sábado, 30 de abril de 2016

O primeiro Concílio da Igreja


Após a Paixão e morte de Cristo (abril do ano 30), os apóstolos passaram a pregar o Evangelho em toda a Palestina e Império Romano. O principal missionário nesta pregação foi Paulo, que embora não fosse apóstolo, empreendeu várias viagens missionárias, divulgando o cristianismo. Todo esse trabalho de formação das primeiras comunidades cristãs está descrito no livro “Atos dos Apóstolos”.

Dois grupos – Durante a evangelização, Paulo se deparava com dois grupos muito distintos: os pagãos (pessoas ligadas à tradição greco-romana) e os judeus (chamados de judaizantes, cristãos de origem judaica, que conservavam as práticas tradicionais do judaísmo). Na cidade de Antioquia, os dois grupos não se entenderam, criando o primeiro conflito para a Igreja primitiva.

O conflito – Os cristãos provenientes do judaísmo continuavam praticando a circuncisão e observando as prescrições da Lei (Torah, formada pelos cinco primeiros livros do Antigo Testamento – Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio), enquanto a pregação de Paulo não obrigava os pagãos convertidos a esses costumes judaicos. Na comunidade cristã da Antioquia, alguns fariseus convertidos ao cristianismo começaram a ensinar que, também os pagãos, para se salvarem, deveriam primeiro ser “judaizados” (circuncidados) e depois cristianizados.

A questão – O problema era claro: os costumes judaicos pertencem à essência da mensagem cristã? Deve-se impor, aos crentes de origem pagã, a prática da Lei de Moisés? A salvação vem através da circuncisão e da observância da Torah judaica ou única e exclusivamente por Cristo? Jesus Cristo é o único Senhor e Salvador ou seria preciso outras coisas além d’Ele para chegar a Deus e para receber d’Ele a graça da salvação?

A solução – A comunidade cristã de Antioquia, onde a questão se impunha com mais vigor, não tinha certeza sobre qual caminho seguir. Paulo e Barnabé pregavam que Cristo basta, mas os cristãos de origem judaica, que ainda conservavam as práticas tradicionais do judaísmo, defendiam que os ritos prescritos pela “Torah” também eram necessários para a salvação. Decidiu-se, então, enviar uma delegação a Jerusalém, para consultar os Apóstolos e os anciãos sobre a questão.

Concílio – No ano 49 realiza-se, então, o Concílio de Jerusalém (1º Concílio da Igreja), para discutir os rumos da evangelização de Paulo: seus conceitos teológicos (evangelização dos não-judeus) e a preservação de tradições judaicas.  Participaram deste Concílio Paulo, Barnabé, Tito, Tiago, Simão, os apóstolos e presbíteros.

Conclusão – No final do Concílio, Pedro reconhece a igualdade fundamental de todos (judeus e pagãos) diante da proposta de salvação e que a Lei (Torah) era um jugo que não deveria ser imposto aos pagãos, uma vez que é “pela graça do Senhor Jesus” que se chega à salvação (At 15,7-12).

Universal – A Boa Nova de Jesus é, portanto, uma proposta que é dirigida a todos os homens, de todas as raças e nações; não se trata de uma proposta fechada, exclusivista, destinada a um grupo de eleitos, mas de uma proposta universal, que se destina a todos os homens, sem exceção.

Vida nova – O que é decisivo não é ter nascido neste ou naquele ambiente, mas é a capacidade de se deixar desafiar pela proposta de Jesus, de acolhê-la com simplicidade, alegria e entusiasmo e de partir, todos os dias, para esse caminho onde o nosso Deus nos propõe encontrar a vida nova, a vida verdadeira, a vida total.

Concílio – O Concílio é uma reunião dos bispos (epískopos) cristãos, convocada para discutir e resolver as questões doutrinais ou disciplinares da Igreja Cristã. Quando o Concílio é universal (de toda a Igreja) é chamado de Concílio Ecumênico. Já aconteceram 21 Concílios Ecumênicos na Igreja Católica.


QUER SABER MAIS? – Se você gostou do assunto e quer conhecer os 21 Concílios Ecumênicos da Igreja Católica com as principais decisões de cada um, solicite por E-mail que lhe enviaremos um texto sobre o assunto.

sábado, 23 de abril de 2016

São Jorge, Corinthians e a Igreja Católica

Neste 23 de abril a Igreja Católica comemora São Jorge (viveu entre os anos de 275 e 303). É um dos santos mais queridos da Igreja, sendo até nome de novela da Rede Globo (Salve Jorge). É o nosso assunto de hoje.

