sexta-feira, 26 de agosto de 2022

Revolução social da humildade

  


No Evangelho deste domingo (Lc 14, 1.7-14) Jesus participa de um banquete na casa de um fariseu. Para a explicação deste texto, vamos recorrer ao texto do Pe. Cantalamessa (Pregador do Papa).

 Preconceito – O início do Evangelho deste domingo nos ajuda a corrigir um preconceito muito difundido. “Num sábado, Jesus entrou para comer na casa de um dos principais fariseus. Eles o observavam atentamente”. Ao se ler o Evangelho sob certo ponto de vista, os fariseus acabam se tornando o modelo de todos os vícios: hipocrisia, falsidade; os inimigos, por antonomásia, de Jesus. Semelhante ideia dos fariseus não é correta. Nem todos eram assim. Nicodemos, que vai ver Jesus de noite e que depois o defende ante o Sinédrio, era um fariseu (Jo 3,1;7). Também Saulo era fariseu antes da conversão, e era certamente uma pessoa sincera e zelosa, ainda que não estivesse bem iluminado. Outro fariseu era Gamaliel, que defendeu os apóstolos ante o Sinédrio (At 5,34).

 Fariseus – As relações de Jesus com os fariseus não foram só de conflito. Compartilhavam muitas vezes as mesmas convicções, como a fé na ressurreição dos mortos, no amor de Deus e no compromisso como primeiro e mais importante mandamento da lei. Alguns, como neste caso, inclusive o convidam para uma refeição em sua casa. Hoje se considera que, mais que os fariseus, quem queria a condenação de Jesus eram os saduceus, a quem pertencia a casta sacerdotal de Jerusalém. Por todos estes motivos, seria muito desejável deixar de utilizar o termo “fariseu” em sentido depreciativo.

 Durante a refeição – Naquele sábado, Jesus ofereceu dois ensinamentos importantes: um dirigido aos “convidados” e outro para o “anfitrião”. Ao dono da casa, Jesus disse (talvez diante dele ou só em presença de seus discípulos): “Quando deres um almoço ou um jantar, não convides seus amigos, nem seus irmãos, nem seus parentes, nem os vizinhos ricos...”. É o que o próprio Jesus fez, quando convidou ao grande banquete do Reino os pobres, os aleijados, os humildes, os famintos, os perseguidos (as categorias de pessoas mencionadas nas Bem-aventuranças).

 Banquete – Mas, nesta ocasião, meditemos sobre o que Jesus diz aos “convidados”. “Se te convidam a um banquete de bodas, não te coloques no primeiro lugar...”. Jesus não quer dar conselhos de boa educação. Nem sequer pretende encorajar o sutil cálculo de quem se põe em uma fila, com a escondida esperança de que o dono lhe peça que se aproxime. A parábola, nisso, pode dar espaço ao equívoco, se não se levar em consideração o banquete e o dono, dos quais Jesus está falando. O banquete é o universal do Reino e o dono é Deus.

 Modéstia – Jesus quer dizer: na vida, escolha o último lugar, procure contentar os demais mais que a você mesmo; seja modesto na hora de avaliar seus méritos, deixe que sejam os demais quem os reconheçam e não você (“ninguém é bom juiz em causa própria”) e, assim, já nesta vida, Deus lhe exaltará. Ele lhe exaltará com sua graça, fará você subir na hierarquia de Seus amigos e dos verdadeiros discípulos de Seu Filho, que é o que realmente importa.

 Humildade – Ele exaltará você também na estima dos demais. É um fato surpreendente, mas verdadeiro. Não só Deus “se inclina ante o humilde e rejeita o soberbo” (Sl 107,6); também o homem faz o mesmo, independentemente do fato de ser crente ou não. A modéstia, quando é sincera, não artificial, conquista, faz com que a pessoa seja amada, que sua companhia seja desejada, que sua opinião seja desejada. A verdadeira glória foge de quem a persegue.

 Sociedade – Vivemos em uma sociedade que tem grande necessidade de voltar a escutar esta mensagem evangélica sobre a humildade. Correr para ocupar os primeiros lugares, talvez pisoteando, sem escrúpulos, a cabeça dos demais, são características desprezadas por todos e, infelizmente, seguidas por todos. O Evangelho tem um impacto social, inclusive quando fala de humildade e modéstia.

 Vivência – Em todos os seus atos, seja modesto!

sábado, 20 de agosto de 2022

Como aconteceu a Assunção de Maria?

 


 Neste domingo a Igreja comemora a Assunção de Maria, conforme o dogma publicado pelo Papa Pio XII (1950): “A Virgem Imaculada, que fora preservada de toda a mancha de culpa original, terminando o curso da sua vida terrena, foi elevada à glória celeste em corpo e alma”.

