sábado, 11 de agosto de 2012

A Batalha de Guibeon

Galileo Galilei - Na semana passada descrevemos a condenação do astrônomo Galileo Galilei pelo tribunal do Santo Ofício da Igreja Católica. No ano de 1633, Galileo foi obrigado a negar as suas descobertas científicas, pois estas eram contrárias aos ensinamentos da Igreja; com a sua retratação sua pena seria abrandada para a prisão domiciliar.


Pecado? – Galileo era acusado de ter escrito dois livros considerados perigosos. Um, chamado “O mensageiro das estrelas” (em 1611) e outro, “Diálogo sobre os maiores sistemas do mundo” (em 1632), nos quais explicava que a Terra não era o centro do universo e que o Sol não girava em torno da Terra (como se acreditava até então), mas sim era a Terra que girava em torno do Sol e que este estava parado no centro do universo.


Argumentos – Os cardeais do Santo Ofício diziam que os ensinamentos de Galileo contradiziam a Bíblia, mais diretamente o Livro de Josué 10, 1-15, onde está descrita a famosa batalha de Guibeon. Nesta batalha, o Sol parou por um dia inteiro, até que o exército de Israel pudesse vencer a guerra. “Se o Sol parou em Guibeon é porque se move”. Mas o que realmente aconteceu com o Sol naquela batalha?


A Batalha – A descrição do livro de Josué (Js 10, 11) conta que Josué e seu exército, depois de marchar a noite toda, de madrugada, no mesmo momento em que acontecia uma forte tormenta de granizo, caiu de surpresa sobre os inimigos. Os exércitos dos cinco reis bateram em retirada para oeste, até o vale de Ayyalón. Ali foram alcançados pelo exército israelita.


O sol – Durante a batalha, a tormenta havia diminuído, o céu estava clareando e o Sol já ameaçava aparecer entre as nuvens. Então Josué rezou para que o Sol não aparecesse em Guibeon, para que o dia continuasse nublado, a fim de evitar o forte calor do dia e que seus homens pudessem combater melhor com o dia mais fresco.


Poema – Como recordação desta heróica batalha, se elaborou um poema com as palavras de Josué: “Sol, detém-se sobre Guibeon”. Este poema foi transcrito, mais tarde, em uma coleção de poemas intitulada “O Livro do Justo”.  Portanto, o Livro do Justo não continha os detalhes da batalha, mas apenas o poema. Com o passar do tempo, perdeu-se o contexto em que havia surgido o poema.


Bíblia – O livro de Josué (Antigo Testamento) foi escrito no século VI antes de Cristo, seiscentos anos depois de ter acontecido a batalha. O autor do livro, ao descrever a Batalha de Guibeon, usou o poema escrito no Livro do Justo. Ao interpretar a frase de Josué “Sol, detém-se sobre Guibeon” pensou-se que Josué pedia para o Sol parar no céu e continuar brilhando, quando, na verdade, Josué pedia para o Sol não brilhar.


Engano – Por pensar desta forma, o autor do livro de Josué completou: “E o sol se deteve e a lua ficou parada, até que o povo se vingou dos inimigos. No Livro do Justo está escrito assim: ‘O sol ficou parado no meio do céu e um dia inteiro ficou sem ocaso. Nem antes, nem depois houve um dia como esse, quando Javé obedeceu à voz de um homem. É porque Javé lutava a favor de Israel’” (Js 10, 13 -14).


Galileo tinha razão – O Sol nunca se deteve, nem a Bíblia quer dizer isto. Porém, naquele tempo, o Santo Ofício interpretava a Bíblia ao pé da letra. Por isso condenaram Galileo. Nos três séculos que se seguiram aconteceram inúmeras discussões entre cientistas e representantes da Igreja. Hoje, a Igreja reconhece que não se deve interpretar a Bíblia ao pé da letra, mas buscar a intenção de seus autores para poder descobrir sua mensagem.


Galileo tinha razão – Por isso o Papa João Paulo II, em um valente discurso pronunciado em 31/10/92 ante a Pontifícia Academia de Ciências, reconheceu que a Igreja havia se equivocado ao condenar Galileo, pedindo perdão e reivindicando publicamente a figura do cientista fiorentino. Com este gesto, o Papa pôde fechar finalmente uma ferida que estava aberta durante 350 anos.


O sol – O sol de Guibeon continua brilhando para todos, como que querendo nos recordar os sofrimentos que uma leitura literal da Bíblia pode nos causar. Por isso, para aqueles que hoje continuam buscando na Bíblia fórmulas científicas secretas, ou revelações misteriosas ou profecias cifradas, convém lembrar a frase de Galileo frente aos membros do Santo Ofício: “Não busquem astronomia na Bíblia. Porque ela não pretende dizer-nos como marcham os céus, mas como marchamos nós até o Céu”.

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