sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

“Fui jogado em um vale de leprosos”



Em depoimento à Justiça Federal em Brasília na última terça-feira, o ex-ministro da Secretaria de Governo Geddel Vieira Lima (PMDB) declarou ter sido jogado em um "vale dos leprosos". Declarou: “Vejo hoje que amigos, pessoas, de longa data me lançaram em um vale dos leprosos” (UOL Notícias, 06/02/2018). O que o ex-ministro Geddel quis dizer com esta frase?

Evangelho – Este pronunciamento coincide com o Evangelho das missas deste domingo (Mc 1,40-45) que relata Jesus frente a um leproso que pediu: "Se queres, tens o poder de curar-me". Jesus, cheio de compaixão, estendeu a mão, tocou nele e disse: "Eu quero: fica curado!" No mesmo instante, a lepra desapareceu e ele ficou curado.

A doença – Os leprosos formavam um dos grupos mais marginalizados da época de Jesus. Eram considerados pecadores e um malditos, vítimas de um doloroso castigo de Deus.  Tinham que viver isolados, apresentar-se esfarrapados e avisar, aos gritos, o seu estado de impureza, a fim de que ninguém se aproximasse deles. Não tinham acesso ao Templo, nem sequer à cidade santa de Jerusalém. Eram obrigados a viver fora da cidade ou aldeia, longe do convívio social, por motivos higiênicos e religiosos (Lv 13,45-46). A única esperança do leproso, de ser reintegrado na comunidade, estava em ser curado por Jesus. Ele diz algo significativo "se queres, tu tens o poder de me curar".

Hanseníase – No Antigo Testamento, em Levítico, capítulo 13, encontra-se toda uma orientação sobre a doença, seus sinais para identificação e cuidados em relação aos doentes, mas dificilmente se pode comprovar que se tratava de hanseníase. É possível que se tratasse de manchas dermatológicas de outra espécie ou simplesmente casos chamados de "lepra", que incluíam desde simples infecções da pele até manchas na roupa. Os sacerdotes tinham a missão de diagnosticar e tratar a doença, visto que se acreditava estar relacionada a pecados e devia ser combatida através de sacrifícios, purificações e rituais que incluíam desde a queima de objetos pessoais até o contato direto do doente com aquilo que se julgava puro, como um pássaro, uma erva ou a água.

Fé e milagre – No Evangelho de Marcos, Jesus nunca faz milagre para despertar a fé – pelo contrário só faz onde a fé já existe. O milagre em Marcos nunca causa a fé, mas é a fé que causa o milagre. É importante recordar isso no nosso mundo tão afoito em correr atrás de supostos milagres e milagreiros, pouco adepto a aprofundar a fé em Jesus no seguimento dele até a cruz. O Evangelho de Marcos tem pouco lugar para a religião de "ôba-ôba", tão em voga hoje nas diversas denominações cristãs, incluindo a Católica.

Segredo – Depois da cura do leproso, encontramos um elemento característico do Evangelho de Marcos – o tal "segredo messiânico". Jesus proíbe que ele conte para os outros a história da cura, pois não quer que o povo O siga buscando prodígios e milagres, mas quer que todos se tornem seus discípulos como o Servo de Javé, pegando a sua cruz na luta por um mundo melhor, a concretização do Reino de Deus. É de desconfiar, portanto, de pregações e celebrações religiosas que se limitam somente a experiências intimistas de Deus, sem um engajamento na transformação do mundo e das suas estruturas.

Vivência comunitária – Finalmente, o homem deve apresentar-se aos sacerdotes para que a sua cura seja autenticada, segundo as leis levíticas. Para Jesus não basta a cura individual – Ele quer que todas as pessoas sejam integradas numa vivência comunitária sem marginalização por causa de gênero, classe social, raça, cor ou saúde! A fé em Jesus leva a um mundo totalmente diferente do mundo de exclusão que é a nossa atual sociedade neoliberal e consumista!

Inclusão – E diante dessa boa-nova de inclusão, o povo excluído corre atrás de Jesus, pois ele manifesta a verdadeira face de Deus a eles: o Deus de bondade e perdão, cujo rosto tinha sido escondido pelas leis de puro e impuro do Templo e pelo sistema farisaico da época - "e de toda parte as pessoas iam procurá-lo".

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