São Jorge? – Mas, afinal! Ainda existe o santo de nome São Jorge? Ele não havia sido retirado do catálogo de santos da Igreja Católica? Não teria sido “cassado”? Esta é uma pitoresca história que merece ser contada.

Cassados? – Em 1965 a Igreja Católica publicou uma lista de santos cujas histórias não tinham comprovação. Atribuíam-lhes ditos e feitos maravilhosos, destituídos de fundamento histórico. Tais crendices populares se propagavam rapidamente, pois os antigos careciam de apurado senso crítico. Alguns deles, não existe nem a comprovação de que tenham existido. Entre esses santos, os mais conhecidos são Santa Filomena, Santa Bárbara, Santa Catarina de Alexandria, São Lourenço, São Jorge, etc.

Dom Paulo – Dom Paulo Evaristo Arns foi arcebispo de São Paulo e conhecido como apaixonado torcedor do Corinthians, chegando a posar com a bandeira do clube na capa de uma revista esportiva. Em 2004, Dom Paulo lançou o livro “Corintiano graças a Deus” (Editora Planeta, 138p.) em que faz surpreendentes crônicas sobre seu amor ao clube, seu fascínio pelo futebol e sua convicção de que, apesar das diferenças de credo ou ideologias, um único propósito pode unir todos os homens.

São Jorge – Na década de 1960, o arcebispo, conhecendo o plano de reordenamento do calendário oficial da liturgia da Igreja Católica, se surpreendeu com a pretensão do Vaticano em “cassar” São Jorge, o santo padroeiro e protetor do Corinthians. Deve-se lembrar também que São Jorge é o padroeiro da Inglaterra e da cidade do Rio de Janeiro. Dom Paulo precisava tomar alguma providência para que a “cassação” não ocorresse.

Carta – Resolveu, então, escrever uma carta ao Papa Paulo VI, seu velho amigo e conhecido por gostar de futebol. O texto dizia: “Santo Padre, o nosso povo não está entendendo direito a questão. São Jorge é muito popular no Brasil, sobretudo entre a imensa torcida do Corinthians, o clube de futebol mais popular de São Paulo”.

Resposta – Paulo VI entendeu o problema: "Não podemos prejudicar nem a Inglaterra nem o Corinthians" afirmou o papa, resolvendo a questão. Dom Paulo guarda até hoje o bilhete do pontífice. Desta forma São Jorge foi mantido no catálogo dos santos da Igreja Católica.

Mais Corinthians – Em 1980, durante os preparativos da visita de João Paulo II ao Brasil, Dom Paulo foi procurado por Vicente Matheus, presidente do Corinthians, para que o Papa visitasse o local da construção do futuro estádio do Timão: “Dom Paulo, o papa não pode vir a São Paulo e não conhecer o Corinthians. Ele precisa abençoar nosso campo, nosso projeto. Senão é como se ele não tivesse vindo para o Brasil”.

Menos, menos – Dom Paulo tentou amenizar a euforia do presidente: “Mas seu Matheus. É muito difícil convencer o papa a visitar um clube de futebol, ainda por cima um estádio que não saiu do projeto”. Em seguida, encaminhou-o até um de seus colaboradores da Cúria, um vigário-geral palmeirense até os ossos. Ele era quem tratava do roteiro de João Paulo II. Pouco depois, o presidente voltava a Dom Paulo, sem esconder sua decepção. O vigário-geral alegara que a área era distante do roteiro que o pontífice faria. Ficaria para uma segunda vez – que jamais houve.


Solução – Anos depois, D. Paulo foi procurado por dona Marlene Matheus, esposa do presidente, e veio a solução. “Se o Papa não pode vir ao Corinthians, o Corinthians vai até o Papa. Vou a Roma”. Dona Marlene arrumou uma bela imagem de São Jorge e pediu a Dom Paulo para conseguir uma audiência com o Papa João Paulo II. Dom Paulo conseguiu à primeira-dama alvinegra um lugar na primeira fileira de uma audiência com João Paulo II, numa quarta-feira. Neste dia, o Papa tocou na imagem de São Jorge. O Corinthians foi campeão naquele ano.

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Uma Igreja para todos



Na primeira leitura das missas deste domingo (At 13,14.43-52), Paulo e Barnabé chegam à Antioquia e, no sábado, pregam o Evangelho de Cristo na sinagoga. Após uma discussão com os judeus, são expulsos da cidade.

Atos dos Apóstolos – A partir do capítulo 13, os “Atos dos Apóstolos” apresentam o “caminho” da Igreja no mundo greco-romano. O protagonista humano desta nova etapa será Paulo (embora sempre animado e conduzido pelo Espírito do Senhor ressuscitado).

