sexta-feira, 30 de abril de 2021

O ENCONTRO DE PAULO COM OS APÓSTOLOS

 

A primeira leitura das missas deste domingo (At 9, 26-31) apresenta a chegada de Paulo em Jerusalém, depois da conversão em Damasco: Saulo procurava juntar-se aos discípulos, mas todos temiam, por não acreditarem que fosse discípulo. Barnabé tomou Saulo consigo, levou-o aos Apóstolos e contou-lhes como Saulo tinha visto o Senhor, que lhe tinha falado, e como em Damasco tinha pregado com firmeza em nome de Jesus. A partir desse dia, Saulo ficou com eles em Jerusalém e falava com firmeza no nome do Senhor.

 Acontecimento importante – O capítulo nono do livro Atos dos Apóstolos é dedicado a um acontecimento muito importante na história do cristianismo: a vocação/conversão de Paulo. Tal fato é o ponto de partida para o caminho que o cristianismo vai percorrer, desde os limites geográficos do mundo judaico, até ao coração do mundo greco-romano.

 Partes – A primeira parte do capítulo (At 9,1-9) apresenta os acontecimentos do “caminho de Damasco” e o decisivo encontro de Paulo com Jesus ressuscitado; a segunda (At 9,10-19a) descreve o encontro de Paulo com a comunidade cristã de Damasco; a terceira (At 9,19b-25) fala da atividade apostólica de Paulo em Damasco; e, finalmente, a quarta (At 9,26-30) mostra a forma como Paulo, depois de deixar Damasco, foi recebido pelos cristãos de Jerusalém.

 Época – A maior parte dos autores pensa que a conversão de Paulo aconteceu por volta do ano 36. Depois da sua conversão, Paulo ficou três anos em Damasco, colaborando com a comunidade cristã dessa cidade. Após esse tempo, a oposição dos judeus forçou Paulo a abandonar a cidade. Assim, Paulo dirigiu-se para Jerusalém. A chegada de Paulo a Jerusalém deve ter acontecido por volta do ano 39 (Gal 1,18). O texto que nos é proposto (quarta parte) refere-se à estadia de Paulo em Jerusalém, depois de ter abandonado Damasco.

 Pontos importantes – A narração de Lucas mistura elementos de carácter histórico com outros elementos de carácter teológico. Eis alguns pontos desta catequese apresentada por Lucas:

 A desconfiança – da comunidade cristã de Jerusalém em relação a Paulo é um dado verosímil (histórico). Mostra-nos o quadro de uma comunidade cristã que tem alguma dificuldade em lidar com o risco, que prefere esconder-se atrás de procedimentos prudentes do que aceitar os desafios de Deus. No entanto, como o exemplo de Paulo comprova, a capacidade para correr riscos e para acolher a novidade de Deus é, muitas vezes, uma fonte de enriquecimento para a comunidade.

 O esforço de Paulo – em integrar-se mostra a importância que ele dava ao viver em comunidade, à partilha da fé com os irmãos. O cristianismo não é apenas um encontro pessoal com Jesus Cristo; mas é também uma experiência de partilha da fé e do amor com os irmãos que aderiram ao mesmo projeto e que são membros da grande família de Jesus. É só no diálogo e na partilha comunitária que a experiência da fé faz sentido.

 O papel de Barnabé – na integração de Paulo é muito significativo: ele não só acredita em Paulo, como consegue que o resto da comunidade cristã o aceite. Mostra-nos o papel que cada cristão pode ter na integração comunitária dos irmãos; e mostra, sobretudo, que é tarefa de cada crente questionar a sua comunidade e ajudá-la a descobrir os desafios de Deus.

 O entusiasmo – com que Paulo dá testemunho de Jesus e a coragem com que ele enfrenta as dificuldades e oposições. Trata-se, aliás, de uma atitude que vai caracterizar toda a vida apostólica de Paulo. O apóstolo está consciente de que foi chamado por Jesus, que recebeu de Jesus a missão de anunciar a salvação a todos os homens; por isso, nada nem ninguém será capaz de arrefecer o seu zelo no anúncio do Evangelho.

