No Evangelho das missas deste domingo (Lc
6,39-45), Jesus diz aos discípulos a seguinte parábola: “Poderá um cego guiar
outro cego? Não cairão os dois em alguma cova? O discípulo não é superior ao
mestre, mas todo o discípulo perfeito deverá ser como o seu mestre. Porque vês
o cisco que o teu irmão tem na vista e não reparas na trave que está na tua?”.
E ainda: Não há árvore boa que dê mau fruto, nem árvore má que dê bom fruto”.
Continuamos ainda no ambiente do “discurso da
planície”, onde Jesus apresenta os elementos fundamentais da existência cristã.
Provavelmente, Lucas concentrou aqui um conjunto de frases ou de ditos de Jesus
que, originalmente, tinham um contexto diverso e foram pronunciados em alturas
diversas.
Dois
contextos – O texto de
hoje começa com um provérbio (“poderá um cego guiar outro cego?”) que Mateus coloca
num contexto completamente diferente do de Lucas: enquanto que em Mateus (Mt
15,14) ele aparece num contexto de crítica aos fariseus, aqui é uma advertência
contra os falsos mestres na comunidade cristã. Provavelmente, Lucas quer pôr a
comunidade de sobreaviso em relação a esses mestres pouco ortodoxos que, na
década de 80, começam a aparecer nas comunidades e cujas doutrinas apresentam
desvios sérios em relação ao essencial da mensagem de Jesus Cristo.
Mestre
– O verdadeiro mestre
será sempre um discípulo de Jesus, o mestre por excelência; e a doutrina
apresentada não poderá afastar-se daquilo que Jesus disse e ensinou. Quando
alguém apresenta a própria doutrina, e não as propostas de Jesus, está
desorientando os irmãos. A comunidade deve ter isto presente, a fim de não se
deixar conduzir por caminhos que a afastem do verdadeiro caminho que é Jesus.
Julgamento
– Um segundo
desenvolvimento, diz respeito ao julgamento dos irmãos. Há na comunidade cristã
pessoas que se consideram iluminadas, que “nunca se enganam e raramente têm
dúvidas”, muito exigentes para com os outros, que não reparam nos seus telhados
de vidro quando criticam os irmãos... Apresentam-se muito seguros de si, às
vezes com atitudes de autoridade, de orgulho e de prepotência e são incapazes
de aplicar a si próprios os mesmos critérios de exigência que aplicam aos
outros.
Hipócritas
– Esses são (a palavra
é dura, mas não a podemos evitar) “hipócritas”: o termo não designa só o homem
dissimulado, falso, cujos atos não correspondem ao seu pensamento e às suas
palavras, mas equivale ao termo aramaico “hanefa” que, no Antigo Testamento,
significa, ordinariamente, “perverso”, “ímpio”. Pode o verdadeiro discípulo de
Jesus ser “perverso” e “ímpio”? Na comunidade de Jesus não há lugar para esses
“juízes”, intolerantes e intransigentes, que estão sempre à procura da mais
pequena falha dos outros para condenar, mas que não estão preocupados com os
erros e as falhas – às vezes bem mais graves – que eles próprios cometem. Quem
não está numa permanente atitude de conversão e de transformação de si próprio
não tem qualquer autoridade para criticar os irmãos.
Critério
– Lucas apresenta o
critério para discernir quem é o verdadeiro discípulo de Jesus: é aquele que dá
bons frutos. Neste contexto, parece dever ligar-se os “bons frutos” com a
verdadeira proposta de Jesus: dá bons frutos quem tem o coração cheio da
mensagem de Jesus e a anuncia fielmente; e essa mensagem não pode gerar senão
união, fraternidade, partilha, amor, reconciliação. Quando as palavras de um
“mestre” geram divisão, tensão, desorientação, confrontação na comunidade, elas
revelam um coração cheio de egoísmo, de orgulho, de amor próprio, de
autossuficiência: cuidado com esses “mestres”, pois eles não são verdadeiros.
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