domingo, 24 de maio de 2015

O INÍCIO DA IGREJA


Este domingo é uma grande festa missionária. Marca a transformação da Igreja de uma seita judaica a uma comunidade universal, missionária, mas não proselitista, comprometida com a construção do Reino de Deus "até os confins da terra". A liturgia deste final de semana nos apresenta a descida do Espírito Santo sobre a comunidade dos discípulos, em duas tradições: a de Lucas (Atos 2,1-11) e de João (João 20, 19-23).

Atos – O livro “Atos dos Apóstolos” descreve o dia de Pentecostes, quando os discípulos estavam reunidos. De repente, veio do céu um barulho como se fosse uma forte ventania, que encheu a casa onde eles se encontravam. Então apareceram línguas como de fogo que se repartiram e pousaram sobre cada um deles. Todos ficaram cheios de Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito os inspirava.

Evangelho – O Evangelho de João descreve o anoitecer, o primeiro da semana, quando estavam reunidos com as portas fechadas, Jesus entrou e, pondo-se no meio deles, disse: "A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos envio. Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem não os perdoardes, eles lhes serão retidos".

Diferença – Uma leitura fundamentalista da bíblia leva a gente a um beco sem saída, pois em João, a Ressurreição, a Ascensão e a descida do Espírito se deram no mesmo dia (Páscoa), enquanto Lucas separa os três eventos, num período de cinqüenta dias. Assim devemos ler os textos dentro dos interesses teológicos dos diversos autores: os 40 dias de Lucas, por exemplo, entre a Ressurreição e a Ascensão, correspondem aos 40 dias da preparação de Jesus no deserto, para a sua missão. Pois como Jesus ficou "repleto do Espírito Santo" e se lançou na sua missão "com a força do Espírito", a comunidade cristã se preparou durante o mesmo período, e na festa judaica de Pentecostes também experimentou que "todos ficaram repletos do Espírito Santo".

Lucas – Em Atos, o relato é mais apocalíptico e missionário. Nos primeiros versículos, o ambiente é uma casa onde os discípulos se reuniram. Atos dos Apóstolos nos faz lembrar que estavam reunidos três grupos distintos: os Onze, as mulheres (entre as quais Maria, a mãe de Jesus) e os irmãos do Senhor. Lucas usa imagens apocalípticas, símbolos da teofania ou da manifestação da presença de Deus: o som de um vendaval e as línguas de fogo. A expressão externa da descida do Espírito é o "falar em outras línguas" (não o "falar em línguas" – glossolalia – tão valorizado por muitos grupos de cunho neopentecostal).

Ainda Lucas – Na segunda descrição, muda o enfoque. O ambiente muda – da casa para um lugar público, provavelmente o pátio do Templo. O sinal visível da presença do Espírito não é mais o falar em outras línguas, mas o fato de que todos os presentes pudessem "ouvir, na sua própria língua, os discípulos falarem". O termo "ouvir" aqui implica também "compreender". Por três vezes o relato destaca o fato de os presentes poderem "ouvir" em sua própria língua. Com isso, Lucas quer enfatizar que o dom do Espírito Santo tem um objetivo missionário e profético. O texto é uma releitura da Torre de Babel, onde a língua única era o instrumento de um projeto de dominação (uma torre até o céu), que foi destruído por Deus, pela diversidade de línguas.

Evangelho de João – É o próprio Jesus que aparece aos Apóstolos. Não há reprovação nem queixa nas suas palavras, apesar da infidelidade de todos eles, mas, somente a alegria e a paz que já tinha prometido no último discurso. Duas vezes Jesus proclama o seu desejo para a comunidade dos seus discípulos - "A paz esteja com vocês". O nosso termo "paz" procura traduzir – embora duma maneira inadequada – o termo hebraico "Shalom!", que é muito mais do que "paz" conforme o nosso mundo a compreende.

Shalom – O "Shalom" é a paz que vem da presença de Deus, da justiça do Reino. Como disse o Papa Paulo VI "A justiça é o novo nome da paz!". Jesus não promete a paz do comodismo, mas, pelo contrário, envia os seus discípulos na missão árdua em favor do Reino e promete o shalom, pois ele nunca abandonará a quem procura viver na fidelidade o projeto de Deus. Jesus soprou sobre os discípulos, como Deus fez sobre Adão (é o mesmo termo) quando infundiu nele o espírito de vida; Jesus os recria com o Espírito Santo.

Igreja – Normalmente, imaginamos o Espírito Santo descendo sobre os discípulos em Pentecostes, mas, aquela era a descida oficial e pública do Espírito para dirigir a missão da Igreja no mundo. Para João, o dom do Espírito, que da sua natureza é invisível, flui da glorificação de Jesus, da sua volta ao Pai. O dom do Espírito neste texto tem a ver com o perdão dos pecados.

Reino – Que a celebração nos anime para que busquemos a criação de um mundo onde o Shalom realmente possa reinar; não a paz falsa da opressão e injustiça, mas, do Reino de Deus, fruto de justiça, solidariedade e fraternidade. Jesus nos deu o Espírito Santo – agora depende de nós usarmos essa força que temos, na construção do mundo que Deus quer.

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