 

Mistério – Os detalhes da morte, enterro e assunção da Virgem Maria são um dos maiores mistérios do Novo Testamento. A Igreja usa o texto da Carta de São Paulo (1Cor 15, 20-23) e do Apocalipse (Ap 11, 19; 12, 1), para fundamentar o dogma. Nenhuma descrição ou fato histórico é citado. Apresentamos aqui as descobertas mais recentes sobre o assunto:

 

Cronograma – Um cronograma aproximado da vida de Maria seria o seguinte: nasceu no ano 20 a.C., aproximadamente, filha de Ana e Joaquim. No final do ano 7 a.C. (com 13 anos) deu à luz Jesus, na cidade de Belém. Maria assistiu a crucificação e morte de Jesus em abril do ano 30 d.C., com 50 anos de idade. Segundo Hipólito de Tebas (autor bizantino do século VII), a Virgem Maria viveu onze anos após a morte de Jesus, morrendo no ano de 41 d.C. (com 61 anos de idade).

 

João Paulo II – Em catequese, no dia 9 de julho de 1997, o Papa João Paulo II disse que o primeiro testemunho de fé na assunção da Virgem Maria aparece nas histórias apócrifas, intituladas "Transitus Mariae", cujo núcleo original remonta aos séculos II e descreve a morte, o sepultamento, o túmulo e a ascensão de Maria aos Céus. Segundo a palavra do Pontífice este texto reflete uma intuição da fé do povo de Deus.

 

O texto – O autor do “Transitus Mariae” usa o pseudônimo de Melitão. Existiu um Melitão, Bispo de Sardes, no ano de 150, mas não deve ser o mesmo. O autor diz que escutou de São João apóstolo a seguinte história: Maria vivia em sua casa, quando recebeu a visita de um anjo anunciando que, em três dias, seria elevada aos céus. Então ela pediu ao anjo que gostaria que todos os apóstolos estivessem reunidos.

 

Morte – Três dias depois, Maria morreu na presença de todos os apóstolos. Pedro recebeu uma mensagem de Cristo: ele deveria tomar o corpo de Maria e levar à direita da cidade, até o oriente, onde encontraria um sepulcro novo. Ali deveria depositar o corpo de Maria e aguardar um novo aparecimento de Cristo.

 

Enterro – Os apóstolos assim fizeram: colocaram o corpo num caixão, saíram de Jerusalém, à direita da cidade, entraram no Vale de Josafat (ou vale do Cedron), no caminho para o Monte das Oliveiras, depositaram o corpo no sepulcro, fecharam com uma pedra e ficaram esperando.

 

Assunção – Cristo ressuscitado apareceu, saudando a todos: “A paz esteja convosco”. Pedro disse: “Senhor, se possível, parece justo que ressuscite do corpo de sua mãe e a conduza contigo ao Céu”.  Jesus disse: “Tu que não aceitasse a corrupção do pecado não sofrerás a corrupção do corpo no sepulcro”. E os anjos a levaram ao paraíso. Enquanto ela subia, Jesus falou aos apóstolos: “Do mesmo modo que estive com vocês até agora, estarei até o fim do mundo”. E desapareceu entre as nuvens junto com os anjos e Maria.

 

Impressionante descoberta – A arqueologia estudou durante anos os detalhes da pequena igreja existente no local descrito pelo texto “Transitus Mariae” sem nada encontrar. Em 1972, uma chuva torrencial alagou a igreja e exigiu a reconstrução do piso. Ao remover o piso, apareceu um grande porão, com uma câmara funerária do primeiro século. Todas as descrições do livro apócrifo estavam confirmadas.

 

QUER LER MAIS – Se você se interessou pelo assunto, nós podemos lhe oferecer a história completa do “Túmulo de Maria” escrita pelo teólogo católico Ariel Alvarez Valdes (17 pág. em castelhano) com fotos e desenhos do túmulo; a audiência de 9/7/97 do Papa João Paulo II “A Assunção de Maria, verdade de fé” (5 pág, em português); o texto completo do livro apócrifo “Transitus Mariae”, escrito no século II (16 pág. em castelhano). Solicite por E-mail.

sexta-feira, 12 de agosto de 2022

Eu vim trazer a divisão à terra

  


Os “ditos” que o Evangelho de hoje (Lc 12,49-53) nos apresenta são dos textos mais obscuros e difíceis de interpretar de todo o Novo Testamento. Particular dificuldade oferece o versículo 49, formado com palavras estranhas ao vocabulário de Lucas. Para a explicação deste texto, vamos recorrer ao texto do Pe. Cantalamessa (Pregador do Papa).

 Provocação? – A passagem do Evangelho desse domingo contém algumas das palavras mais provocadoras pronunciadas por Jesus: “Pensais que eu vim trazer a paz à terra? Pelo contrário, eu vos digo, vim trazer a divisão. Pois daqui em diante, numa família de cinco pessoas, três ficarão divididas contra duas e duas contra três; ficarão divididos: pai contra filho e filho contra pai; mãe contra filha e filha contra mãe; sogra contra nora e nora contra sogra”.

 Contradição? – E pensar que quem diz essas palavras é a mesma pessoa cujo nascimento foi saudado com as palavras: “Paz na terra aos homens”, e que durante sua vida havia proclamado: “Bem-aventurados os que trabalham pela paz”! A mesma pessoa que, no momento de sua prisão, ordenou a Pedro: “Coloque a espada na bainha!” (Mt 26, 52)! Como se explica esta contradição?

