sábado, 26 de fevereiro de 2011

Deus e o dinheiro

O Evangelho deste domingo (Mt 6,24-34) continua no contexto do “Sermão da Montanha”. Jesus continua aqui, a apresentar a “nova Lei” (como, no Antigo Testamento, Deus apresentou ao seu Povo, na montanha do Sinai, a antiga Lei) que deve guiar a comunidade cristã na sua caminhada histórica. Jesus adverte os discípulos para o uso das riquezas e procura definir a atitude vital e o caminho do cristão. 

Mamonas – O versículo 24 afirma a incompatibilidade entre o amor a Deus e o amor aos bens materiais (o evangelista Mateus usa o termo “mamonas” que significa o dinheiro como um poder que domina o mundo). Qual a razão dessa incompatibilidade? 

Deus – Deus deve ser o centro ao redor do qual o homem constrói a sua existência, o valor supremo do homem… Mas, sempre que a lógica do “ter” domina o coração, o dinheiro ocupa o lugar de Deus e passa a ser o ídolo a quem o homem tudo sacrifica. O verdadeiro Deus passa, então, a ocupar um lugar perfeitamente secundário na vida do homem; e o dinheiro – ídolo exigente, ciumento, exclusivo, que não deixa espaço para qualquer outro valor – é promovido à categoria de motor da história e de referência fundamental para o homem. 

Dinheiro – O amor do dinheiro fecha totalmente o coração do homem, num egoísmo estéril, e não deixa qualquer espaço para o amor aos irmãos. Na sua vida, o homem deixa de ter lugar para aqueles que o rodeiam e, por amor do dinheiro, torna-se injusto, prepotente, corrupto, explorador, autossuficiente… 

O que buscar primeiro? – Nos versículos 25-34, que se seguem aos “ditos” sobre a riqueza, Mateus procura responder às seguintes questões: como deve ser ordenada a hierarquia de valores dos discípulos de Jesus? Os membros da comunidade cristã não devem se preocupar, nem minimamente, com as suas necessidades básicas? Para os discípulos de Jesus, o “Reino” deve ser o valor mais importante, a principal prioridade, a preocupação mais séria, aquilo que dia a dia “faz correr” o homem e que domina todo o seu horizonte (“procurai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça”). 

Desafio do Reino – E as preocupações mais “primárias” da vida do homem: a comida, a bebida, a roupa, a segurança? São valores secundários, que não devem sobrepor-se ao “Reino”. De resto, não precisamos viver obcecados com essas coisas, pois o próprio Deus Se encarregará de suprir as necessidades materiais dos seus filhos (“tudo o mais vos será dado por acréscimo”). Aliás, quem aceita o desafio do “Reino” descobre rapidamente que Deus é esse Pai bondoso que preside a história humana, que cuida dos seus filhos, que vela por eles com amor, que conhece as suas necessidades: se Deus, cada dia, veste de cores os lírios do campo e alimenta as aves do céu, não fará o mesmo – ou até mais – pelos homens? Aquele que crê e que escolhe o “Reino” passa, então, a viver nessa serena tranquilidade que resulta da confiança absoluta no Deus que não falha. 

Comodismo? – A proposta de Jesus será um convite a viver na alegre despreocupação, na inconsciência, na passividade, no comodismo, na indiferença? Não. As palavras de Jesus são um convite a pôr em primeiro lugar as coisas verdadeiramente importantes (o “Reino”), a relativizar as coisas secundárias (as preocupações exclusivamente materiais) e, acima de tudo, a confiar totalmente na bondade e na solicitude paternal de Deus. De resto, viver na dinâmica do “Reino” não é cruzar os braços, à espera que Deus faça cair do céu aquilo de que necessitamos; mas é viver comprometido, trabalhando todos os dias, a fim de que o sonho de Deus – o mundo novo da justiça, da verdade e da paz – se concretize.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

A CNBB e o BBB

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulgou nota, datada de 17 de fevereiro, sobre o baixo nível moral de alguns programas exibidos pela televisão no Brasil. A seguir, a nota na íntegra:



NOTA DA CNBB SOBRE ÉTICA E PROGRAMAS DE TV



Têm chegado à CNBB diversos pedidos de uma manifestação a respeito do baixo nível moral que se verifica em alguns programas das emissoras de televisão, particularmente naqueles denominados Reality Shows, que têm o lucro como seu principal objetivo.  

