o lugar onde os convivas partilham do mesmo alimento e estabelecem laços de comunhão, de proximidade, de familiaridade, de irmandade. Jesus aparece, muitas vezes, envolvido em banquetes, não porque fosse “comilão e beberrão”, mas porque, ao ser sinal de comunhão, de encontro, de familiaridade, o banquete anuncia a realidade do “reino”. 

Reino – As palavras que Jesus dirigiu aos convidados que disputavam os lugares de honra não era exatamente uma novidade, pois já o Antigo Testamento aconselhava a não ocupar os primeiros lugares. Mas o que era uma exortação moral no Antigo Testamento, nas palavras de Jesus converte-se numa apresentação do “Reino” e da lógica do “Reino”: o “Reino” é um espaço de irmandade, de fraternidade, de comunhão, de partilha e de serviço, que exclui qualquer atitude de superioridade, de orgulho, de ambição, de domínio sobre os outros; quem quiser entrar nele, tem que se fazer pequeno, simples, humilde e não ter pretensões de ser melhor, mais justo ou mais importante do que os outros. 

Lógica do Reino – Jesus põe em evidência – em nome da lógica do “Reino” – a prática de convidar para o banquete apenas os amigos, os irmãos, os parentes, os vizinhos ricos. Os fariseus escolhiam cuidadosamente os seus convidados para suas refeições: não era conveniente convidar alguém de “nível menos elevado”, pois a “comunidade de mesa” criava vínculo entre os convidados e não era interessante estabelecer laços com gente “desclassificada e pecadora” (por exemplo, nenhum fariseu se sentava à mesa com alguém pertencente ao “povo da terra”, desclassificado e pecador). 

Retribuição – Por outro lado, também os fariseus tinham a tendência – própria de todas as pessoas, de todas as épocas e culturas – de convidar aqueles que podiam retribuir da mesma forma… A questão é que, dessa forma, tudo se tornava um intercâmbio de favores e não gratuidade e amor desinteressado. 

Convidados – Jesus denuncia – em nome do “Reino” – esta prática; mas vai mais além e apresenta uma proposta verdadeiramente subversiva… Segundo Ele, é preciso convidar “os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos”. Os cegos, coxos e aleijados eram considerados pecadores notórios, amaldiçoados por Deus e por isso estavam proibidos de entrar no Templo (2Sm 5,8), para não profanar esse lugar sagrado (Lv 21,18-23). No entanto, são esses que devem ser os convidados para o “banquete”. 

Verdadeiro banquete – Já percebemos que, aqui, Jesus já não está simplesmente falando dessa refeição comida em casa de um fariseu, na companhia de gente distinta; mas está falando daquilo que esse “banquete” anuncia e prefigura: o banquete do “Reino”. 

Perfil do Reino – Jesus traça, portanto, os contornos do “Reino”: ele é como um “banquete”, no qual os convidados estão unidos por laços de familiaridade, de irmandade, de comunhão. Para esse “banquete”, todos – sem exceção – são convidados (inclusive aqueles que a cultura social e religiosa tantas vezes exclui e marginaliza). As relações entre os que aderem ao banquete do “Reino” não serão marcadas pelos jogos de interesses, mas pela gratuidade e pelo amor desinteressado; e os participantes do “banquete” devem despir-se de qualquer atitude de superioridade, de orgulho, de ambição, para se colocarem numa atitude de humildade, de simplicidade, de serviço.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Apenas 144 mil se salvarão?


Ambiente – O episódio do Evangelho deste domingo apresenta Jesus a caminho de Jerusalém, no final de sua pregação. Situa-se em outubro/novembro do ano 29, portanto, quatro meses antes da Paixão (lembremos que Jesus foi crucificado e morreu no dia 7 de abril do ano 30). Ele estava percorrendo os povoados com os seus discípulos, quando alguém não identificado lança a seguinte questão: “Senhor, são poucos os que se salvam?”  

Apocalipse: este livro destoa? – Até a época de Jesus, jamais um escritor sagrado se atrevera a predizer o número de pessoas que se salvariam no fim do mundo. Nem sequer São Paulo, que se refere ao tema em várias ocasiões, se animou a fazê-lo. Contudo, no Apocalipse (7,4), o autor tem uma visão, na qual contempla o número de 144 mil. Em Ap 14,1, esse número é confirmado, predizendo que serão resgatados por Jesus Cristo. Mas, como o autor do Apocalipse fixou esse número, se o próprio Jesus não deu informações sobre esse assunto? 