Missionários – Tudo começa quando a comunidade cristã de Antioquia da Síria, ansiosa por fazer a Boa Nova de Jesus chegar a todos os povos, envia Barnabé e Paulo a evangelizar. Entre 13,1 e 15,35, Lucas (o autor dos “Atos”) descreve o “envio” dos missionários, a viagem, a evangelização de Chipre e da Ásia Menor (Perga, Antioquia da Pisídia, Icónio, Listra, Derbe) e os problemas colocados à jovem Igreja pela entrada maciça de gentios.

Antioquia – Este texto, em concreto, situa-nos na cidade de Antioquia da Pisídia, no interior da Ásia Menor. Nos versículos anteriores, o autor dos “Atos” pôs na boca de Paulo um longo discurso, que resume a catequese primitiva sobre Jesus e que enquadra no plano de Deus a proposta de salvação que Jesus veio trazer (At 13,16-41). Qual será a resposta ao anúncio, quer por parte dos judeus, quer por parte dos pagãos que escutaram a mensagem?

Duas atitudes – A questão central gira, portanto, à volta da reação de judeus e pagãos ao anúncio de salvação apresentado por Paulo e Barnabé. O texto põe em confronto duas atitudes diversas diante da proposta cristã:

Os Judeus – a daqueles que pensavam ter o monopólio de Deus e da verdade, mas que estavam instalados nas suas certezas, no seu orgulho, na sua autossuficiência, nas suas leis definidas e comodamente arrumadas e não estavam, realmente, dispostos a “embarcar” na aventura do seguimento de Cristo;

Os pagãos – e a daqueles que, no desafio do Evangelho, descobriram a vida verdadeira, aceitaram questionar-se, quiseram arriscar e responderam com alegria e entusiasmo à proposta libertadora que Deus lhes fez por intermédio dos missionários (pagãos).

Universal – A Boa Nova de Jesus é, portanto, uma proposta que é dirigida a todos os homens, de todas as raças e nações; não se trata de uma proposta fechada, exclusivista, destinada a um grupo de eleitos, mas de uma proposta universal, que se destina a todos os homens, sem exceção.


Vida nova – O que é decisivo não é ter nascido neste ou naquele ambiente, mas é a capacidade de se deixar desafiar pela proposta de Jesus, de acolher com simplicidade, alegria e entusiasmo essa proposta e de partir, todos os dias, para esse caminho onde o nosso Deus nos propõe encontrar a vida nova, a vida verdadeira, a vida total. 

sábado, 9 de abril de 2016

Simão, tu me amas?


No Evangelho das missas deste domingo (Jo 21,1-19) Jesus pergunta três vezes a Simão Pedro: “Simão, tu me amas?”. Nas três vezes Pedro responde: “Sim, Senhor, tu sabes que te amo”. Por que Jesus perguntou três vezes? Ele não estava contente com a resposta? Pedro respondeu de forma errada? Vamos esclarecer a questão.

Raiz do problema – Todo o problema dessa passagem do Evangelho de João está na tradução das palavras de Jesus. Na língua portuguesa usamos sempre o mesmo verbo “amar”, para qualquer sentimento amoroso a que queremos nos referir. Na língua grega (em que foram compostos os Evangelhos), existem quatro verbos distintos para indicar “amar”, cada um com sentidos diferentes.
 
Amor romântico – Em primeiro lugar, temos o verbo erao (de onde vem a palavra eros e seu adjetivo erótico). Significa amar em seu sentido romântico, carnal, sexual. Emprega-se para a atração entre um homem e uma mulher em seu aspecto espontâneo e instintivo. Na Bíblia aparece o verbo “erao” várias vezes: “O rei amou (erao) a Éster mais que as outras mulheres de sua corte” (Est 2,17). “Vou reunir todos os que te amaram (erao)” (Ez 16,37).  

Amor familiar – Outro verbo grego que significa amar é stergo. Indica o amor familiar, o carinho do pai por seu filho e do filho pelo pai. É o amor doméstico, de família, que brota naturalmente dos laços do parentesco. São Paulo, em sua Carta aos Romanos, escreve: “Tenham uma caridade sem fingimento: amem-se cordialmente (stergo) uns aos outros” (Rom 12,10).

