sábado, 19 de novembro de 2022

“Tudo passa, só Deus basta”

  


Estamos iniciando o ano litúrgico, com o primeiro domingo do Advento. O texto do Evangelho das missas (Mt 24,37-44) é tirado do último grande discurso de Jesus antes de sua Paixão e morte. Para a reflexão deste Evangelho transcrevemos o texto do Pe. Raniero Cantalamessa, pregador da Casa Pontifícia do Vaticano.

 Mateus – Neste domingo começa o primeiro ano do ciclo litúrgico trienal, chamado ano “A”. Nele nos acompanha o Evangelho de Mateus. Algumas características deste Evangelho são: a amplitude com a qual se referem aos ensinamentos de Jesus (os famosos sermões, como o da montanha), a atenção à relação Lei-Evangelho (o Evangelho é a “nova Lei”). Ele é considerado como o Evangelho mais “eclesiástico” pelo relato do primado de Pedro e pelo uso do termo “Ecclesia” (Igreja), que não se encontra nos outros três Evangelhos.

 Velai – A palavra que destaca sobre todas, no Evangelho deste primeiro domingo do Advento, é: “Velai, pois, porque não sabeis que dia virá o vosso Senhor... Estai preparados, porque no momento que não penseis, virá o Filho do homem”. Pergunta-se às vezes por que Deus nos esconde algo tão importante como a hora de sua vinda, que para cada um de nós, considerado singularmente, coincide com a hora da morte.

 A resposta tradicional é: “Para que estivéssemos alerta, sabendo cada um que isso pode acontecer em seus dias” (Santo Efrém). Mas o principal motivo é que Deus nos conhece; sabe que terrível angústia teria sido para nós conhecer com antecipação a hora exata e assistir à sua lenta e inexorável aproximação. Isso é o que mais atemoriza em certas doenças. São mais numerosos hoje os que morrem de afecções imprevistas de coração do que os que morrem de “penosas doenças”. No entanto, dão mais medo estas últimas, porque nos parece que privam dessa incerteza que nos permite esperar. A incerteza da hora não deve levar-nos a viver despreocupados, mas como pessoas vigilantes.

 O ano litúrgico está em seu início, enquanto o ano civil chega a seu fim. Uma ocasião ótima para fazer espaço para uma reflexão sábia sobre o sentido de nossa existência. A própria natureza no outono nos convida a refletir sobre o tempo que passa. O que o poeta Giuseppe Ungaretti dizia dos soldados na trincheira do Carso, durante a primeira guerra mundial, vale para todos os homens: “Estão / como no outono / nas árvores / nas folhas”. Isto é, a ponto de cair, de um momento a outro. “O tempo passa e o homem não percebe isso”, dizia Dante.

 Tudo passa – Um antigo filósofo expressou esta experiência fundamental com uma frase que se tornou célebre: «panta rei», ou seja, tudo passa. Ocorre na vida como na televisão: os programas se sucedem rapidamente e cada um anula o precedente. A tela continua sendo a mesma, mas as imagens mudam. É igual conosco: o mundo permanece, mas nós passamos, um após o outro.

 Nada – De todos os nomes, os rostos, as notícias que enchem os jornais e os noticiários do dia – de mim, de você, de todos nós – o que permanecerá daqui a um ano ou década? Nada de nada. O homem não é mais que “um traço criado pela onda na areia do mar e que a onda seguinte apaga”.

 Só Deus basta – Vejamos o que a fé tem a dizer-nos a propósito deste fato de que tudo passa. “O mundo passa, mas quem cumpre a vontade de Deus permanece para sempre” (1Jo 2, 17). Assim, existe alguém que não passa, Deus, e existe uma forma de que nós não passemos totalmente: fazer a vontade de Deus, ou seja, crer, aderir a Deus. Nesta vida somos como pessoas em uma balsa que um rio leva ao mar aberto, sem retorno. Em certo momento, a balsa passa perto da margem. O náufrago diz: “Agora ou nunca!”, e salta até a terra firme. Que suspiro de alívio quando sente a rocha sob seus pés! É a sensação experimentada frequentemente por quem chega à fé. Poderíamos recordar, como conclusão desta reflexão, as palavras que Santa Teresa de Ávila deixou como uma espécie de testamento espiritual: “Nada te perturbe, nada te espante. Tudo passa, só Deus basta”.

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