Uma pergunta que incomoda – Depois de tanto esforço por parte de Deus em ajudar os homens, por que tão poucos serão beneficiados com esta salvação? 

Números simbólicos – Atualmente, nenhum estudioso sério da Bíblia admite que o número 144.000 corresponda a uma quantidade exata, já que estão de acordo que se trata de um número simbólico. O número 1.000 significa “muito”. Seria o mesmo que disséssemos: “eu falei mil vezes para você não fazer isso!”. O mesmo acontece com as idades do patriarcas: Adão viveu até 930 anos; ou, Noé tinha 600 anos quando começou o Dilúvio; ou ainda, Matusalém gerou seu filho Lamec aos 187 anos! É evidente que essas idades não são reais, mas foram deliberadamente exageradas, para simbolizar a bênção de Deus com uma longa vida terrena. 

Números absurdos – Se tomarmos ao pé da letra os números do Êxodo, seriam três milhões de pessoas que peregrinaram por 40 anos no deserto, número jamais alcançado pela população de Israel em toda a sua história. O exército que perseguiu o povo pelo deserto teria 60 mil fileiras por uma extensão de 60 quilômetros. Se somarmos todas as pessoas (povo e exército), eles cobririam a distância total do Egito ao Sinai... Resumindo: esses números não expressam quantidades reais. 

E os 144 mil? João escreve no Apocalipse que somos o novo povo, libertado com o sangue de Cristo. E quantos seriam esses novos libertados? Ele o diz com um novo número simbólico: 144.000. Com efeito, esta cifra é produto de 12x12x1.000. Que significado tem esta quantidade? Na Bíblia, o número 12, aplicado às pessoas, sempre significa “os eleitos”. Assim, as doze tribos eleitas de Israel, os doze apóstolos eleitos, as doze portas da nova Jerusalém, por onde entrariam os eleitos (Ap 21, 22). Portanto, afirmar que se salvarão 144 mil equivale a dizer que se salvarão os eleitos do Antigo Testamento (12) e os eleitos do Novo Testamento (x 12), em uma grande quantidade (x 1.000). 

Mais que 144 mil – João, no entanto, sempre desejoso de ser bem interpretado, apesar de usar uma linguagem simbólica, acrescenta a seguir: “Depois olhei e eis uma grande multidão que ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas. Estavam diante do trono e do Cordeiro, vestidos de túnicas brancas e com palmas nas mãos” (Ap 7, 9). Isso quer dizer que não são somente os 144 mil os salvos, mas os que formam um povo incalculável, impossível de se contar e provenientes dos mais diferentes lugares. 

Salvação absurda – Alguns anos atrás, alguns cientistas alemães calcularam quantas pessoas já teriam vivido na Terra, até os nossos dias. O resultado chegava a um total de 77 milhões de seres humanos. Supondo que o fim do mundo chegasse agora e fossem salvos somente 144.000, então somente 0,0001% da população mundial se salvaria. Esse tipo de pensamento contraria toda a Revelação, pois transforma o plano de salvação de Deus no maior fracasso jamais programado. Interpretar literalmente a cifra 144.000 implica não só desconhecer a Bíblia, mas também, e o que é mais grave, desconhecer e menosprezar o poder salvador de Deus. 

Salvação – Felizmente a Palavra de Deus é mais otimista do que muitos agourentos apocalípticos que, fixando um número exato de libertados, pretendem atemorizar o povo e forçá-lo a converter-se. Nem a Bíblia, nem a Igreja, nada pode fechar num modesto número dos que se salvarão. Queremos saber quantos são? Isso cada um tem de responder com sua própria vida.

sábado, 17 de agosto de 2013

Documentos descrevem a Assunção de Maria


No próximo domingo a Igreja comemora a Assunção de Maria, conforme o dogma publicado pelo Papa Pio XII (1950): “A Virgem Imaculada, que fora preservada de toda a mancha de culpa original, terminando o curso da sua vida terrena, foi elevada à glória celeste em corpo e alma”. 