 A pregação cristã – promove o conflito com os poderes de morte e de opressão, interessados em perpetuar os mecanismos de escravidão. A fidelidade ao Evangelho e a Jesus provoca sempre a oposição do mundo. O caminho do discípulo de Jesus é sempre um caminho marcado pela cruz (não é um caminho de morte, mas de vida).

 Resumindo – Um elemento que está sempre presente no horizonte da catequese de Lucas: é o Espírito Santo que conduz a Igreja na sua marcha pela história. É o Espírito que lhe dá estabilidade (“como um edifício”), que lhe alimenta o dinamismo (“caminhava no temor do Senhor”) e que a faz crescer (“ia aumentando”). A certeza da presença e da assistência do Espírito Santo deve fundamentar a nossa esperança.

sexta-feira, 23 de abril de 2021

São Jorge, Corinthians e a Igreja Católica

 


No dia 23 de abril a Igreja Católica comemora São Jorge (viveu entre os anos de 275 e 303). É um dos santos mais queridos da Igreja, sendo até nome de novela da Rede Globo (Salve Jorge). É o nosso assunto de hoje.

 São Jorge? – Mas, afinal!  Ainda existe o santo de nome São Jorge? Ele não havia sido retirado do catálogo de santos da Igreja Católica? Não teria sido “cassado”? Esta é uma pitoresca história que merece ser contada.

 Cassados? – Em 1965 a Igreja Católica publicou uma lista de santos cujas histórias não tinham comprovação. Atribuíam-lhes ditos e feitos maravilhosos, destituídos de fundamento histórico. Tais crendices populares se propagavam rapidamente, pois os antigos careciam de apurado senso crítico. Alguns deles, não existe nem a comprovação de que tenham existido. Entre esses santos, os mais conhecidos são Santa Filomena, Santa Bárbara, Santa Catarina de Alexandria, São Lourenço, São Jorge, etc.

 Dom Paulo – Dom Paulo Evaristo Arns foi arcebispo de São Paulo e conhecido como apaixonado torcedor do Corinthians, chegando a posar com a bandeira do clube na capa de uma revista esportiva. Em 2004, Dom Paulo lançou o livro “Corintiano graças a Deus” (Editora Planeta, 138p.) em que faz surpreendentes crônicas sobre seu amor ao clube, seu fascínio pelo futebol e sua convicção de que, apesar das diferenças de credo ou ideologias, um único propósito pode unir todos os homens.

 São Jorge – Na década de 1960, o arcebispo, conhecendo o plano de reordenamento do calendário oficial da liturgia da Igreja Católica, se surpreendeu com a pretensão do Vaticano em “cassar” São Jorge, o santo padroeiro e protetor do Corinthians. Deve-se lembrar também que São Jorge é o padroeiro da Inglaterra e da cidade do Rio de Janeiro. Dom Paulo precisava tomar alguma providência para que a “cassação” não ocorresse.

 Carta – Resolveu, então, escrever uma carta ao Papa Paulo VI, seu velho amigo e conhecido por gostar de futebol. O texto dizia: “Santo Padre, o nosso povo não está entendendo direito a questão. São Jorge é muito popular no Brasil, sobretudo entre a imensa torcida do Corinthians, o clube de futebol mais popular de São Paulo”.

 Resposta – Paulo VI entendeu o problema: "Não podemos prejudicar nem a Inglaterra nem o Corinthians" afirmou o papa, resolvendo a questão. Dom Paulo guarda até hoje o bilhete do pontífice. Desta forma São Jorge foi mantido no catálogo dos santos da Igreja Católica.

 Mais Corinthians – Em 1980, durante os preparativos da visita de João Paulo II ao Brasil, Dom Paulo foi procurado por Vicente Matheus, presidente do Corinthians, para que o Papa visitasse o local da construção do futuro estádio do Timão: “Dom Paulo, o papa não pode vir a São Paulo e não conhecer o Corinthians. Ele precisa abençoar nosso campo, nosso projeto. Senão é como se ele não tivesse vindo para o Brasil”.

