No primeiro domingo depois da Epifania, celebra-se
tradicionalmente a Festa do Batismo do Senhor. Assim, o Evangelho (Lc 3,15-16.21-22) apresenta o encontro entre Jesus e João Batista, nas
margens do rio Jordão. Na circunstância, Jesus foi batizado por João Batista, um guia carismático de um movimento
que anunciava a proximidade do “juízo de
Deus”.
Problema – O batismo de Jesus no Rio Jordão é tão
importante teologicamente, que é tratado por cada um dos quatro evangelistas de
maneira diferente, de acordo com a situação de suas comunidades e dos seus
interesses teológicos. A narração do batizado de Jesus logo se tornou um
problema para os primeiros cristãos, pois levantava a questão de como Jesus,
sem pecado, podia ter sido batizado num ritual de purificação dos pecados.
O batismo nos evangelhos – Por isso, Mateus
deixa de fora a referência que Marcos (1, 4) faz ao perdão dos pecados (“E foi assim que João Batista apareceu no
deserto, pregando um batismo de conversão para o perdão dos pecados”) e
adiciona os versículos 14 e 15 (“João
procurava impedi-lo, dizendo: ‘Sou eu que devo ser batizado por ti, e tu vens a
mim? ’ Jesus, porém, lhe respondeu: ‘Por enquanto deixe como está! Porque
devemos cumprir toda a justiça’. E João concordou.”). Para o evangelista
João, o batismo era tão difícil de ser harmonizado com a sua cristologia, que
omite qualquer referência ao batismo e, no seu lugar, faz com que João Batista
aponte Jesus como o "Cordeiro de Deus" (Jo 1, 29-34).
Batismo de conversão – Toda a mensagem que João Batista
anunciava estava centrada na urgência da conversão e incluía um rito de
purificação pela água. O “batismo” proposto por ele não era, na verdade, uma
novidade. O judaísmo conhecia ritos diversos de imersão na água, sempre ligados
a contextos de purificação ou de
mudança de vida. O “mergulhar na água” era, inclusive, um rito usado na
integração dos pagãos que aderiam ao judaísmo, na comunidade do Povo de Deus. Nessa perspectiva, quem
aceitava esse “batismo” renunciava ao pecado, convertia-se a uma vida nova e
passava a integrar a comunidade do Messias.
O que é que Jesus
tem a ver com isto? – Que sentido faz,
Ele apresentar-se a João para receber este “batismo” de purificação, de
arrependimento e de perdão dos pecados? O aparecimento de Jesus na cena significa
o começo de um novo tempo, o tempo em que o próprio Deus vem ao mundo, feito
pessoa humana, para oferecer à humanidade escravizada a vida e a salvação. No
episódio do “batismo”, revela-se a missão e a verdadeira identidade de Jesus.
Quem é o Messias
– A cena do “batismo” identifica
claramente o messias anunciado por João com o próprio Jesus (vers. 21-22). O
Espírito Santo, que desce sobre Jesus “como uma pomba”, leva-nos a essa figura
de “Servo de Jahwéh”, apresentada na primeira leitura, que recebe o Espírito de
Deus para levar “a justiça às nações”. Por outro lado, a “voz vinda do céu”
apresenta Jesus como “o Filho muito amado” de Deus (vers. 22). A missão de
Jesus será, como a do “Servo”, “abrir os olhos aos cegos, tirar do cárcere os
prisioneiros e da prisão os que habitam nas trevas” (Is 42,7). Para concretizar
esse projeto, Ele irá “batizar no Espírito” e inserir os homens numa dinâmica
de vida nova – a vida no Espírito. Na cena, o testemunho de Deus a respeito de
Jesus é acompanhado por três fatos estranhos que, no entanto, devem ser
entendidos em referência a fatos e símbolos do Antigo Testamento.
A abertura do céu - A imagem significa a união da Terra e do Céu e inspira-se,
provavelmente, em Is 63,19. Com ela, Lucas anuncia que a atividade de Jesus vai
reconciliar o Céu e a Terra, vai refazer a comunhão entre Deus e os homens.
A pomba – O símbolo da pomba não é imediatamente claro…
Provavelmente, não se trata de uma alusão à pomba que Noé libertou e que
retornou à arca (Gn 8,8-12); é mais provável que a pomba (em certas tradições
judaicas, símbolo do Espírito de Deus que, no início, pairava sobre as águas – Gn
1,2) evoque a nova criação, que terá lugar a partir da atividade que Jesus vai
iniciar. A missão de Jesus é, portanto, fazer aparecer um Homem Novo, animado
pelo Espírito de Deus.
A voz do céu – Trata-se de uma forma muito usada pelos rabbis para expressar a
opinião de Deus acerca de uma pessoa ou de um acontecimento. Essa voz declara
que Jesus é o Filho de Deus e faz isso com uma fórmula usada no cântico do
“Servo de Jahwéh” (primeira leitura, cf. Is 42,1). Essa referência sugere que a
missão de Jesus, o Filho de Deus, não se desenrolará no triunfalismo, mas na
obediência total ao Pai; não se cumprirá com poder e prepotência, mas na
suavidade, na simplicidade, no respeito pelos homens (“não gritará, nem
levantará a voz; não quebrará a cana fendida, nem apagará a torcida que ainda
fumega” – Is 42,2-3).
Porque é que
Jesus quis ser batizado por João? – Ao receber este batismo de penitência e de perdão dos
pecados (do qual não precisava, porque Ele não conheceu o pecado), Jesus
solidarizou-Se com o homem limitado e pecador, assumiu a sua condição,
colocou-Se ao lado dos homens para ajudá-los a sair dessa situação e para
percorrer com eles o caminho da libertação, o caminho da vida plena. Esse era o
projeto do Pai, que Jesus cumpriu integralmente.
Revelação – A cena do batismo de Jesus revela, essencialmente, que
Jesus é o Filho de Deus, que o Pai O envia ao mundo a fim de cumprir um projeto
de libertação em favor dos homens. Como verdadeiro Filho, Ele obedece ao Pai e
cumpre o plano salvador do Pai; por isso, vem ao encontro dos homens,
solidariza-Se com eles, assume as suas fragilidades, caminha com eles, refaz a
comunhão entre Deus e os homens que o pecado havia interrompido e conduz os
homens ao encontro da vida em plenitude. Da atividade de Jesus, o Filho de Deus
que cumpre a vontade do Pai, resultará uma nova criação, uma nova humanidade.
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