sexta-feira, 28 de outubro de 2016

O encontro de Zaqueu com Jesus




No Evangelho das missas deste domingo (Lc 19,1-10) Jesus está atravessando a cidade de Jericó (25 quilômetros de Jerusalém) quando se encontra com Zaqueu. Ele era chefe dos cobradores de impostos e muito rico.

Baixinho – Quando Jesus atravessava a cidade, acompanhado pela multidão, Zaqueu queria ver Jesus, mas não conseguia porque era baixinho. Então, de maneira ousada e desinibida, correu mais adiante, para um lugar onde ele iria passar e, antes que outro chegasse, subiu em uma árvore, para vê-lo. Levantando os olhos, Jesus o percebe e lhe propõe ficar em sua casa, naquele dia.

Pecador – Como no judaísmo havia forte discriminação contra os cobradores de impostos (considerado um pecador público), as pessoas começaram a murmurar pelo fato de Jesus hospedar-se na casa de Zaqueu. Recebendo Jesus, Zaqueu, prontamente, manifestou sua conversão, declarando-se disposto a restabelecer a justiça e partilhar sua riqueza com os pobres e restituir a quem havia prejudicado.

Jericó – No tempo de Jesus, Jericó era uma cidade próspera (sobretudo devido à produção de bálsamo), dotada de grandes e belos jardins e palácios (por ação de Herodes, o Grande, que fez de Jericó a sua residência de inverno). Situada num lugar privilegiado, uma importante rota comercial, era um lugar de oportunidades, que devia proporcionar grandes negócios (e também duvidosos).

O texto – Zaqueu era um homem que colaborava com os opressores romanos e que se servia do seu cargo para enriquecer de forma imoral (exigindo impostos muito acima do que tinha sido fixado pelos romanos e guardando para si a diferença, como era prática corrente entre os publicanos). Era, portanto, um pecador público sem hipóteses de perdão, excluído do convívio com pessoas decentes e sérias. Era um marginal, considerado amaldiçoado por Deus e desprezado pelos homens.

Ver – Este homem procurava “ver” Jesus. O “ver” indica aqui, provavelmente, mais do que curiosidade: indica uma procura intensa, uma vontade firme de encontro com algo novo, uma ânsia de descobrir o “Reino”, um desejo de fazer parte dessa comunidade de salvação que Jesus anunciava. No entanto, o “mestre” devia parecer-lhe distante e inacessível, rodeado desses “puros” e “santos” que desprezavam os marginais como Zaqueu. O fato de subir a um sicômoro (tipo de figueira) indica que o desejo de encontro com Jesus foi muito mais forte do que o medo do ridículo ou das vaias da multidão.

Encontro – Como é que Jesus vai lidar com este excluído, que sente um desejo intenso de conhecer a salvação que Deus oferece? Jesus começa por provocar o encontro; depois, sugere a Zaqueu que está interessado em entrar em comunhão com Ele, em estabelecer com Ele laços de familiaridade (“Zaqueu, desce depressa, que Eu hoje devo ficar em tua casa”). Preste atenção neste quadro “escandaloso”: Jesus, rodeado pelos “puros” que escutam atentamente a sua Palavra, deixa todos estáticos no meio da rua para estabelecer contacto com um marginal e para entrar na sua casa.

Reação – Como é que a multidão que rodeia Jesus reage a isto? Naturalmente, manifestando a sua desaprovação às atitudes incompreensíveis de Jesus (“ao verem isto, todos murmuravam, dizendo: «foi hospedar-se em casa de um pecador»”). É a atitude de quem se considera “justo” e despreza os outros; de quem está instalado nas suas certezas, de quem está convencido de que a lógica de Deus é uma lógica de castigo, de marginalização, de exclusão. No entanto, Jesus demonstra-lhes que a lógica de Deus é diferente da lógica dos homens e que a oferta de salvação que Deus faz não exclui nem marginaliza ninguém.

Como termina? O texto termina com um banquete, que simboliza o “banquete do Reino”. Ao aceitar sentar-Se à mesa com Zaqueu, Jesus mostra que os pecadores têm lugar no “banquete do Reino”; diz-lhes, também, que Deus os ama, que aceita sentar-Se à mesa com eles – isto é, quer integrá-los na sua família e estabelecer com eles laços de comunhão e de amor. Jesus mostra, dessa forma, que Deus não exclui nem marginaliza nenhum dos seus filhos – mesmo os pecadores – mas a todos oferece a salvação.