Mistério – Os detalhes da morte, enterro e assunção da Virgem Maria são um dos maiores mistérios do Novo Testamento. A Igreja usa o texto da Carta de São Paulo (1Cor 15, 20-23) e do Apocalipse (Ap 11, 19; 12, 1), para fundamentar o dogma. Nenhuma descrição ou fato histórico é citado. Apresentamos aqui as descobertas mais recentes sobre o assunto: 

Cronograma – Um cronograma aproximado da vida de Maria seria o seguinte: nasceu no ano 20 a.C., aproximadamente; filha de Ana e Joaquim. No final do ano 7 a.C. (com 13 anos) deu à luz Jesus, na cidade de Belém. Maria assistiu a crucificação e morte de Jesus em abril do ano 30 d.C., com 50 anos de idade. Segundo Hipólito de Tebas (autor bizantino do século VII), a Virgem Maria viveu onze anos após a morte de Jesus, morrendo no ano de 41 d.C. (com 61 anos de idade). 

João Paulo II – Em catequese, no dia 9 de julho de 1997, o Papa João Paulo II disse que o primeiro testemunho de fé na assunção da Virgem Maria aparece nas histórias apócrifas, intituladas "Transitus Mariae", cujo núcleo original remonta ao século II e descreve a morte, o sepultamento, o túmulo e a ascensão de Maria aos Céus. Segundo a palavra do Pontífice este texto reflete uma intuição da fé do povo de Deus. 

O texto – O autor do “Transitus Mariae” usa o pseudônimo de Melitão. Existiu um Melitão, Bispo de Sardes, no ano de 150, mas não deve ser o mesmo. O autor diz que escutou de São João apóstolo a seguinte história: Maria vivia em sua casa, quando recebeu a visita de um anjo anunciando que, em três dias, seria elevada aos céus. Então ela pediu ao anjo que gostaria que todos os apóstolos estivessem reunidos. 

Morte – Três dias depois, Maria morreu na presença de todos os apóstolos. Pedro recebeu uma mensagem de Cristo: ele deveria tomar o corpo de Maria e levar à direita da cidade, até o oriente, onde encontraria um sepulcro novo. Ali deveria depositar o corpo de Maria e aguardar um novo aparecimento de Cristo. 

Enterro – Os apóstolos assim fizeram: colocaram o corpo num caixão, saíram de Jerusalém, à direita da cidade, entraram no Vale de Josafat (ou vale do Cedron), no caminho para o Monte das Oliveiras, depositaram o corpo no sepulcro, fecharam com uma pedra e ficaram esperando. 

Assunção – Cristo ressuscitado apareceu, saudando a todos: “A paz esteja convosco”. Pedro disse: “Senhor, se possível, parece justo que ressuscite do corpo de sua mãe e a conduza contigo ao Céu”.  Jesus disse: “Tu que não aceitasse a corrupção do pecado não sofrerás a corrupção do corpo no sepulcro”. E os anjos a levaram ao paraíso. Enquanto ela subia, Jesus falou aos apóstolos: “Do mesmo modo que estive com vocês até agora, estarei até o fim do mundo”. E desapareceu entre as nuvens junto com os anjos e Maria. 

Impressionante descoberta – A arqueologia estudou durante anos os detalhes da pequena igreja existente no local descrito pelo texto “Transitus Mariae” sem nada encontrar. Em 1972, uma chuva torrencial alagou a igreja e exigiu a reconstrução do piso. Ao remover o piso, apareceu um grande porão, com uma câmara funerária do primeiro século. Todas as descrições do livro apócrifo estavam confirmadas. 

Quer ler mais – Se você se interessou pelo assunto, nós podemos lhe oferecer a história completa do “Túmulo de Maria” escrita pelo teólogo católico Ariel Alvarez Valdes (17 páginas, em espanhol) com fotos e desenhos do túmulo. Também podemos oferecer o texto completo do livro apócrifo “Transitus Mariae”, escrito no século II (16 páginas, em espanhol). Solicite por E-mail.

sábado, 10 de agosto de 2013

Vigiai e estai preparados


A Palavra de Deus que a liturgia deste domingo nos propõe convida-nos à vigilância: o verdadeiro discípulo não vive de braços cruzados, numa existência de comodismo e resignação, mas está sempre atento e disponível para acolher o Senhor, para escutar os seus apelos e para construir o “Reino”. O Evangelho das missas deste domingo começa com uma referência ao “verdadeiro tesouro” que os discípulos devem procurar e que não está nos bens deste mundo: trata-se do “Reino” e dos seus valores. A questão fundamental é: como descobrir e guardar esse “tesouro”? A resposta é dada em três “parábolas”, que apelam à vigilância. 

