No Evangelho das missas deste domingo (Jo 21,1-19) Jesus pergunta três vezes a
Simão Pedro: “Simão, tu me amas?”. Nas três vezes Pedro responde: “Sim, Senhor,
tu sabes que te amo”. Por que Jesus perguntou três vezes? Ele não estava
contente com a resposta? Pedro respondeu de forma errada? Vamos esclarecer a
questão.
Raiz do
problema –
Todo o problema dessa passagem do Evangelho de João está na tradução das
palavras de Jesus. Na língua portuguesa usamos sempre o mesmo verbo “amar”,
para qualquer sentimento amoroso a que queremos nos referir.
Na língua grega (em que foram compostos os Evangelhos), existem quatro verbos
distintos para indicar “amar”, cada um com sentidos diferentes.
Amor romântico – Em primeiro lugar, temos o verbo erao
(de onde vem a palavra eros e seu adjetivo erótico).
Significa amar em seu sentido romântico, carnal, sexual. Emprega-se para a
atração entre um homem e uma mulher em seu aspecto espontâneo e instintivo. Na
Bíblia aparece o verbo “erao” várias vezes: “O rei amou (erao) a Éster mais que
as outras mulheres de sua corte” (Est 2,17). “Vou reunir todos os que te amaram
(erao)” (Ez 16,37).
Amor familiar – Outro verbo
grego que significa amar é stergo. Indica o amor familiar, o
carinho do pai por seu filho e do filho pelo pai. É o amor doméstico, de
família, que brota naturalmente dos laços do parentesco. São Paulo, em sua
Carta aos Romanos, escreve: “Tenham uma caridade sem fingimento: amem-se
cordialmente (stergo) uns aos outros” (Rom 12,10).
Amor
de amigos – O terceiro
verbo grego usado para designar “amor” é fileo. Expressa o amor
da amizade, o afeto que se sente pelos amigos. Quando Lázaro, o amigo de Jesus,
estava doente, as suas irmãs mandaram dizer: “Senhor, aquele a quem tu amas
(fileo) está enfermo” (Jo 11,3). Quando Maria Madalena não encontra o corpo de
Jesus no sepulcro, sai correndo para encontrar Pedro “e o outro discípulo que Jesus
amava (fileo)” (Jo 20,2). Na parábola do filho pródigo, o irmão reclama ao pai:
“Faz tantos anos que te sirvo e nunca me deste um cabrito para fazer uma festa
com meus amigos (filos)” (Lc 15,29).
Amor
caritativo – O quarto verbo grego para “amar” é agapao.
É utilizado para o amor de caridade, de benevolência, de boa vontade, o amor
capaz de dar sem esperar nada em troca. É o amor totalmente desinteressado,
completamente abnegado, o amor com sacrifício. O autor do Evangelho de João usa
o verbo “agapao” na descrição da Última Ceia: “Sabendo Jesus que havia chegado
a hora de passar deste mundo ao Pai, tendo amado (agapao) aos seus, os amou até
o fim” (Jo 13,1). Ou ainda: “Como o Pai
me amou, eu também os amo (agapao)” (Jo 15,9). E quando encontra os apóstolos:
“Nada tem maior amor (agápe) do que dar a vida por seus amigos” (Jo 15,13).
Amar os
inimigos? –
Um exemplo interessante é o episódio em que Jesus ordena que se
ame os inimigos. Jesus não utilizou o verbo erao, nem stergo
nem fileo. Usou o verbo agapao. Jesus nunca pediu
que amássemos os inimigos do mesmo modo que amamos nossos entes queridos. Nem
pretendeu que sentíssemos o mesmo afeto que sentimos por nosso cônjuge (erao), nossos familiares (stergo) ou nossos amigos (fileo). Se quisesse isso teria usado os
outros verbos. O que Jesus
exige é o amor ágape. Não nos obriga a sentir apreço ou estima,
nem devolver a amizade por quem nos tenha ofendido. O que Jesus pede é
caridade, se algum dia aquele que nos ofendeu necessitar.
Jogo de Palavras – Voltando agora à pergunta que Jesus fez a Pedro. “Simão, filho de João,
amas-me mais que estes?”. Jesus usa o verbo agapao: “Simon, agapás me?”. Pedro lhe responde
com fileo: “Filo se”. Jesus pergunta a Pedro se ele o ama com amor total, amor-entrega,
amor-serviço, amor que compromete a fundo a vida, sem esperar recompensa. E
Pedro lhe responde, humildemente, com fileo, menos pretensioso. Na segunda vez,
Jesus volta a perguntar: “Simon, agapás
me? E Pedro novamente responde com fileo. Na terceira vez, Jesus, sabendo
esperar com paciência o processo de maturidade de cada um, usa o verbo fileo: “Simon, fileis me? Então, Pedro, mesmo
ficando triste, identifica-se com a pergunta e responde a ela nos mesmos termos
(“filo se”). E Jesus aceita a resposta, mas prediz que o amor de Pedro não irá
parar ali, crescerá, amadurecerá e chegará ao agapao solicitado, pois um dia haveria de dar sua vida pelo Mestre
(Jo 21, 18-19).
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