Nós, bispos do Conselho Episcopal Pastoral (CONSEP), reunidos em Brasília, de 15 a 17 de fevereiro de 2011, compreendendo a gravidade do problema e em atenção a esses pedidos, acolhendo o clamor de pessoas, famílias e organizações, vimos nos manifestar a respeito.  

Destacamos primeiramente o papel desempenhado pela TV em nosso País e os importantes serviços por ela prestados à Sociedade. Nesse sentido, muitos programas têm sido objeto de reconhecimento explícito por parte da Igreja com a concessão do Prêmio Clara de Assis para a Televisão, atribuído anualmente.  

Lamentamos, entretanto, que esses serviços, prestados com apurada qualidade técnica e inegável valor cultural e moral, sejam ofuscados por alguns programas, entre os quais os chamados reality shows, que atentam contra a dignidade de pessoa humana, tanto de seus participantes, fascinados por um prêmio em dinheiro ou por fugaz celebridade, quanto do público receptor que é a família brasileira.  

Cônscios de nossa missão e responsabilidade evangelizadoras, exortamos a todos no sentido de se buscar um esforço comum pela superação desse mal na sociedade, sempre no respeito à legítima liberdade de expressão, que não assegura a ninguém o direito de agressão impune aos valores morais que sustentam a Sociedade.  

Dirigimo-nos, antes de tudo, às emissoras de televisão, sugerindo-lhes uma reflexão mais profunda sobre seu papel e seus limites, na vida social, tendo por parâmetro o sentido da concessão que lhes é dada pelo Estado.  

Ao Ministério Público pedimos uma atenção mais acurada no acompanhamento e adequadas providências em relação à programação televisiva, identificando os evidentes malefícios que ela traz em desrespeito aos princípios basilares da Constituição Federal (Art. 1º, II e III).  

Aos pais, mães e educadores, atentos a sua responsabilidade na formação moral dos filhos e alunos, sugerimos que busquem através do diálogo formar neles o senso crítico indispensável e capaz de protegê-los contra essa exploração abusiva e imoral.  

Por fim, dirigimo-nos também aos anunciantes e agentes publicitários, alertando-os sobre o significado da associação de suas marcas a esse processo de degradação dos valores da sociedade.  

Rogamos a Deus, pela intercessão de Nossa Senhora Aparecida, luz e proteção a todos os profissionais e empresários da comunicação, para que, usando esses maravilhosos meios, possamos juntos construir uma sociedade mais justa e humana.  

Brasília, 17 de fevereiro de 2011


Dom Geraldo Lyrio Rocha, Presidente da CNBB

Dom Luiz Soares Vieira, Vice-Presidente da CNBB

Dom Dimas Lara Barbosa, Secretário Geral da CNBB.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

A arca de Noé existiu?

Os capítulos 6, 7, 8 e 9 do livro do Gênesis relata a história de Noé, o dilúvio e a salvação dos homens e dos animais com a construção da arca. A dúvida que aparece diante deste episódio é: a narração contida na Bíblia realmente aconteceu ou trata-se de um relato didático? Os fatos são reais ou é uma lenda, um mito? 

Construção – Noé recebeu ordens de Deus para construir uma nave de 150 metros de comprimento, 25 de largura e 15 de altura, com três pisos de cinco metros cada. Estas medidas mostram-se exorbitantes, pois são as medidas de um transatlântico moderno, nunca conseguido pela engenharia naval até o século XIX. O relato está localizado na pré-história, quando ainda não se conhecia o uso dos metais. Como se podia fazer um navio tão grande sem instrumentos metálicos? Seria preciso, além do mais, da ajuda de centenas de pessoas. Como foi construído só com a ajuda de Noé, de seus quatro filhos e de suas esposas? 

Animais – O mais pitoresco e difícil de admitir é o que se refere aos animais que Noé e os seus deviam introduzir na arca. Como poderiam reunir um casal de cada espécie existente para salvá-las da extinção? Foram capazes de percorrer os cinco continentes do planeta para trazê-los, alguns de uma distância de 20 mil quilômetros? Acrescente-se a isso outra dificuldade: existem sobre a terra 1.700 espécies de mamíferos, 10.087 espécies de aves, 20.987 de répteis e aproximadamente 1.200.000 espécies de insetos.  