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Os novos fariseus e publicanos



No Evangelho das missas deste domingo (Lc 18, 9-14) Jesus contou a parábola do judeu e do publicano: “Dois homens subiram ao templo para orar; O fariseu, de pé, orava assim: ‘Meu Deus, dou-Vos graças por não ser como os outros homens, que são ladrões, injustos e adúlteros, nem como este publicano. Jejuo duas vezes por semana e pago o dízimo de todos os meus rendimentos’. O publicano ficou a distância e nem sequer se atrevia a erguer os olhos ao Céu; Mas batia no peito e dizia: ‘Meu Deus, tende compaixão de mim, que sou pecador’. Eu vos digo que este desceu justificado para sua casa e o outro não. Porque todo aquele que se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado”. Publicamos o comentário do Pe. Raniero Cantalamessa, pregador da Casa Pontifícia, sobre esta liturgia.

Quem for à igreja no domingo ouvirá um comentário mais ou menos desse tipo: o fariseu representa o conservador que se sente em ordem com Deus e com os homens e olha com desprezo para o próximo; o publicano é a pessoa que errou, mas reconhece isso e pede humildemente perdão a Deus – não pensa em salvar-se por méritos próprios, mas pela misericórdia de Deus. A escolha de Jesus entre estas duas pessoas não só não deixa dúvidas, como indica o final da parábola: este último volta para casa justificado, isto é, perdoado, reconciliado com Deus; o fariseu volta para casa como havia saído dela: mantendo sua justiça, mas perdendo a de Deus.

De tanto ouvi-la e de repeti-la, esta explicação começou a me deixar insatisfeito. Não é que esteja errada, mas já não responde aos tempos. Jesus dizia suas parábolas para as pessoas que o escutavam naquele momento. Em uma cultura carregada de fé e religiosidade como aquela da Galiléia e da Judéia, a hipocrisia consistia em ostentar a observância da lei e santidade, porque estas eram as coisas que atraíam o aplauso.

Em nossa cultura secularizada e permissiva, os valores mudaram. O que se admira e abre caminho ao êxito é mais o contrário que o daquele tempo: é a rejeição das normas morais tradicionais, a independência, a liberdade do indivíduo. Para os fariseus, a senha era “observância” das normas; para muitos, hoje, a senha é “transgressão”. Falar de um autor, de um livro ou de um espetáculo que é “transgressor” é torná-lo célebre.

Em outras palavras, hoje devemos adaptar os termos da parábola, para salvaguardar a intenção original. Os publicanos de ontem são os novos fariseus de hoje! Atualmente é o publicano, o transgressor, quem diz a Deus: “Eu vos agradeço, Senhor, porque não sou como aqueles fariseus crentes, hipócritas e intolerantes, que se preocupam com o jejum, mas na vida são piores que nós”. Parece que há quem, paradoxalmente, ora assim: “Eu vos dou graças, ó Deus, porque sou um ateu!”.

Rochefoucauld dizia que a hipocrisia é o tributo que o vício paga à virtude. Hoje é, frequentemente, o tributo que a virtude paga ao vício. Tende-se, de fato, especialmente por parte dos jovens, a mostrar-se pior e mais desvirtuado do que se é, para não parecer menos que os demais.

Uma conclusão prática, válida tanto na interpretação tradicional, aludida no início, como na desenvolvida aqui, é esta: pouquíssimos (talvez ninguém) estão sempre do lado do fariseu ou sempre do lado do publicano, isto é, justos em tudo ou pecadores em tudo. A maioria de nós tem um pouco de um e um pouco de outro. O pior seria comportar-nos como o publicano na vida e como o fariseu no templo. Os publicanos eram pecadores, homens sem escrúpulos, que colocavam o dinheiro e negócios acima de tudo; os fariseus, pelo contrário, eram, na vida prática, muito austeros e observantes da Lei. Nós nos parecemos, portanto, com o publicano na vida e com o fariseu no templo se, como o publicano, somos pecadores e, como o fariseu, nos consideramos justos.


