sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

A arca de Noé existiu?


  
A primeira leitura das missas deste domingo (Gn 9,8-15) relata a história de Noé, o dilúvio e a salvação dos homens e dos animais com a construção da arca. A dúvida que aparece diante deste episódio é: a narração contida na Bíblia realmente aconteceu ou trata-se de um relato didático? Os fatos são reais ou é uma lenda, um mito?

Lendas – Os primeiros onze capítulos do Livro do Génesis apresentam um conjunto de tradições sobre as origens do mundo e dos homens. Os episódios que compõem este bloco não são informações de fatos históricos concretos, mas lendas e mitos, tirados de povos da Mesopotâmia. Os catequistas de Israel tomaram esses mitos, adaptaram-nos, e puseram-nos ao serviço da transmissão da sua própria fé, anunciando suas descobertas sobre Deus.

Dilúvio – No texto das missas deste domingo, Noé recebeu ordens de Deus para construir uma nave de 150 metros de comprimento, 25 de largura e 15 de altura, com três pisos de cinco metros cada. Estas medidas mostram-se exorbitantes, pois são as medidas de um transatlântico moderno, nunca conseguido pela engenharia naval até o século XIX. O relato está localizado na pré-história, quando ainda não se conhecia o uso dos metais. Como se podia fazer um navio tão grande sem instrumentos metálicos? Seria preciso, além do mais, da ajuda de centenas de pessoas. Como foi construído só com a ajuda de Noé, de seus três filhos e de suas esposas?

Animais – O mais pitoresco e difícil de admitir é o que se refere aos animais que Noé e os seus deviam introduzir na arca. Como poderiam reunir um casal de cada espécie existente para salvá-las da extinção? Foram capazes de percorrer os cinco continentes do planeta para trazê-los, alguns de uma distância de 20 mil quilômetros? Acrescente-se a isso outra dificuldade: existem sobre a terra 1.700 espécies de mamíferos, 10.087 espécies de aves, 20.987 de répteis e aproximadamente 1.200.000 espécies de insetos.

Mais animais – Os zoólogos julgam que em nosso planeta pode haver entre 5 a 10 milhões de espécies animais ainda sem identificação (ocultas nos gelos polares, nas selvas tropicais ou nas areias do deserto). Carregar a arca com esta bagagem teria sido um trabalho impossível para oito pessoas. Também seria impossível repovoar o planeta só com um par de cada espécie. Por exemplo, os ursos pandas são considerados em extinção porque somente uns mil sobrevivem, número demasiado pequeno para recuperar outra vez a espécie em estado selvagem.

Perguntas sem respostas – Conforme relata a Bíblia, choveu durante 40 dias e 40 noites, sem parar (Gn 7,17) e a água cobriu toda a terra, sete metros acima dos montes mais altos da Terra (Gn 7,19-20). Impossível, pois, se todas as nuvens da atmosfera terrestre se precipitassem de uma só vez, o globo permaneceria encoberto apenas por menos de cinco centímetros de água. E as plantas, como se salvaram das águas? E os peixes, que também foram postos a salvo na arca? Como não morreram ao se misturarem as águas doces com as salgadas?

O que aconteceu? – A arqueologia indica a existência de várias inundações catastróficas no mundo entre 4000 e 2800 a.C.. Para alguns, o dilúvio bíblico poderia estar relacionado com o fim da era glacial, quando a fusão do gelo provocou grandes avalanches de água que invadiram as terras habitadas. Mas o mais provável é que o dilúvio descrito nos textos do Génesis se refira a uma das inúmeras inundações dos rios Tigre e do Eufrates… É provável que o texto bíblico evoque essa realidade. Não se tratou, em qualquer caso, de um dilúvio universal mas, com o tempo, a fantasia popular teria feito dessas inundações um “castigo universal” que atingiu o conjunto da humanidade. O autor bíblico, conhecedor dessas lendas antigas, usou-as como pano de fundo para fazer catequese e transmitir uma mensagem religiosa.

O dilúvio nunca existiu – Este considerável número de objeções já nos dá a resposta ao problema. Nunca existiu nenhum dilúvio universal. E tampouco a Bíblia pretende ensinar isto como um fato histórico. Não se pode negar a existência de algum dilúvio ou de uma grande inundação antiga, mas nunca poderia ser universal a ponto de destruir todo tipo de vida, como descreve a Bíblia. Não estamos, portanto, diante de fatos reais, históricos, mas diante de uma narração didática, uma catequese.

O que ensina o Dilúvio – O autor, portanto, não quis expor um fato histórico e sim um relato didático, para ensinar uma mensagem religiosa. O autor encontrou na tradição a lembrança desta história e apropriou-se dela para transmitir um ensinamento religioso. Que mensagem nos deixa o episódio do Dilúvio universal? Em primeiro lugar, mostra como ele acontece por culpa dos pecados dos homens. Eles se acumulam em toda a Terra, a tal ponto que a corrompem, a pervertem e provocam uma catástrofe. E assim se volta ao caos anterior à Criação. Toda a ordem que Deus havia estabelecido ao criar o mundo pode ser destruída e voltar à estaca zero, por causa da irresponsabilidade dos homens.

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