Amor de amigos – O terceiro verbo grego usado para designar “amor” é fileo. Expressa o amor da amizade, o afeto que se sente pelos amigos. Quando Lázaro, o amigo de Jesus, estava doente, as suas irmãs mandaram dizer: “Senhor, aquele a quem tu amas (fileo) está enfermo” (Jo 11,3). Quando Maria Madalena não encontra o corpo de Jesus no sepulcro, sai correndo para encontrar Pedro “e o outro discípulo que Jesus amava (fileo)” (Jo 20,2). Na parábola do filho pródigo, o irmão reclama ao pai: “Faz tantos anos que te sirvo e nunca me deste um cabrito para fazer uma festa com meus amigos (filos)” (Lc 15,29).

Amor caritativo – O quarto verbo grego para “amar” é agapao. É utilizado para o amor de caridade, de benevolência, de boa vontade, o amor capaz de dar sem esperar nada em troca. É o amor totalmente desinteressado, completamente abnegado, o amor com sacrifício. O autor do Evangelho de João usa o verbo “agapao” na descrição da Última Ceia: “Sabendo Jesus que havia chegado a hora de passar deste mundo ao Pai, tendo amado (agapao) aos seus, os amou até o fim” (Jo 13,1).  Ou ainda: “Como o Pai me amou, eu também os amo (agapao)” (Jo 15,9). E quando encontra os apóstolos: “Nada tem maior amor (agápe) do que dar a vida por seus amigos” (Jo 15,13).

Amar os inimigos? – Um exemplo interessante é o episódio em que Jesus ordena que se ame os inimigos. Jesus não utilizou o verbo erao, nem stergo nem fileo. Usou o verbo agapao. Jesus nunca pediu que amássemos os inimigos do mesmo modo que amamos nossos entes queridos. Nem pretendeu que sentíssemos o mesmo afeto que sentimos por nosso cônjuge (erao), nossos familiares (stergo) ou nossos amigos (fileo). Se quisesse isso teria usado os outros verbos. O que Jesus exige é o amor ágape. Não nos obriga a sentir apreço ou estima, nem devolver a amizade por quem nos tenha ofendido. O que Jesus pede é caridade, se algum dia aquele que nos ofendeu necessitar.

Jogo de Palavras – Voltando agora à pergunta que Jesus fez a Pedro. “Simão, filho de João, amas-me mais que estes?”. Jesus usa o verbo agapao: “Simon, agapás me?”. Pedro lhe responde com fileo: “Filo se”. Jesus pergunta a Pedro se ele o ama com amor total, amor-entrega, amor-serviço, amor que compromete a fundo a vida, sem esperar recompensa. E Pedro lhe responde, humildemente, com fileo, menos pretensioso. Na segunda vez, Jesus volta a perguntar: “Simon, agapás me? E Pedro novamente responde com fileo. Na terceira vez, Jesus, sabendo esperar com paciência o processo de maturidade de cada um, usa o verbo fileo: “Simon, fileis me? Então, Pedro, mesmo ficando triste, identifica-se com a pergunta e responde a ela nos mesmos termos (“filo se”). E Jesus aceita a resposta, mas prediz que o amor de Pedro não irá parar ali, crescerá, amadurecerá e chegará ao agapao solicitado, pois um dia haveria de dar sua vida pelo Mestre (Jo 21, 18-19).


QUER SABER MAIS – Gostou dos termos em grego? Se você quer conhecer o Novo Testamento em grego (na forma original em que foi escrito), solicite por E-mail.

sábado, 2 de abril de 2016

Tomé e o homem contemporâneo


O Evangelho deste final de semana relata o encontro de Jesus e Tomé (Jo, 20, 19-31), oito dias após Tomé ter dito que só acreditaria que Jesus ressuscitara se colocasse os dedos em suas chagas. Jesus então, convida-o a fazer isso e diante da confissão de fé de Tomé (“Meu Senhor e meu Deus!”) Jesus afirma que são bem-aventurados os que creram sem ter visto.

Tomé, nosso conterrâneo – Relatando o que aconteceu a Tomé e sua incredulidade inicial, o Evangelho sai ao encontro do homem e da era tecnológica, que crê somente no que pode verificar. Podemos chamar Tomé de nosso contemporâneo entre os apóstolos. E agindo da maneira que o fez, obrigou Jesus a dar-nos uma prova “tangível” da verdade de sua ressurreição. A fé na ressurreição saiu beneficiada de suas dúvidas e, ao menos em parte, isso também pode ser aplicado aos numerosos “Tomes” de hoje, a todos aqueles que não creem.