Mais animais – Os zoólogos julgam que em nosso planeta pode haver entre 5 a 10 milhões de espécies animais ainda sem identificação (ocultas nos gelos polares, nas selvas tropicais ou nas areias do deserto). Carregar a arca com esta bagagem teria sido um trabalho impossível para oito pessoas. Também seria impossível repovoar o planeta só com um par de cada espécie. Por exemplo, os ursos pandas são considerados em extinção porque somente uns mil sobrevivem, número demasiado pequeno para recuperar outra vez a espécie em estado selvagem. 

Perguntas sem respostas – Conforme relata a Bíblia, choveu durante 40 dias e 40 noites, sem parar (Gn 7,17) e a água cobriu toda a terra, sete metros acima dos montes mais altos da Terra (Gn 7,19-20). Impossível, pois, se todas as nuvens da atmosfera terrestre se precipitassem de uma só vez, o globo permaneceria encoberto apenas por menos de cinco centímetros de água. E as plantas, como se salvaram das águas? E os peixes, que também foram postos a salvo na arca? Como não morreram ao se misturarem as águas doces com as salgadas? 

O dilúvio nunca existiu – Este considerável número de objeções já nos dá a resposta ao problema. Nunca existiu nenhum dilúvio universal. E tampouco a Bíblia pretende ensinar isto como um fato histórico. Não se pode negar a existência de algum dilúvio ou de uma grande inundação antiga, mas nunca poderia ser universal a ponto de destruir todo tipo de vida, como descreve a Bíblia. Não estamos, portanto, diante de fatos reais, históricos, mas diante de uma narração didática, uma catequese. 

O que ensina o Dilúvio – O autor, portanto, não quis expor um fato histórico e sim um relato didático, para ensinar uma mensagem religiosa. O autor encontrou na tradição a lembrança desta história e apropriou-se dela para transmitir um ensinamento religioso. Que mensagem nos deixa o episódio do Dilúvio universal? Em primeiro lugar, mostra como ele acontece por culpa dos pecados dos homens. Eles se acumulam em toda a Terra, a tal ponto que a corrompem, a pervertem e provocam uma catástrofe. E assim se volta ao caos anterior à Criação. Toda a ordem que Deus havia estabelecido ao criar o mundo pode ser destruída e voltar à estaca zero, por causa da irresponsabilidade dos homens. 

O patriarca – Entre todas as pessoas más, há uma que é justa: Noé. Deus coloca-o à prova: ordena-lhe que construa uma grande embarcação, em pleno deserto, sobre terra firme e sem dizer-lhe para que, apenas porque ele o ordena. Imaginemos o pobre Noé, exposto à zombaria de seus contemporâneos, dizendo: “Deus o ordenou. Eu obedeço”. Mostra-nos a fé e a submissão deste homem incrível, obediente em tudo. A mensagem é, pois, claríssima, mesmo quando contada com a linguagem do Antigo Testamento. Deus dá uma ordem. Se o homem desobedece, se autodestrói. Se obedece, como faz Noé, se salva. 

A voz de Deus – No mais, é Deus que indica as medidas da arca, o material que se deve empregar e até o modo de construí-la. Ou seja, aquele que constrói sua vida com as medidas de Deus sempre sobreviverá a qualquer tempestade. Aquele que deixa de ouvir sua voz irá se afogar. Estar atento a isso é muito mais importante do que saber se houve ou não houve a chuva de quarenta dias e em que lugar encalhou a arca. É a leitura que deveríamos fazer de Gn 6-9. Desta forma, haveria menos gente interessada em provar a existência da arca e mais gente procurando mergulhar na Palavra de Deus, buscando viver sua mensagem.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Vós sois o sal e a luz do mundo

 O Evangelho das missas deste domingo (Mt 5, 13-16) é a continuação do texto de domingo passado. Após a apresentação das bem-aventuranças, Mateus reúne uma grande coleção de sentenças associadas a Jesus. Com o objetivo de doutrinar, ele reuniu didaticamente, ditos e sentenças dispersos, originários de palavras de Jesus, que circulavam livremente como tradição entre os cristãos. Vários desses ditos e sentenças aparecem espalhados ao longo dos outros evangelhos sinóticos (Marcos e Lucas). O conjunto forma o que se costuma denominar como "o Sermão da Montanha".  