A primeira parábola convida a ter os rins cingidos e as lâmpadas acesas (o que parece aludir a Ex 12,11 e à noite da primeira Páscoa, celebrada de pé e “com os rins cingidos”, antes da viagem para a liberdade), como homens que esperam o senhor que volta da sua festa de casamento. Os que creem são, assim, convidados a estarem preparados para acolher a libertação que Jesus veio trazer e que os levará da terra da escravidão para a terra da liberdade; e são também convidados a acolherem “o noivo” (Jesus) que veio propor à “noiva” (a humanidade) a comunhão plena com Deus (a “nova aliança”, representada na teologia judaica através da imagem do casamento). 

A segunda parábola aponta para a incerteza da hora em que o Senhor virá. A imagem do ladrão que chega a qualquer hora, sem ser esperado, é uma imagem estranha para falar de Deus; mas é uma imagem sugestiva para mostrar que o discípulo fiel é aquele que está sempre preparado, a qualquer hora e em qualquer circunstância, para acolher o Senhor que vem. 

A terceira parábola parece dirigir-se aos responsáveis da comunidade, que devem permanecer fiéis às suas tarefas de animação e de serviço: se algum deles descuida de suas responsabilidades no serviço aos irmãos e usa as funções que lhe foram confiadas de forma negligente ou em benefício próprio, será castigado. A última afirmação (“a quem muito foi dado, muito será exigido, a quem muito foi confiado, mais se lhe pedirá – vers. 48b) é claramente dirigida aos responsáveis da comunidade; mas pode aplicar-se a todos os que receberam dons materiais ou espirituais. 

Reflexão – O Evangelho nos propõe refletir que:

♦ A vida dos discípulos de Jesus precisa ser uma espera vigilante e atenta, pois o Senhor, permanentemente, vem ao nosso encontro e nos desafia a nos despirmos das cadeias que nos escravizam e a percorrermos, com Ele, o caminho da libertação. O que é que nos distrai, que nos prende, que nos aliena e que nos impede de acolher esse dom contínuo de vida?

♦ Ser cristão não é um trabalho “das 8 às 18h”, ou um “hobby” de fim-de-semana; é um compromisso em tempo integral, que deve marcar cada pensamento, cada atitude, cada opção, vinte e quatro horas por dia… Estou consciente dessa exigência e suficientemente atento para marcar, com o selo do meu compromisso cristão, todas as minhas ações e palavras?

♦ Viver a Palavra é um constante desafio Estou suficientemente atento e disponível para acolher e responder aos apelos que Deus me faz e aos desafios que se apresentam através das necessidades dos irmãos? Estou suficientemente atento e disponível para escutar os sinais, através dos quais Deus me apresenta as suas propostas?

♦ Por vezes, os discípulos de Jesus manifestam a convicção de que tudo vai de mal a pior, que esta geração de tão poucos valores está perdida e que não é possível fazer mais nada para tornar o mundo mais humano e mais feliz… Isso não será, apenas, uma forma de mascararmos o nosso egoísmo e comodismo e de nos recusarmos a ser protagonistas empenhados na construção desse “Reino” que é o tesouro mais valioso?

♦ A Palavra de Deus deste final de semana contém uma indagação especial a todos aqueles que desempenham funções de responsabilidade, quer na Igreja, quer no governo, quer nas autarquias, quer nas empresas, quer nas repartições… Convida cada um a assumir as suas responsabilidades e a desempenhar, com atenção e empenho as funções que lhe foram confiadas. A todos aqueles a quem foi confiado o serviço da autoridade, a Palavra de Deus pergunta sobre o modo como nos comportamos: como servos que, com humildade e simplicidade cumprem as tarefas que lhes foram confiadas, ou como ditadores que manipulam os outros a seu bel‑prazer? Estamos atentos às necessidades – sobretudo dos pobres, dos pequenos e daqueles que são frágeis – ou nos instalamos no egoísmo e no comodismo e deixamos que as coisas se arrastem, sem entusiasmo, sem vida, sem desafios, sem esperança?

