Neste dia de Natal, é lido o Evangelho de Lucas (Lc 2,1-14),
que descreve o nascimento de Jesus. Começa com o recenseamento, convocado por
César Augusto, a viagem de José e Maria (grávida) para Belém, apresenta o
nascimento de Jesus, numa manjedoura, e termina com os anjos proclamando: “Glória
a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados”.
História – Lucas é o evangelista mais
preocupado com as referências históricas. O seu Evangelho está cheio de
indicações, que procuram situar com precisão os acontecimentos. No que diz
respeito ao nascimento de Jesus, Lucas apresenta também, algumas indicações,
que pretendem situar o acontecimento numa época e num espaço concreto. Desta
forma, Lucas dá a entender que não estamos diante de um fato lendário, mas de
algo perfeitamente integrado na vida e na história dos homens.
Problemas – Há, no entanto, um problema…
Lucas é um cristão de origem grega, que não conhece a Palestina e que tem
noções muito básicas da história do Povo de Deus. Por isso, as suas indicações
históricas e geográficas são, com alguma frequência, imprecisas e inexatas. De
qualquer forma, convém ter em conta que Lucas não está escrevendo história, mas
fazendo teologia e apresentando uma catequese sobre Jesus, o Filho de Deus, que
veio ao encontro dos homens para lhes apresentar uma proposta de salvação.
Belém – A primeira indicação importante
vem da referência a Belém, como o lugar do nascimento de Jesus. É uma indicação
mais teológica do que geográfica: o objetivo do autor é sugerir que este Jesus
é o Messias, da descendência de David (a família de David era natural de Belém),
anunciado pelos profetas (Miq 5,1). Fica claro, que o nascimento de Jesus se
integra no plano de salvação que Deus tem para os homens – plano que os
profetas anunciaram e cuja realização o Povo de Deus aguardava ansiosamente.
Pobreza – Uma segunda indicação importante
resulta do “quadro” do nascimento. Lucas descreve, com detalhes, a pobreza e a
simplicidade que rodeiam a vinda ao mundo do libertador dos homens: a falta de
lugar na hospedaria, a manjedoura dos animais como berço, os panos improvisados
que envolvem o bebê, a visita dos pastores… É na pobreza, na simplicidade, na
fragilidade, que Deus se manifesta aos homens e lhes oferece a salvação. Os
esquemas de Deus não se impõem pela força das armas, pelo poder do dinheiro ou
pela eficácia de uma boa campanha publicitária; Deus escolhe vir ao encontro
dos homens na simplicidade, na fraqueza, na ternura de um menino nascido no
meio de animais, na absoluta pobreza. É assim que Deus entra na nossa história…
É assim a lógica de Deus.
Pastores – Uma terceira indicação é dada pela
referência às “testemunhas” do nascimento: os pastores. Trata-se de pessoas
consideradas rudes, violentas, marginais, que invadiam com os rebanhos as
propriedades alheias e que tinham fama de se apropriar da lã, do leite e das
crias do rebanho em benefício próprio. Os fariseus os consideravam – tal como
os publicanos e cobradores de impostos – pecadores públicos, incapazes de
reparar o mal que tinham feito, tantas eram as pessoas a quem tinham
prejudicado.
Testemunhas – Ora, Lucas coloca esses marginais
como as “testemunhas” que acolhem Jesus. O evangelista sugere, desta forma, que
é para estes pecadores e marginalizados que Jesus vem; por isso, a chegada de tal
“salvador” é uma “boa notícia”: a partir de agora, os pobres, os fracos, os
marginalizados, os pecadores, são convidados a integrar a comunidade dos filhos
amados de Deus. Eles vêm ao encontro dessa salvação que Deus lhes oferece em
Jesus e são convidados a integrar a comunidade da nova aliança, a comunidade do
“Reino”.
Salvador – Uma quarta indicação aparece nos
títulos dados a Jesus pelos anjos que anunciam o nascimento: Ele é “o salvador,
Cristo Senhor”. O título “salvador” era usado, na época de Lucas, para designar
o imperador ou os deuses pagãos; Lucas, ao chamar Jesus desta forma, apresenta-O
como a única alternativa possível a todos os absolutos que o homem cria… O
título “Cristo” equivale a “Messias”: aplicava-se, no judaísmo da palestina do
séc. I, a um rei da descendência de David, que viria restaurar o reino ideal de
justiça e de paz da época do rei Davi; desta forma, Lucas sugere que o “menino de
Belém” é esse rei esperado. O título “Senhor” expressa o caráter transcendente
da pessoa de Jesus e o seu domínio sobre a humanidade. Com estes três títulos,
a catequese de Lucas apresenta Jesus aos homens e define o seu papel e a sua
missão.