História – Mateus redige sua obra em um momento em que o judaísmo, após a destruição do Templo de Jerusalém (Guerra Judaica, no ano 70), busca sua identidade estrita e rigorosamente na observância da Lei. Sob esta decisão, os fariseus expulsaram das sinagogas os judeus convertidos ao cristianismo que, embora ameaçados, perseveravam em sua fé cristã.  

Diferenças do Reino – Com a coletânea de sentenças do Sermão da Montanha, Mateus procura identificar, para as comunidades que vieram do judaísmo, as características do Reino dos Céus, diferenciando-as daqueles critérios de identidade que os fariseus exigiam. Daí vem a frequente repetição da expressão: “... foi dito aos antigos... Eu, porém, vos digo...", ao longo do Sermão.  

Sal e Luz – As palavras de Jesus, escritas por Mateus, animam, encorajam e motivam os discípulos que são e serão insultados, perseguidos, maltratados por causa do anúncio e testemunho do Evangelho. Eles devem ter a consciência de que serão o sal da terra, que preserva a humanidade de todo mal, e a luz do mundo, que irradia a mensagem da Salvação para todos os povos, iluminando os caminhos. O v. 16 identifica esta luz com as boas obras. 

Sal – Na Bíblia, esta é a única passagem em que o sal é usado em uma metáfora aplicada a pessoas. O sal tem efeito de purificar, curar, conservar e dar sabor. Assim, os discípulos têm uma grande responsabilidade para com todos os povos: mediante a proclamação do Evangelho e a conduta de vida têm a responsabilidade, o compromisso de preservar o mundo da corrupção e degradação espiritual, levando cada um a viver segundo a dignidade e a responsabilidade própria dos filhos de Deus. Os discípulos são chamados ao compromisso da fidelidade ao projeto de Deus. Se não contribuírem para o “sabor” do Evangelho, com o testemunho de vida, com coerência, serão desprezados pelo povo e recusados como pessoas “sem gosto, sem sabor” (insossos).  

A luz – A luz é o admirável fenômeno físico que nos revela a natureza das coisas materiais. No âmbito das realidades espirituais, a luz identifica-se com a verdade. É pela verdade que alcançamos a realidade dos fatos e da vida, ocultados pela falsidade e pela mentira. Os discípulos devem difundir a luz do Evangelho para levar as pessoas à conversão; sobretudo com o bom exemplo e o testemunho de vida. A conduta edificante dos discípulos, sobretudo com a prática das boas obras, manifesta a ação de Deus no mundo, inaugurando o seu Reino de amor e paz.  

Verdade – A alegria e a verdade são manifestações do amor que une os discípulos em comunidades e que irradiam, transformando o mundo. Na humildade e na confiança em Deus (primeira leitura), os discípulos são chamados a ser a luz que ilumina os caminhos e revela a verdade de Jesus. Todo homem que crê tem uma missão a desempenhar em favor dos outros homens, daqueles que não conhecem a Deus. O cristão, de fato, não pode fugir do mundo, esconder-se ou considerar a religião um assunto particular. Ele vive no mundo e tem uma responsabilidade, uma missão diante de todos os homens: ser a luz que ilumina. Esta missão está confiada a todos nós e, se não a cumprirmos, seremos inúteis como o sal que perdeu o sabor ou como a luz que se tornou sombra. 

Reino – Ser o sal da terra e a luz do mundo é comprometer-se com o Reino dos Céus encarnado na história, no dia a dia. É partilhar com quem tem fome, acolher os pobres, vestir os nus. É praticar a justiça e a paz, que demovem os poderosos injustos e violentos. O cristão deve realizar boas obras com um espírito novo, aquele espírito que faz com que não seja mais ele a viver em si mesmo, mas Cristo nele. "Assim, qual novo amanhecer,... tua luz brilhará nas trevas".

sábado, 29 de janeiro de 2011

Os bem-aventurados

No Evangelho das missas deste domingo (Mt 5, 1-12) Jesus nos apresenta as bem-aventuranças. O Evangelista Mateus junta os ensinamentos de Jesus proferidos em vários momentos de sua pregação colocando-os num único discurso (fictício) que toma três capítulos do Evangelho (Mt 5-7). Vamos analisar o texto. 

