A primeira
leitura das missas deste domingo (1Reis 3, 5.7-12) apresenta-nos o rei Salomão
refletindo sobre o seu reinado. Ele é o protótipo do homem sábio, que consegue
perceber e escolher o que é importante e que não se deixa seduzir e alienar por
valores passageiros.
O texto – O Senhor apareceu em sonhos a Salomão e disse-lhe: “Pede o que quiseres”.
Consciente da grandeza da sua tarefa e das suas próprias limitações, o jovem
rei pede a Deus que lhe dê um coração “sábio” para governar com justiça. A
prece do rei é atendida e Deus concede a Salomão uma “sabedoria” inigualável,
acrescentado três dons: a riqueza, a glória e a longa vida (confira em 1Re
3,13-14).
Davi – O grande rei David morreu por volta de 972 a.C., após um reinado longo e
fecundo, ocupado a expandir as fronteiras do reino, a consolidar a união entre
as tribos do norte e do sul e a conquistar a paz e a tranquilidade para o Povo
de Deus. Sucedeu-lhe no trono o filho, Salomão.
Filho de Davi – Salomão desenvolveu um trabalho meritório na estruturação do reino que o
pai lhe legou. Organizou a divisão administrativa do território que herdou,
dotou-o de grandes construções (das quais a mais emblemática é o Templo de
Jerusalém), fortificou as cidades mais importantes, potenciou o intercâmbio
cultural e comercial com os países da zona, incentivou e apoiou a cultura e as
artes.
Estrutura administrativa – Preocupado com a constituição de uma classe política preparada para as
tarefas da governação, Salomão recrutou “sábios” estrangeiros (sobretudo
egípcios) para a sua corte e rodeou-se de homens que se distinguiam pelo seu
“saber”, pela sua justiça e prudência. Esses “quadros”, além de aconselharem o
rei, tinham também a tarefa de preparar os futuros “funcionários” para
desempenharem funções no aparelho governativo montado por Salomão.
Sabedoria – A corte de Salomão tornou-se, assim, um “viveiro” de “sabedoria”. Os
“sábios” de Salomão coligiram provérbios, redigiram “máximas” de carácter
sapiencial, deram “instruções” (sobre as virtudes que deviam ser cultivadas
para ter êxito e para ser feliz). Nesta fase, também redigiram-se crónicas
sobre os reinados anteriores e publicaram-se textos sobre as tradições dos
antepassados (surgem, nesta época, as primeiras tradições do Pentateuco). Não
admira, portanto, que Salomão tenha ficado na memória histórica de Israel como o
protótipo do rei sábio, “cuja sabedoria excedia a todos os orientais e
egípcios” (1 Re 4,30).
Herança – Salomão é também, historicamente, o primeiro rei que “herda” o trono.
Até agora, os seus predecessores não chegaram ao trono por herança, mas receberam-no
das mãos de Deus (segundo a visão “religiosa” dos catequistas bíblicos). Os
teólogos de Israel vão, pois, esforçar-se por sacralizar o poder de Salomão e
demonstrar que, se Salomão chegou a governar o Povo de Deus, não foi apenas por
um direito hereditário (sempre contestável), mas pela vontade de Deus.
O nosso texto – O texto que hoje nos é proposto supõe todo este enquadramento. O chamado
“sonho de Gabaon” (1Re 3,5) é uma ficção literária montada pelos teólogos
deuteronomistas (grupo com as ideias teológicas apresentadas no Livro do Deuteronômio)
com uma dupla finalidade: apresentar Salomão como o escolhido de Javé e
justificar a sua proverbial “sabedoria”.
Mensagem – Salomão não planejou o seu reinado como um privilégio pessoal que podia
ser usado em benefício próprio, mas sim como um ministério que lhe foi confiado
por Deus. Salomão tinha consciência de que a autoridade é um serviço que deve
ser exercido com “sabedoria” e que o objetivo final desse serviço é a
realização do bem comum.
Sabedoria – O aspecto mais importante do tema da liturgia deste domingo é a “qualidade”
da resposta de Salomão: ele não pede riqueza nem glória, mas pede as aptidões
necessárias e a capacidade para cumprir bem a missão que Deus lhe confiou.
Salomão aparece aqui como o modelo do homem que sabe escolher as coisas
importantes e que não se deixa distrair por valores passageiros. Dizer que a
súplica de Salomão “agradou ao Senhor” (vers. 10) é propor aos israelitas que
optem pelos valores eternos, duradouros e essenciais.