 Menos, menos – Dom Paulo tentou amenizar a euforia do presidente: “Mas seu Matheus. É muito difícil convencer o papa a visitar um clube de futebol, ainda por cima um estádio que não saiu do projeto”. Em seguida, encaminhou-o até um de seus colaboradores da Cúria, um vigário-geral palmeirense até os ossos. Ele era quem tratava do roteiro de João Paulo II. Pouco depois, o presidente voltava a Dom Paulo, sem esconder sua decepção. O vigário-geral alegara que a área era distante do roteiro que o pontífice faria. Ficaria para uma segunda vez – que jamais houve.

 Solução – Anos depois, D. Paulo foi procurado por dona Marlene Matheus, esposa do presidente, e veio a solução. “Se o Papa não pode vir ao Corinthians, o Corinthians vai até o Papa. Vou a Roma”. Dona Marlene arrumou uma bela imagem de São Jorge e pediu a Dom Paulo para conseguir uma audiência com o Papa João Paulo II. Dom Paulo conseguiu à primeira-dama alvinegra um lugar na primeira fileira de uma audiência com João Paulo II, numa quarta-feira. Neste dia, o Papa tocou na imagem de São Jorge. O Corinthians foi campeão naquele ano.

quinta-feira, 15 de abril de 2021

EMAÚS EXISTIU ?

 


No Evangelho das missas deste domingo será lido o trecho da aparição de Jesus aos discípulos de Emaús.  Vamos examinar a descrição de Lucas.

 A Aparição – Era o domingo, 9 de abril do ano 30. Domingo da ressurreição. Dois discípulos caminhavam de Jerusalém para a aldeia de Emaús, distante 11 quilômetros. Durante as duas horas de caminhada, comentavam os fatos ocorridos naquele dia. Jesus se aproxima, passa a caminhar com eles e, puxando a conversa, pergunta sobre o que discutem.  Eles não reconhecem Jesus. Cléofas, admirado, lhe diz que ele deve ser a única pessoa em Jerusalém que não sabe o que aconteceu com Jesus Nazareno. Jesus lhes descreve toda a história da salvação, começando por Moisés, passando por toda a Escritura. Ao chegar à casa de um deles, Jesus distribuiu o pão, sendo reconhecido por eles. Os discípulos voltaram para Jerusalém para contar aos apóstolos o que tinha acontecido.

 Nicópolis – Assim como o Evangelho de São Lucas, o Livro dos Macabeus (1Mac 9,50) e o historiador do Século I Flavius Josefo (História dos Hebreus) citam o nome de uma cidade chamada Emaús. A grande questão desta história é que a aldeia de Emaús nunca foi encontrada. Os turistas e peregrinos que visitam a Terra Santa são levados a uma igreja em Nicópolis, como sendo Emaús. Isto devido ao historiador da igreja do século IV, Eusébio de Cesaréia, que identificou a cidade de Nicópolis como a Emaús bíblica. O teólogo e tradutor São Jerônimo (347 – 420) concordou com a indicação, fazendo com que, a partir do século IV, os cristãos identificassem Nicópolis com Emaús.

 O problema – é que Nicópolis está muito mais longe de Jerusalém (30 quilômetros).  Ao longo dos anos, vários estudiosos sugeriram nada menos que cinco locais alternativos para Nicópolis e não há acordo geral sobre qual é o mais provável.

 Nova descoberta – Em 2017, um grupo francês e israelense de arqueólogos (Israel Finkelstein e Thomas Römer) começou o trabalho de escavação em Kiriath-Jearim, uma colina vários quilômetros a oeste de Jerusalém. Descubriram que, durante o século XII, Kiriath Yearim e a vila vizinha de Abu Ghosh serviram de hospedagem para as cruzadas. Construiram ali a Igreja da Ressurreição em Abu Ghosh, abaixo da colina de Kiriath-Jearim, e chamavam o lugar de Castellum Emmaus. Vamos aguardar as novas descobertas para certificação da teoria dos autores.