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

“Tenham cuidado com qualquer tipo de ganância”


A catequese que Jesus faz, apresentada no texto do Evangelho deste domingo, é sobre a atitude face aos bens. A reflexão é trazida à luz por uma questão relacionada com a partilha de bens. 

A Questão – Um homem queixa-se a Jesus, porque o irmão não quer repartir a herança com ele. Segundo as tradições judaicas, o filho primogênito de uma família de dois irmãos receberia dois terços das possessões paternas. Segundo o Livro do Deuteronômio (Dt 21,17), os bens deveriam ser atribuídos ao primogênito, para guardar intacto o patrimônio da família. O homem que interpela Jesus é, provavelmente, o irmão mais novo, que ainda não tinha recebido nada. Era frequente, no tempo de Jesus, que os “doutores da lei” assumissem o papel de juízes, em casos similares… 

Como é que Jesus se posiciona diante desta questão? – Jesus recusa-se, delicadamente, a se envolver em questões de direito familiar ou a tomar posição por um irmão contra outro (“amigo, quem me fez juiz ou árbitro das vossas partilhas?”). O que estava em causa, na questão, era a cobiça, a luta pelos bens, o apego excessivo ao dinheiro (talvez por parte dos dois irmãos). Jesus explica porque é que Ele não aceita se envolver na questão: o dinheiro não é a fonte da verdadeira vida. A cobiça dos bens (o desejo insaciável de ter) é idolatria: não conduz à vida plena, não responde às aspirações mais profundas do homem, não conduz a um autêntico amadurecimento da pessoa. A lógica do Reino não é a lógica de quem vive para os bens materiais; quem quiser viver na dinâmica do Reino, deverá ter isto presente. 

Ganância – A parábola que Jesus vai apresentar, na sequência, ilustra a atitude do homem: voltado para os bens perecíveis e esquecendo-se do essencial – aquilo que dá a vida em plenitude. A história apresenta-nos um homem previdente, responsável, trabalhador (que até poderíamos admirar); mas que, de forma egoísta e obsessiva, vive apenas para os bens, que lhe asseguram tranquilidade e bem-estar material (e nisso, já não o podemos admirar). Esse homem representa todos aqueles cuja vida é apenas um acumular sempre mais, esquecendo todo o resto – inclusive Deus, a família e os outros. Representa todos aqueles que, vivendo uma relação de “circuito fechado” com os bens materiais, fizeram deles o seu deus pessoal, esquecendo que não é aí que está o sentido mais fundamental da existência. 

Egoísmo – O que Jesus pretende, ao contar essa história? Convidar os seus discípulos a despojar-se de todos os bens? Ensinar aos seus seguidores que não devem se preocupar com o futuro? Propor, aos que fizeram a sua adesão ao Reino, uma existência de miséria, sem o necessário para uma vida minimamente digna e humana? NÃO. O que Jesus pretende é dizer-nos que não podemos viver na escravidão do dinheiro e dos bens materiais, como se eles fossem a coisa mais importante de nossas vidas. A preocupação excessiva com os bens, a sua busca obsessiva, constitui uma experiência de egoísmo, de fechamento, de desumanização, que centra o homem em si próprio e o impede de estar disponível e de ter espaço, na sua vida, para os valores verdadeiramente importantes – os valores do Reino. Quando o coração está cheio de cobiça, de avareza, de egoísmo, quando a vida se torna um combate obsessivo pelo “ter”, quando o verdadeiro motor da vida é a ânsia de acumular, o homem torna-se insensível aos outros e a Deus; é capaz de explorar, de escravizar o irmão, de cometer injustiças, a fim de ampliar a sua conta bancária. Torna-se orgulhoso e auto-suficiente, incapaz de amar, de partilhar, de se preocupar com os outros… Fica, então, à margem do Reino. 

Importante – Esta parábola não se destina apenas àqueles que têm muitos bens; mas a todos aqueles que, tendo muito ou pouco, vivem obcecados com os bens, orientam a sua vida no sentido do “ter” e fazem dos bens materiais os deuses que condicionam a sua vida e o seu agir.