 É muito simples – Trata-se de ver qual é a paz e a unidade que Jesus veio trazer e qual é a paz e a unidade que veio suprimir. Ele veio trazer a paz e a unidade no bem, a que conduz à vida eterna, e veio tirar essa falsa paz e unidade que só serve para adormecer as consciências e levar à ruína.

 Divisão? – Não é que Jesus tenha vindo propositalmente para trazer a divisão e a guerra, mas de sua vinda resultará inevitavelmente divisão e contraste, porque Ele situa as pessoas ante a disjuntiva. E ante a necessidade de decidir-se, sabe-se que a liberdade humana reagirá de forma variada. Sua palavra e sua própria pessoa trarão à luz o que está mais oculto no profundo do coração humano. O ancião Simeão o havia predito ao tomar Jesus Menino nos braços: “Este está colocado para queda e elevação de muitos em Israel, e para ser sinal de contradição, a fim de que fiquem ao descoberto as intenções de muitos corações” (Lucas 2, 35).

 Espada – A primeira vítima dessa contradição, o primeiro em sofrer a “espada” que veio trazer à terra, será precisamente Ele, que neste choque perderá a vida. Depois d’Ele, a pessoa mais diretamente envolvida neste drama é Maria, sua Mãe, a quem, de fato, Simeão, naquela ocasião, disse: “Uma espada te transpassará a alma”.

 Dois tipos de paz – Jesus diz aos apóstolos: “Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não é à maneira do mundo que eu a dou. Não se perturbe, nem se atemorize o vosso coração” (João 14, 27). Depois de ter destruído, com sua morte, a falsa paz e solidariedade do gênero humano no mal e no pecado, inaugura a nova paz e unidade que é fruto do Espírito. Esta é a paz que oferece aos apóstolos na tarde da Páscoa, dizendo: “Paz a vós!”.

 Família – Jesus diz que esta “divisão” pode ocorrer também dentro da família: entre pai e filho, mãe e filha, irmão e irmã, nora e sogra. E lamentavelmente sabemos que isso às vezes é certo e doloroso. A pessoa que descobriu o Senhor e quer segui-lo seriamente se encontra com frequência na difícil situação de ter de escolher: ou contentar aos de casa e descuidar Deus e as práticas religiosas, ou seguir estas e estar em contraste com os seus, que lhe jogam na cara cada minuto que dedica a Deus e às práticas de piedade.

 Carne e Espírito – Mas o choque chega também mais profundamente, dentro da própria pessoa, e se configura como luta entre a carne e o espírito, entre o clamor do egoísmo e dos sentidos e o da consciência. A divisão e o conflito começam dentro de nós. Paulo o explicou de forma maravilhosa: “A carne de fato tem desejos contrários ao Espírito e o Espírito tem desejos contrários à carne; estas coisas se opõem reciprocamente, de maneira que não fazeis o que gostaríeis”.

sábado, 6 de agosto de 2022

Vigiai e estai preparados

  


A Palavra de Deus que a liturgia deste domingo nos propõe convida-nos à vigilância: o verdadeiro discípulo não vive de braços cruzados, numa existência de comodismo e resignação, mas está sempre atento e disponível para acolher o Senhor, para escutar os seus apelos e para construir o “Reino”. O Evangelho das missas deste domingo começa com uma referência ao “verdadeiro tesouro” que os discípulos devem procurar e que não está nos bens deste mundo: trata-se do “Reino” e dos seus valores. A questão fundamental é: como descobrir e guardar esse “tesouro”? A resposta é dada em três “parábolas”, que apelam à vigilância.

 A primeira parábola convida a ter os rins cingidos e as lâmpadas acesas (o que parece aludir a Ex 12,11 e à noite da primeira Páscoa, celebrada de pé e “com os rins cingidos”, antes da viagem para a liberdade), como homens que esperam o senhor que volta da sua festa de casamento. Os que creem são, assim, convidados a estarem preparados para acolher a libertação que Jesus veio trazer e que os levará da terra da escravidão para a terra da liberdade; e são também convidados a acolherem “o noivo” (Jesus) que veio propor à “noiva” (a humanidade) a comunhão plena com Deus (a “nova aliança”, representada na teologia judaica através da imagem do casamento).

 A segunda parábola aponta para a incerteza da hora em que o Senhor virá. A imagem do ladrão que chega a qualquer hora, sem ser esperado, é uma imagem estranha para falar de Deus; mas é uma imagem sugestiva para mostrar que o discípulo fiel é aquele que está sempre preparado, a qualquer hora e em qualquer circunstância, para acolher o Senhor que vem.

 A terceira parábola parece dirigir-se aos responsáveis da comunidade, que devem permanecer fiéis às suas tarefas de animação e de serviço: se algum deles descuida de suas responsabilidades no serviço aos irmãos e usa as funções que lhe foram confiadas de forma negligente ou em benefício próprio, será castigado. A última afirmação (“a quem muito foi dado, muito será exigido, a quem muito foi confiado, mais se lhe pedirá – vers. 48b) é claramente dirigida aos responsáveis da comunidade; mas pode aplicar-se a todos os que receberam dons materiais ou espirituais.