Se tivermos de resignar-nos a ser um pouco de um e de outro, então que pelo menos seja o contrário: fariseus na vida e publicanos no templo! Como o fariseu, tentemos não ser na vida ladrões e injustos, procuremos observar os mandamentos e pagar as taxas; como o publicano, reconheçamos, quando estamos na presença de Deus, que o pouco que fizemos é dom seu e imploremos, para nós e para todos, sua misericórdia.

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

"Rezar sempre, sem se desencorajar"



No Evangelho das missas deste domingo (Lc 18, 1-8) Jesus propôs uma parábola sobre a necessidade de orar. Publicamos o comentário do Pe. Raniero Cantalamessa, pregador da Casa Pontifícia, sobre esta liturgia.

Orar – O evangelho começa assim: “Jesus propôs-lhes uma parábola para mostrar que é necessário orar sem jamais deixar de fazê-lo”. A parábola é a do juiz iníquo. À pergunta: “Quantas vezes é preciso orar?”. Jesus responde: sempre! A oração, como o amor, não suporta o cálculo das vezes. Deve-se perguntar talvez quantas vezes ao dia uma mãe ama seu filho, ou um amigo a seu amigo? Pode-se amar com grandes diferenças de consciência, mas não a intervalos mais ou menos regulares. Assim também é a oração.

Oração – Este ideal de oração contínua se levou a cabo, em diversas formas, tanto no Oriente como no Ocidente. A espiritualidade oriental a praticou com a chamada oração de Jesus: “Senhor Jesus Cristo, tende piedade de mim”. O Ocidente formulou o princípio de uma oração contínua, mas de forma mais dúctil, tanto como para poder ser proposta a todos, não só àqueles que fazem profissão explícita de vida monástica. Santo Agostinho diz que a essência da oração é o desejo. Se o desejo é de Deus contínuo, contínua é também a oração; se faltar o desejo interior, pode-se gritar o quanto for; para Deus, estaremos mudos. Este desejo secreto de Deus, feito de lembrança, de necessidade de infinito, de nostalgia de Deus, pode permanecer vivo inclusive enquanto se está obrigado a realizar outras coisas: “Orar longamente não equivale a estar muito tempo de joelhos ou com as mãos unidas ou dizendo muitas palavras. Consiste mais em suscitar um contínuo e devoto impulso do coração para Aquele a quem invocamos”.

Jesus – Jesus nos deu, em primeira pessoa, o exemplo da oração incessante. Dele se diz nos evangelhos que orava de dia, ao cair da tarde, pela manhã, e que passava às vezes toda a noite em oração. A oração era o tecido conectivo de toda sua vida.

Concentração – Mas o exemplo de Cristo nos diz também outra coisa importante. É ilusório pensar que se pode orar sempre, fazer da oração uma espécie de respiração constante da alma inclusive em meio às atividades cotidianas, se não reservamos também tempos fixos nos quais se espera pela oração, livres de qualquer outra preocupação. Aquele Jesus a quem vemos orar sempre é o mesmo que, como todo judeu de seu tempo, três vezes por dia – ao sair o sol, na tarde, durante os sacrifícios do templo, e no pôr-do-sol – parava, se orientava para o templo de Jerusalém e recitava as orações rituais, entre elas o Shema Israel, Escuta Israel. No Sábado Ele também participa, com os discípulos, do culto da sinagoga, e vários episódios evangélicos acontecem precisamente neste contexto.

Domingo – A Igreja igualmente fixou, pode-se dizer que desde o primeiro momento de vida, um dia especial para dedicar ao culto e à oração, o domingo. Todos sabemos em que se converteu, lamentavelmente, o domingo em nossa sociedade; o esporte, em particular o futebol, de ser um fator de entretenimento e lazer, se transformou em algo que com frequência envenena o domingo... Devemos fazer o possível para que este dia volte a ser, como estava na intenção de Deus ao mandar o descanso festivo, uma jornada de serena alegria que consolida nossa comunhão com Deus e entre nós, na família e na sociedade.

É um estímulo para nós, cristãos modernos, recordar as palavras que os mártires Saturnino e seus companheiros dirigiram, no ano 305, ao juiz romano que havia mandado prendê-los por ter participado na reunião dominical: “O cristão não pode viver sem a Eucaristia dominical. Não sabias que o cristão existe para a Eucaristia e a Eucaristia para o cristão?”.

