domingo, 22 de setembro de 2013

Com quem se casou Caim, o filho de Adão e Eva?


O primeiro homicida – Conta a Bíblia que, pouco tempo antes de serem expulsos do Paraíso, Adão e Eva tiveram dois filhos chamados Caim e Abel (Gn 4). O mais velho dedicava-se à agricultura e o mais novo era pastor. Eram muito religiosos e ofereciam os frutos de seus trabalhos a Deus: Caim, o produto do campo e Abel, as primícias do rebanho. Como Deus só se comprazia com a oferenda de Abel, Caim começou a alimentar o ódio contra seu irmão. Até que um dia convidou-o a ir ao campo e aí o atacou e o matou. 

Contradições do texto – O relato começa dizendo que Caim era lavrador e Abel pastor de ovelhas (Gn 4,2). Mas, se ambos são filhos dos primeiros homens, isso é impossível. Segundo a paleontologia, os primeiros seres humanos que surgiram sobre a terra, há dois milhões de anos, viviam da caça, da pesca e dos frutos naturais do solo. A domesticação de animais só apareceu 10.000 anos a.C. e a agricultura mais tarde ainda, uns 8.000 a.C. Como poderia Caim conhecer a agricultura e Abel ser pastor? Em Gn 4,4 conta-se que Abel oferecia a Deus as primícias do rebanho e a gordura dos animais. Mas a ordem de Deus para a oferta dos primogênitos dos rebanhos aconteceu séculos depois, a Moisés, no Monte Sinai (Ex 34,19). Como poderia Abel oferecer o que ainda não estava mandado? 

Mais contradições – Mais adiante, Caim convida seu irmão a ir para o campo com ele (Gn 4,8). Mas, por acaso, eles viviam na cidade, quando existiam apenas quatro pessoas no mundo? Depois de seu crime, Caim exclama: “Quem me encontrar, matar-me-á” (Gn 4,14). Quem poderia matá-lo, senão Adão ou Eva? Mas, talvez, o que mais assombre os leitores seja a leitura de Gn 4,17, onde se afirma que Caim se casou e sua mulher ficou grávida. De onde apareceu essa mulher? A única mulher que existia era Eva!  

A origem da história – Quando os hebreus se estabeleceram na Palestina (depois do êxodo do Egito) havia uma lenda sobre um antigo herói chamado Caim, fundador de uma famosa tribo beduína, chamada “cainita”, que habitava o deserto, ao sul de Israel. A história incluía também seu casamento e o nascimento de seu filho Henoc (Gn 4,17). A história não tinha nenhuma relação com Adão e Eva. 

O homicida Caim – Chamava a atenção dos hebreus o fato de os cainitas viverem em pleno deserto, isolados das terras cultivadas. Perguntavam então: por que os cainitas levam vida tão penosa e errante, longe da terra prometida e abençoada por Deus? Diziam que se tratava de um castigo de Deus, que os havia condenado a viver errantes por causa de algum delito cometido pelo seu fundador. Que tipo de delito? Não sabiam, mas, como os cainitas destruíam as terras cultivadas de suas tribos irmãs de raça, imaginaram que o delito de Caim era contra seu irmão. Com o tempo, foi acrescentada a história do irmão assassinado. Assim imaginaram a lenda da morte de Abel. 

O irmão que faltava – Assim foi que esta história entrou numa segunda etapa. Aquele legendário herói, chamado Caim, fundador dos cainitas, a tradição hebréia o converteu, pouco a pouco, num fratricida condenado por Deus a viver uma vida errante. 

Plágio em nome de Deus – Mais tarde, na época do rei Salomão, a história de Caim passou para uma terceira etapa. Quando foi escrito o livro do Gênesis, o autor se deu conta que a lenda oferecia muitas possibilidades. Caim se prestava perfeitamente para aprofundar a explicação da presença do mal no mundo. E, com alguns retoques, Caim se tornou filho de Adão e Eva (apesar das incoerências). Diante da angustiante pergunta sobre a razão do mal, o autor teria respondido com a história de Adão e Eva: porque o homem desobedeceu a Deus. Contudo, esse diagnóstico ainda era insatisfatório. Dizer que só quando o homem peca contra Deus é que se produz uma desordem no mundo, era dizer a metade. Com a história de Caim, pode completar seu ensinamento, dizendo que o mal também vai crescendo no mundo pelos delitos contra os demais homens. 

A ampliação de Jesus – A lenda de Caim fomentou o ensinamento do respeito ao irmão da mesma forma com que se respeitava a Deus. Os judeus, porém, consideravam irmão apenas os outros judeus, excluindo o resto das nações. Por isso Jesus, muitos séculos mais tarde, voltaria a atualizar este mesmo ensinamento: amar a Deus de todo o coração e amar o próximo como se ama a si mesmo. E quando lhe perguntaram quem era o próximo, ampliou a interpretação desta palavra e a estendeu a todos os homens com os quais nos encontramos nos caminhos da vida (Lc 10,25-37). Lá nos começos da pré-história bíblica, o relato de Caim ensina-nos que, para encontrar o equilíbrio da vida é necessário o respeito ao próximo e a Deus.

Nenhum comentário:

Postar um comentário