A primeira leitura das missas deste domingo
(Gn 9,8-15) relata a história de Noé, o dilúvio e a salvação dos homens e dos
animais com a construção da arca. A dúvida que aparece diante deste episódio é:
a narração contida na Bíblia realmente aconteceu ou trata-se de um relato
didático? Os fatos são reais ou é uma lenda, um mito?
Lendas – Os primeiros onze capítulos do Livro do Génesis apresentam
um conjunto de tradições sobre as origens do mundo e dos homens. Os episódios
que compõem este bloco não são informações de fatos históricos concretos, mas lendas
e mitos, tirados de povos da Mesopotâmia. Os catequistas de Israel tomaram
esses mitos, adaptaram-nos, e puseram-nos ao serviço da transmissão da sua
própria fé, anunciando suas descobertas sobre Deus.
Dilúvio – No texto das missas deste domingo, Noé recebeu ordens de
Deus para construir uma nave de 150 metros de comprimento, 25 de largura e 15
de altura, com três pisos de cinco metros cada. Estas medidas mostram-se
exorbitantes, pois são as medidas de um transatlântico moderno, nunca
conseguido pela engenharia naval até o século XIX. O relato está localizado na
pré-história, quando ainda não se conhecia o uso dos metais. Como se podia
fazer um navio tão grande sem instrumentos metálicos? Seria preciso, além do
mais, da ajuda de centenas de pessoas. Como foi construído só com a ajuda de
Noé, de seus três filhos e de suas esposas?
Animais – O mais pitoresco e difícil de admitir é o que se refere aos
animais que Noé e os seus deviam introduzir na arca. Como poderiam reunir um
casal de cada espécie existente para salvá-las da extinção? Foram capazes de
percorrer os cinco continentes do planeta para trazê-los, alguns de uma distância
de 20 mil quilômetros? Acrescente-se a isso outra dificuldade: existem sobre a
terra 1.700 espécies de mamíferos, 10.087 espécies de aves, 20.987 de répteis e
aproximadamente 1.200.000 espécies de insetos.
Mais animais – Os zoólogos julgam que em nosso planeta pode haver entre 5 a
10 milhões de espécies animais ainda sem identificação (ocultas nos gelos
polares, nas selvas tropicais ou nas areias do deserto). Carregar a arca com
esta bagagem teria sido um trabalho impossível para oito pessoas. Também seria
impossível repovoar o planeta só com um par de cada espécie. Por exemplo, os ursos
pandas são considerados em extinção porque somente uns mil sobrevivem, número
demasiado pequeno para recuperar outra vez a espécie em estado selvagem.
Perguntas sem respostas – Conforme relata a Bíblia, choveu durante 40 dias e 40
noites, sem parar (Gn 7,17) e a água cobriu toda a terra, sete metros acima dos
montes mais altos da Terra (Gn 7,19-20). Impossível, pois, se todas as nuvens da
atmosfera terrestre se precipitassem de uma só vez, o globo permaneceria
encoberto apenas por menos de cinco centímetros de água. E as plantas, como se
salvaram das águas? E os peixes, que também foram postos a salvo na arca? Como
não morreram ao se misturarem as águas doces com as salgadas?
O que aconteceu? – A arqueologia indica a existência de várias inundações catastróficas
no mundo entre 4000 e 2800 a.C.. Para alguns, o dilúvio bíblico poderia estar
relacionado com o fim da era glacial, quando a fusão do gelo provocou grandes
avalanches de água que invadiram as terras habitadas. Mas o mais provável é que
o dilúvio descrito nos textos do Génesis se refira a uma das inúmeras
inundações dos rios Tigre e do Eufrates… É provável que o texto bíblico evoque
essa realidade. Não se tratou, em qualquer caso, de um dilúvio universal mas,
com o tempo, a fantasia popular teria feito dessas inundações um “castigo
universal” que atingiu o conjunto da humanidade. O autor bíblico, conhecedor
dessas lendas antigas, usou-as como pano de fundo para fazer catequese e transmitir
uma mensagem religiosa.
O dilúvio nunca existiu – Este considerável número de objeções já nos dá a resposta ao
problema. Nunca existiu nenhum dilúvio universal. E tampouco a Bíblia pretende
ensinar isto como um fato histórico. Não se pode negar a existência de algum
dilúvio ou de uma grande inundação antiga, mas nunca poderia ser universal a
ponto de destruir todo tipo de vida, como descreve a Bíblia. Não estamos,
portanto, diante de fatos reais, históricos, mas diante de uma narração
didática, uma catequese.
O que ensina o Dilúvio – O autor, portanto, não quis expor um fato histórico e sim um
relato didático, para ensinar uma mensagem religiosa. O autor encontrou na
tradição a lembrança desta história e apropriou-se dela para transmitir um
ensinamento religioso. Que mensagem nos deixa o episódio do Dilúvio universal? Em
primeiro lugar, mostra como ele acontece por culpa dos pecados dos homens. Eles
se acumulam em toda a Terra, a tal ponto que a corrompem, a pervertem e
provocam uma catástrofe. E assim se volta ao caos anterior à Criação. Toda a
ordem que Deus havia estabelecido ao criar o mundo pode ser destruída e voltar
à estaca zero, por causa da irresponsabilidade dos homens.
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