Fé, dom de Deus – A crítica e o diálogo com os ateus, quando se desenvolvem no respeito e na lealdade recíproca, são de grande utilidade. Antes de tudo nos fazem humildes. Obrigam-nos a ver que a fé não é um privilégio ou uma vantagem para ninguém. Não podemos impô-la nem demonstrá-la, mas só propô-la e mostrá-la com a vida. “Que é que possuis que não tenhas recebido? E, se o recebeste, por que haverias de te ensoberbecer como se não o tivesses recebido?”, diz São Paulo! (1Cor 4, 7). A fé, no fundo, é um dom, não um mérito, e como todo dom deve ser vivido na gratidão e na humildade.

Purificação da fé – A relação com aqueles que não creem ajuda-nos também, a purificar nossa fé de representações. Com muita frequência, aquilo que os ateus rejeitam não é o verdadeiro Deus, o Deus Vivo da Bíblia, mas uma imagem distorcida de Deus, que nós mesmos, os que cremos, contribuímos para criar. Rejeitando esse Deus, os não crentes nos obrigam a voltarmos a situar as marcas do Deus vivo e verdadeiro, Daquele que está além de toda nossa representação e explicação. Eles nos ajudam a não fossilizar ou banalizar a Deus.

Tomé, um exemplo a imitar – Assim, que São Tomé encontre hoje muitos imitadores, não só na primeira parte de sua história – quando declara que não crê –, mas também ao final, naquele magnífico ato seu de fé que o leva a exclamar: “Meu Senhor e Deus meu!”. Tomé é também imitável por outro fato: não fecha a porta; não fica em sua postura, dando por encerrada a questão. De fato, não apenas manifestou sua dúvida, mas o encontramos oito dias depois com os demais apóstolos no cenáculo. Se não tivesse desejado crer, ou “mudar de opinião”, não teria estado ali. Ele quis ver, tocar, portanto, estava em busca. E ao final, depois de que viu e tocou com sua mão, dirige-se a Jesus, não como um vencido, mas como um vencedor: “Meu Senhor e Deus meu!”. Nenhum outro apóstolo havia ainda se lançado a proclamar com tanta clareza a divindade de Cristo.

Santo Agostinho – A propósito dessa passagem, Santo Agostinho escreveu um belíssimo texto, que reproduzimos a seguir:
E Deus disse: “Faça-se a luz” (Gn 1,3). “Este é o dia que o Senhor fez” (Sl 117,24). Lembrai-vos do estado do mundo no princípio: “As trevas cobriam o abismo, e o Espírito de Deus movia-se sobre a superfície das águas. Deus disse: 'Faça-se a luz'. E a luz foi feita. Deus viu que a luz era boa e separou a luz das trevas. Deus chamou dia à luz e às trevas noite” (Gn 1,2s). “Este é o dia que o Senhor fez”. É o dia de que fala o apóstolo Paulo: “Outrora éreis trevas, mas agora sois luz no Senhor” (Ef 5, 8).
Não era Tomé um homem, um dos discípulos, um homem da multidão, por assim dizer? Os seus irmãos disseram-lhe: “Vimos o Senhor”. E ele: “Se eu não tocar, se não meter o meu dedo no seu lado, não acreditarei”. Os evangelistas trazem-te a novidade, e tu não acreditas? O mundo acreditou e um discípulo não acreditou?...
Ainda não tinha chegado esse dia que o Senhor fez; as trevas estavam ainda sobre o abismo, nas profundezas do coração humano, que estava nas trevas. Que venha, pois, Esse que é o sinal do dia, que ele venha e que diga com paciência, com doçura, sem cólera, ele que cura: “Vem. Vem, toca aqui e acredita. Tu declaraste: 'Se não tocar, se não meter o meu dedo, não acreditarei'. Vem, toca, põe o teu dedo e não sejas incrédulo, mas crente. Eu conheço as tuas feridas, guardei para ti a minha cicatriz”.
Aproximando a sua mão, o discípulo pode plenamente completar a sua fé. Qual é, com efeito, a plenitude da fé? Não acreditar que Cristo é somente homem, não acreditar também que Cristo é somente Deus, mas acreditar que ele é homem e Deus...

Assim, o discípulo ao qual o seu Salvador deu a tocar os membros do seu corpo e as suas cicatrizes exclamou: “Meu Senhor e meu Deus!”. Ele tocou o homem, reconheceu Deus. Tocou a carne, voltou-se para a Palavra, porque “a Palavra fez-se carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). A Palavra suportou que a sua carne fosse suspensa na cruz...; a Palavra suportou que a sua carne fosse colocada no túmulo. A Palavra ressuscitou na sua carne, mostrou-a aos olhos dos seus discípulos, prestou-se a ser tocada pelas suas mãos. Eles tocaram, e eles exclamaram: “Meu Senhor e meu Deus!”. Este é o Dia que o Senhor fez.