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Jesus cura dez leprosos


No Evangelho deste domingo (Lc 17,11-19), dez leprosos vêm ao encontro de Jesus e param a certa distância dele, pois, pela Lei, o leproso não podia aproximar-se das demais pessoas. Pedem pela misericórdia de Jesus. Este pede que eles se apresentem aos sacerdotes; esta apresentação deveria ser feita depois da cura. Com isto, Jesus insinuava que já lhes tinha dado a cura e, assim, ao seguirem para Jerusalém, para se apresentarem aos sacerdotes do Templo, ficaram curados. Contudo, só um deles, que era samaritano, sentindo-se curado, percebeu que a fonte da vida é Jesus e não o Templo. Ao compreender isso, volta para junto de Jesus e lhe agradece. Os outros nove, embora também tivessem sido curados, continuavam atrelados aos preceitos do judaísmo, seguindo seu caminho para Jerusalém.

Marginalidade – No tempo de Jesus, aquele que era acometido pela lepra ficava totalmente marginalizado… Além de causar naturalmente repugnância pela sua aparência e de infundir medo de contágio, esse doente era tido como um impuro (Lev 13-14), a quem a teologia oficial atribuía pecados especialmente graves (a lepra era vista como castigo de Deus para esses pecados). Por tais razões, não podia sequer entrar na cidade de Jerusalém, a fim de não tornar impura a cidade santa.

Cura – O doente devia afastar-se de qualquer convívio humano, para que não contaminasse os outros com a sua impureza física e religiosa. Em caso de cura, devia apresentar-se diante de um sacerdote, a fim de que ele a comprovasse e permitisse sua volta à vida normal (Lev 14). Podia, então, participar novamente das celebrações do culto.

Samaritano – Um dos leprosos era samaritano. Os samaritanos eram desprezados pelos judeus de Jerusalém, por causa do seu sincretismo religioso. A desconfiança religiosa dos judeus em relação aos samaritanos começou quando, em 721 a.C. (após a queda do reino do Norte), os colonos assírios invadiram a Samaria e começaram a misturar-se com a população local. Para os judeus, os habitantes da Samaria começaram, então, a paganizar-se… Após o regresso do exílio da Babilônia, os habitantes de Jerusalém recusaram qualquer ajuda dos samaritanos na reconstrução do Templo e evitaram os contatos com eles, pois eram uma “raça misturada com pagãos”. A construção de um santuário samaritano no monte Garizim consumou a separação e, na perspectiva judaica, lançou definitivamente os samaritanos nos caminhos da infidelidade a Javé. Na época de Jesus, a relação entre as duas comunidades era marcada por uma grande hostilidade.

Libertação – O episódio dos dez leprosos (que é exclusivo de Lucas) tem por objetivo fundamental apresentar Jesus como o Deus que Se fez pessoa para trazer, com gestos concretos, a salvação (e libertação) a todos os homens, particularmente aos oprimidos e marginalizados. É esse o ponto de partida da história que Lucas nos conta: ele mostra que Deus tem uma proposta de vida nova e de libertação para oferecer a todos os homens.

Dez – O número dez tem, certamente, um significado simbólico: significa “totalidade” (o judaísmo considerava necessário que pelo menos dez homens estivessem presentes, a fim de que a oração comunitária pudesse ter lugar, porque o “dez” representa a totalidade da comunidade). A presença de um samaritano no grupo indica, contudo, que essa salvação oferecida por Deus, em Jesus, não se destina apenas à comunidade do “Povo eleito”, mas se destina a todos os homens, sem exceção, mesmo àqueles que o judaísmo oficial considerava definitivamente afastados da salvação.


Reconhecer o dom de Deus – A ênfase desse episódio está no fato de que, dos dez leprosos curados, só um, o samaritano, voltou para agradecer a Jesus. Lucas está interessado em mostrar que quem recebe a salvação deve reconhecer o dom de Deus e deve estar agradecido… E avisa que, com frequência, são os hereges, os marginais, os desprezados, aqueles que a teologia oficial considera à margem da salvação, que estão mais atentos aos dons de Deus. Haverá aqui, certamente, uma alusão à autossuficiência dos judeus que, por se sentirem “Povo eleito”, achavam natural que Deus os cumulasse dos seus dons. No entanto, não reconheceram a proposta de salvação que, através de Jesus, Deus lhes ofereceu… Certamente haverá aqui, também, um apelo aos discípulos de Jesus, para que não ignorem o dom de Deus e saibam responder-Lhe com a gratidão e a fé.