Verdadeiro Apóstolo – O Sermão da Montanha nos apresenta um retrato das qualidades do verdadeiro discípulo, daquele que, no seguimento de Jesus, procura viver os valores do Reino de Deus. Basta uma leitura superficial para ver que a proposta de Jesus está na contramão da proposta da sociedade vigente – tanto a do tempo de Jesus, como a de hoje: o texto de Mateus deixa claro que o seguimento de Jesus exige uma mudança radical na nossa maneira de pensar e viver. 

"Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus” – Este versículo, especialmente, chama a atenção porque o verbo está no presente: o Reino já é dos pobres em espírito e dos perseguidos por causa da justiça. O Senhor promete a felicidade na bem-aventurança eterna e, ao mesmo tempo, já nesta vida (“deles é”, não diz “deles será”). As bem-aventuranças são o mais surpreendente código de felicidade e não se trata de uma felicidade qualquer: é uma felicidade incomparável, interior e profunda, embora ainda não possuída de modo perfeito e completo na vida terrena. 

Os Bem-aventurados – Viver as bem-aventuranças significa estar no mundo de uma maneira diferente: descobrir e implantar espaços de partilha onde se vive, onde os que choram possam sorrir no novo convívio fraterno. Mansamente, cativar os corações aproximando-os entre si. Acolher os que têm fome e sede de justiça, questionando a sociedade opressora, exploradora e excludente, empenhando-se na construção de uma nova sociedade, justa e fraterna. Com misericórdia e compaixão, libertar aqueles que têm a consciência carregada de culpa, injustamente moldada sob opressão.  

Cristãos – Os de coração puro são sensíveis a tudo que há de bom e digno nos irmãos, valorizando cada um, sem nenhuma discriminação. Os pacíficos se comprometem na construção de um mundo livre da ambição e da violência daqueles que, seduzidos pela acumulação de riquezas, fazem a guerra e tiram o alimento dos pobres, para transformá-lo em armas de destruição maciça.  

Comunhão – A prática libertadora do amor subverte a ordem dos poderosos e violentos. Quem assume essa prática fica sob a ameaça da perseguição e da difamação. E muitos foram os que tiveram a vida imolada por sua solidariedade com os empobrecidos, humilhados e explorados. Porém, a alegria de unir sua vida com a vida de todos, em comunhão com o Pai, é eterna. 

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Pe. Jesus Bringas

Esta semana, a Igreja Triunfante se alegrou em receber um filho santo, que sempre buscou viver as bem-aventuranças e que se dedicou a anunciá-las. A Igreja Peregrina ficou sem um de seus mais bravos e entusiastas servidores: deixou-nos o Pe. Jesus, após um longo período de enfermidade e sofrimento, porém, sem nunca perder a fortaleza de espírito, a serenidade, testemunhando sua fé e eterno ardor missionário. Impossível não entristecer, mas possível entregar a tristeza a Deus, na firme certeza de que se completou a sua ressurreição. Reproduzimos a seguir as palavras do irmão do Pe. Jesus, Fernando Bringas, dirigidas a todos que o conheceram:  

Estamos todos muito tristes. Jesus se foi, consumou o seu batismo e agora temos mais um santo no céu com a qual nós temos uma "linha direta". Antes, ele nos empurrava com suas palavras e exemplos. A partir de agora vai puxar-nos [para sermos santos]. A fé nos diz que ele já é completamente feliz. Nós queríamos o melhor para ele. Não podemos nos abater. Vocês não podem imaginá-lo, lá em cima, com aquele sorriso de paz que sempre nos deu? Eu posso.

Queridos amigos, deixo-os, em meio a esses sentimentos de dor e esperança. É preciso olhar mais adiante, onde ele já está. Muitíssimo obrigado pelo muito que vocês amaram ao meu querido irmão. Deus vai lhes retribuir muito mais. Um abraço muito forte – Fernando.

sábado, 22 de janeiro de 2011

Curava toda enfermidade e toda doença no povo

No evangelho das missas deste domingo (Mateus 4, 12-23) Jesus vai morar na Galiléia (na cidade Cafarnaum), começando a anunciar a sua mensagem: “Arrependam-se dos seus pecados porque o Reino do Céu está perto”. Em seguida chama Simão Pedro e seu irmão André e, mais adiante, Tiago e João. Jesus pregava pelas sinagogas da Galiléia e curava as enfermidades e as doenças do povo. Para refletir sobre este texto vamos transcrever o comentário do Pe. Raniero Cantalamessa, pregador da Casa Pontifícia em Roma. 

