O Evangelho deste domingo (Jo 15,
9-17) situa-nos, outra vez, em Jerusalém, numa noite de Quinta-feira do mês de
Nisan, do ano trinta. A festa da Páscoa está muito próxima e a cidade está
cheia de forasteiros. Jesus também está na cidade com o seu grupo de
discípulos. A morte na cruz já é uma ameaça real e Jesus está plenamente
consciente disso. Os discípulos também já perceberam que estão vivendo um
momento decisivo e que, nas próximas horas, Jesus vai ser tirado deles.
Despedida – É nesse contexto que podemos
situar a última ceia de Jesus com os discípulos. Trata-se de uma “ceia de
despedida” e tudo o que aí é dito por Jesus soa a “testamento final”… Jesus
sabe que vai partir para o Pai e que os discípulos ficarão no mundo,
continuando e testemunhando o projeto do “Reino”. Nesse momento de despedida,
as palavras de Jesus recordam aos discípulos o essencial da mensagem e
apresentam as grandes coordenadas desse projeto que eles devem continuar a
concretizar no mundo.
Para uma reflexão deste Evangelho,
reproduzimos o comentário do padre Raniero Cantalamessa, pregador da Casa Pontifícia
do Vaticano.
Amor – “Este é o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros como eu vos
amei... O que vos mando é que vos ameis uns aos outros”. O amor, um mandamento?
Pode-se fazer do amor um mandamento sem destruí-lo? Que relação pode haver
entre amor e dever, dado que um representa a espontaneidade e o outro a
obrigação?
Mandamentos – Deve-se saber que existem dois tipos de mandamentos. Existe um
mandamento ou uma obrigação, que vem do exterior, de uma vontade diferente à
minha, e um mandamento ou obrigação que vem de dentro e que nasce da mesma coisa.
A pedra que se lança ao ar ou a maçã que cai da árvore estão “obrigadas” a
cair, não podem fazer outra coisa; não porque alguém imponha isso, mas porque
nelas há uma força interior de gravidade que as atrai para o centro da Terra.
Leis – De igual forma, há dois grandes modos segundo os quais o homem pode ser
induzido a fazer ou não determinada coisa: por constrição ou por atração. A lei
e os mandamentos ordinários o induzem do primeiro modo: por constrição, com a
ameaça do castigo; o amor, o induz do segundo modo: por atração, por um impulso
interior. Cada pessoa, com efeito, é atraída pelo que ama, sem que sofra
constrição alguma do exterior. Mostre a uma criança um brinquedo e a você a verá
lançar-se para agarrá-lo. O que a impulsiona? Ninguém; é atraída pelo objeto de
seu desejo. Ensina um Bem a uma alma sedenta de verdade e se lançará para ele.
Quem a impulsiona? Ninguém; é atraída por seu desejo.
Mandamento do
amor? Mas se é assim, isto é, se somos
atraídos espontaneamente pelo bem e pela verdade que é Deus, que necessidade
haveria de fazer deste amor um mandamento e um dever? É que, rodeados como
estamos de outros bens, corremos o perigo de errar, de estender falsos bens e
perder assim o Sumo Bem. Como uma nave espacial dirigida para o Sol deve seguir
certas regras, para não cair na esfera da gravidade de algum planeta ou
satélite intermediário, nós, igualmente [devemos ter algumas regras] ao tender
para Deus. Os mandamentos, começando pelo “primeiro e maior de todos”, que é o
de amar a Deus, servem para isto.
Dever – Tudo isso tem um impacto direto, também, na vida e no amor humano. Cada
vez são mais numerosos os jovens que rejeitam a instituição do matrimônio e
elegem o chamado amor livre ou a simples convivência. O matrimônio é uma instituição;
uma vez contraído, liga, obriga a ser fiel e a amar o companheiro para toda a
vida. Mas que necessidade tem o amor, que é instinto, espontaneidade, impulso
vital, de transformar-se em um dever?
Sempre – O filósofo Kierkegaard dá uma resposta convincente: “Só quando existe o
dever de amar, só então o amor está garantido para sempre contra qualquer
alteração; eternamente liberado em feliz independência; assegurado em eterna
bem-aventurança contra qualquer desespero”. Quer dizer: o homem que ama verdadeiramente
quer amar para sempre. O amor necessita ter como horizonte a eternidade; se
não, não é mais que uma brincadeira, um “amável mal-entendido” ou um “perigoso passatempo”.
Por isso, quanto mais intensamente o homem ama, mais percebe com angústia o
perigo que corre o seu amor, o perigo que não vem de outros, mas dele mesmo.
Bem sabe que é volúvel e que amanhã, ai! Poder-se-ia cansar e não amar mais. E
já que, agora que está no amor, vê com clareza a perda irreparável que isto
comportaria, eis aqui que se previne, “vinculando-se” a amar para sempre. O
dever subtrai o amor da volubilidade e o ancora à eternidade. Quem ama é feliz de
“dever” amar, parece-lhe o mandamento mais belo e libertador do mundo.
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