 
QUER SABER MAIS: Se você gostou do assunto e quer saber mais, podemos lhe oferecer os textos citados: O artigo “Os arqueólogos descobriram a cidade em que Jesus apareceu depois de sua ressurreição?” da jornalista Candida Moss; o livro “História dos Hebreus” de Flavio Josefo (1627 pág. em Português com 18 citações de Emaús); O texto “Cronologia da Vida de Jesus” de autoria de Enrico Galbiati (Doutor da Biblioteca Ambrosiana de Milão); Onomasticon – Sobre os Nomes dos Lugares nas Sagradas Escrituras – de autoria de Eusébio de Cesaréia (escrito no ano 330, onde cita Emaús).

sexta-feira, 9 de abril de 2021

Tomé e o homem contemporâneo


 O Evangelho deste final de semana relata o encontro de Jesus e Tomé (Jo, 20, 19-31), oito dias após Tomé ter dito que só acreditaria que Jesus ressuscitara se colocasse os dedos em suas chagas. Jesus então, convida-o a fazer isso e diante da confissão de fé de Tomé (“Meu Senhor e meu Deus!”) Jesus afirma que são bem-aventurados os que creram sem ter visto.

 

Tomé, nosso conterrâneo – Relatando o que aconteceu a Tomé e sua incredulidade inicial, o Evangelho sai ao encontro do homem e da era tecnológica, que crê somente no que pode verificar. Podemos chamar Tomé de nosso contemporâneo entre os apóstolos. E agindo da maneira que o fez, obrigou Jesus a dar-nos uma prova “tangível” da verdade de sua ressurreição. A fé na ressurreição saiu beneficiada de suas dúvidas e, ao menos em parte, isso também pode ser aplicado aos numerosos “Tomes” de hoje, a todos aqueles que não creem.

 

Fé, dom de Deus – A crítica e o diálogo com os ateus, quando se desenvolvem no respeito e na lealdade recíproca, são de grande utilidade. Antes de tudo nos fazem humildes. Obrigam-nos a ver que a fé não é um privilégio ou uma vantagem para ninguém. Não podemos impô-la nem demonstrá-la, mas só propô-la e mostrá-la com a vida. “Que é que possuis que não tenhas recebido? E, se o recebeste, por que haverias de te ensoberbecer como se não o tivesses recebido?”, diz São Paulo! (1Cor 4, 7). A fé, no fundo, é um dom, não um mérito, e como todo dom deve ser vivido na gratidão e na humildade.

 

Purificação da fé – A relação com aqueles que não creem ajuda-nos também, a purificar nossa fé de representações. Com muita frequência, aquilo que os ateus rejeitam não é o verdadeiro Deus, o Deus Vivo da Bíblia, mas uma imagem distorcida de Deus, que nós mesmos, os que cremos, contribuímos para criar. Rejeitando esse Deus, os não crentes nos obrigam a voltarmos a situar as marcas do Deus vivo e verdadeiro, Daquele que está além de toda nossa representação e explicação. Eles nos ajudam a não fossilizar ou banalizar a Deus.

 

Tomé, um exemplo a imitar – Assim, que São Tomé encontre hoje muitos imitadores, não só na primeira parte de sua história – quando declara que não crê –, mas também ao final, naquele magnífico ato seu de fé que o leva a exclamar: “Meu Senhor e Deus meu!”. Tomé é também imitável por outro fato: não fecha a porta; não fica em sua postura, dando por encerrada a questão. De fato, não apenas manifestou sua dúvida, mas o encontramos oito dias depois com os demais apóstolos no cenáculo. Se não tivesse desejado crer, ou “mudar de opinião”, não teria estado ali. Ele quis ver, tocar, portanto, estava em busca. E ao final, depois de que viu e tocou com sua mão, dirige-se a Jesus, não como um vencido, mas como um vencedor: “Meu Senhor e Deus meu!”. Nenhum outro apóstolo havia ainda se lançado a proclamar com tanta clareza a divindade de Cristo.