Curas – A passagem do Evangelho do 3º domingo do Tempo Comum termina com as palavras: “Jesus percorria toda a Galiléia, ensinando em suas sinagogas, proclamando a Boa Nova do Reino e curando toda enfermidade e toda doença no povo”. Cerca de um terço do Evangelho se ocupa das curas feitas por Jesus durante o breve tempo de sua vida pública. 

Milagres – Os milagres no Evangelho têm características inconfundíveis. Jamais aparecem para surpreender ou para exaltar quem os realiza. Hoje alguns se deslumbram ao ouvir certos personagens que dizem possuir poderes de levitação, de fazer aparecer ou desaparecer objetos. Para quem serve este tipo de milagre? A ninguém, ou só a si mesmo, para ganhar adeptos e dinheiro. 

Curas – Jesus realiza milagres por compaixão, porque ama os outros: faz milagres também para ajudá-los a crer. Realizar curas para anunciar que Deus é o Deus da vida e que no final, junto à morte, também a doença será vencida e “já não haverá luto nem pranto”. Jesus não é o único que cura, mas ordena a seus apóstolos que façam o mesmo: “Eu os envio a anunciar o Reino de Deus e a curar os enfermos” (Lc 9,2); “Pregai que o reino dos céus está próximo. Curai os doentes” (Mt 10,7).  

Natureza e graça – Encontramos sempre as duas coisas ao mesmo tempo: pregai o Evangelho e curai os enfermos. O homem tem dois meios para tentar superar suas enfermidades: a natureza e a graça. Natureza indica a inteligência, a ciência, a medicina, a tecnologia; graça indica o recurso direto a Deus, através da fé, da oração e dos sacramentos. Estes últimos são os meios que a Igreja tem à disposição para “curar os doentes”. 

Magia – O mal começa quando se busca uma terceira via: a da magia, a que se apoia em pretensos poderes ocultos da pessoa que não se baseiam nem na ciência nem na fé. Neste caso, ou estamos diante de charlatões – ou pior – diante da ação do inimigo de Deus. Não é difícil distinguir quando se trata de um verdadeiro carisma de cura e ou de sua falsificação na magia. 

Poderes – No primeiro caso, a pessoa jamais atribui a poderes próprios os resultados obtidos, mas a Deus; no segundo, as pessoas não fazem mais que exibir seus pretendidos “poderes extraordinários”. Quando por isso se leem anúncios do tipo: mago tal de não sei quem “chega onde outros fracassam”, “resolve problemas de todo tipo”, “poderes extraordinários reconhecidos”, “expulsa demônios, afasta o mal olhado”, não podemos duvidar nem um instante: são grandes enganos. Jesus dizia que os demônios são expulsos “com jejum e oração”, não esvaziando o bolso das pessoas!  

Poder de Deus – Mas devemos fazer-nos outra pergunta: e quem não se cura? O que pensar? Que não tem fé, que Deus não a ama? Se a persistência de uma doença fosse sinal de que uma pessoa carece de fé ou do amor de Deus por ela, teríamos de concluir que os santos eram os mais pobres de fé e os menos amados de Deus, porque há alguns que passaram toda a vida prostrados. Não; a resposta é outra. O poder de Deus não se manifesta só de uma maneira – eliminando o mal, curando fisicamente –, mas também dando a capacidade, e às vezes até a alegria de carregar a própria cruz com Cristo e de completar o que falta aos seus padecimentos. Cristo redimiu também o sofrimento e a morte.

sábado, 15 de janeiro de 2011

Quem é Jesus?

 No Evangelho das missas deste domingo (Jo 1,29-34) João Batista vê Jesus e proclama: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”. E dá o testemunho: “Eu vi o Espírito Santo descer do Céu como uma pomba e repousar sobre Ele. Ora eu vi e dou testemunho de que Ele é o Filho de Deus”.

Questão – O texto que nos é proposto integra a seção introdutória do Quarto Evangelho (Jo 1,19-3,36). Aí o autor, com consumada mestria, procura responder à questão: “quem é Jesus?”

Testemunho – João Baptista, o profeta/precursor do Messias, desempenha aqui um papel especial na apresentação de Jesus (o seu testemunho aparece no início e no fim da do texto – Jo 1,19-37; 3,22-36). Ele vai definir aquele que chega e apresentá-lo aos homens. Ao não assinalar-se o auditório, sugere-se que o testemunho de João é perene, dirigido aos homens de todos os tempos e com eco permanente na comunidade cristã.

Apresentador – João é o apresentador oficial de Jesus. A catequese sobre Jesus que aqui é feita se expressa através de duas afirmações com um profundo impacto teológico: Jesus é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo; e é o Filho de Deus que possui a plenitude do Espírito.

Cordeiro – A primeira afirmação (“o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”) evoca duas imagens tradicionais extremamente sugestivas. Por um lado, evoca a imagem do “servo sofredor”, o cordeiro levado para o matadouro, que assume os pecados do seu Povo e realiza a expiação (Is 52,13-53,12); por outro lado, evoca a imagem do cordeiro pascal, símbolo da ação libertadora de Deus em favor de Israel (Ex 12,1-28). Qualquer uma destas imagens sugere que a pessoa de Jesus está ligada à libertação dos homens.

Pecado – A ideia é explicitada pela definição da missão de Jesus: Ele veio para tirar (“eliminar”) “o pecado do mundo”. A palavra “pecado” aparece, aqui, no singular: não designa os “pecados” dos homens, mas um “pecado” único que oprime a humanidade inteira; esse “pecado” parece ter a ver, no contexto desta catequese, com a recusa da proposta de vida com que Deus, desde sempre, quis presentear a humanidade (é dessa recusa que resulta o pecado histórico, que oprime os homens). O “mundo” designa, neste contexto, a humanidade que resiste à salvação. Deus propôs-se tirar a humanidade da situação de escravidão em que se encontra; enviou ao mundo Jesus, com a missão de realizar um novo êxodo, que leve os homens da terra da escravidão para a terra da liberdade.

Filho de Deus – A segunda afirmação (o “Filho de Deus” que possui a plenitude do Espírito Santo e que batiza no Espírito – Jo 1,32-34) completa a anterior. Há aqui vários elementos bem sugestivos: o “cordeiro” é o Filho de Deus; Ele recebeu a plenitude do Espírito; e tem por missão batizar os homens no Espírito.

Fez-se carne – Dizer que Jesus é o Filho de Deus é dizer que Ele é o Deus que se faz pessoa, que vem ao encontro dos homens, que monta a sua tenda no meio dos homens, a fim de lhes oferecer a plenitude da vida divina. A sua missão consiste em eliminar “o pecado” que torna o homem escravo e que o impede de abrir o coração a Deus.

Messias – Dizer que o Espírito desce sobre Jesus e permanece sobre Ele sugere que Jesus possui definitivamente a plenitude da vida de Deus, toda a sua riqueza, todo o seu amor. Por outro lado, a descida do Espírito sobre Jesus é a sua investidura messiânica, a sua unção (“messias” = “ungido”).

Batismo – Jesus é, finalmente, aquele que batiza no Espírito Santo. O verbo “batizar” aqui utilizado tem, em grego, duas traduções: “submergir” e “embeber (como a chuva ensopa a terra)”; refere-se, em qualquer caso, a um contato total entre a água e o sujeito. “Batizar no Espírito” significa, portanto, um contacto total entre o Espírito e o homem, uma chuva de Espírito que cai sobre o homem e lhe ensopa o coração. A missão de Jesus consiste, portanto, em derramar o Espírito sobre o homem; e o homem que adere a Jesus, “embebido” do Espírito e transformado por essa fonte de vida que é o Espírito, abandona a experiência da escuridão (“o pecado”) e alcança o seu pleno desenvolvimento, a plenitude da vida.

Convite – A declaração de João convida os homens de todas as épocas a voltarem-se para Jesus e acolherem a proposta libertadora que, em nome de Deus, Ele faz: só a partir do encontro com Jesus será possível chegar à vida plena, à meta final do Homem Novo.