Quando
nós lemos o início da Bíblia (capítulos 1 e 2 do Gênesis), ficamos admirados
com as duas histórias criação do mundo. E ainda mais perplexos, com a maneira
contraditória com que estas histórias são contadas.
Primeira história – Quando éramos crianças, na catequese, ouvimos que, no
começo dos tempos, tudo era caos e vazio, até que Deus resolveu pôr ordem nessa
confusão. Iniciou criando a luz (Gn 1,3) e fazendo surgir as manhãs e as
noites. Depois decidiu separar a terra e as águas, criando o firmamento. Quando
viu que o solo era só uma mistura lamacenta, secou uma parte e deixou a outra
molhada, e com isso apareceram os mares e a terra firme. Criou as estrelas, Sol,
Lua, plantas, aves, peixes e répteis. E, por último, como coroação de tudo,
formou o homem, o melhor de sua criação, a quem modelou conforme sua imagem e
semelhança. Decidiu, então, descansar.
Segunda história – Quando vamos ao capítulo 2, vem o espanto. Parece que
não aconteceu nada antes. Estamos outra vez diante do vazio total, onde não há
plantas, nem água, nem homens (Gn 2,5). Apresenta-se um Deus muito diferente do
relato anterior. Em vez de ser solene e majestoso, adquire agora traços muito
mais humanos. Torna a criar o homem, modelando-o com o pó da terra, sopra em
suas narinas e assim lhe dá a vida (Gn 2,7). Detalha-se logo, pela segunda vez,
a formação de plantas, árvores e animais. E para criar a mulher emprega agora um
método diferente. Faz o homem dormir, extrai-lhe uma costela, preenche com
carne o vazio que ficou e modela Eva. Depois a apresenta ao homem e a dá como
sua companheira ideal para sempre.
Contradições – Por acaso, no início dos tempos, houve duas criações? Inúmeras
são as contradições entre os dois capítulos. Desde o começo chama a atenção a
forma diferente de referir-se a Deus. Enquanto Gn 1 o designa com o nome hebraico
de Elohim (Deus), Gn 2 o chama de Javé Deus. O Deus de Gn 2 é descrito com
aparências mais humanas. Ele não cria, mas “faz” as coisas. Suas obras não vêm
do nada, mas as fabrica sobre uma terra oca e árida. O Deus de Gn 1, ao
contrário, não entra em contato com a criação, mas a faz surgir à distância,
como se criasse tudo do nada. Assim, enquanto Deus em Gn 1 aparece em toda a
sua grandiosidade (ao som de sua voz vão brotando as criaturas do Universo), em
Gn 2, Deus é muito mais simples. Como se fosse um oleiro, modela e forma o
homem (v. 7). Como um agricultor, semeia e planta as árvores do paraíso (v. 8).
Como um cirurgião, opera o homem, extraindo-lhe a mulher (v. 21). Como um
alfaiate, confecciona os primeiros vestidos para o casal, porque estavam nus (3,21).
Mais divergências – Enquanto em Gn 1 Deus leva seis dias para criar o mundo
e no sétimo descansa, em Gn 2 todo o trabalho da criação leva apenas um dia. Em
Gn 2 Javé cria somente o homem e, dando-se conta de que está só e de que
precisa de uma companheira adequada, oferece-lhe a mulher. Em Gn 1, pelo
contrário, Deus faz existir desde o princípio, simultaneamente, o homem e a mulher,
como casal. Enquanto em Gn 1 os seres vão surgindo em ordem progressiva, do
menor ao maior, ou seja, primeiro as plantas, depois os animais e enfim os
seres humanos, em Gn 2 cria-se primeiro o homem (v. 7), mais tarde as plantas
(v. 9), os animais (v. 19), e finalmente a mulher (v. 22). Em Gn 1 a criação
parte de um ambiente aquático, sendo a terra criada a partir deste ambiente; em
Gn 2 tudo era um imenso deserto de terra seca e estéril (v. 5), pois não havia
chuva alguma.
Os autores – Os estudiosos chegaram à conclusão que as duas
descrições da criação deveriam ter sido escritas por diferentes autores e em
épocas distintas. Denominaram o primeiro como “sacerdotal”, porque atribuíram a
um grupo de sacerdotes do século VI a.C. O segundo autor, situado no século X
a.C., recebeu o nome de “javista”, porque prefere chamar a Deus com o nome de Javé.
Ciência – Esta história, que nos entusiasmava
quando éramos crianças, nos coloca em sérias dificuldades agora que somos
adultos. A Ciência moderna (Teoria da evolução das espécies e Teoria do
Big-bang) demonstrou que todo o universo vem se transformando. O homem não foi
formado nem do barro nem de uma costela (no princípio não houve apenas um casal).
O homem foi evoluindo a partir de seres inferiores (há 3 milhões de anos), até
chegar ao homem atual.
Duas criações? – O mundo não foi criado duas vezes. Existe apenas um
mundo, que vem evoluindo há 13,5 bilhões de anos. Os textos do livro do Gênesis
são parábolas, relatos imaginários que pretendem
deixar um ensinamento às pessoas. Mas, como se escreveram dois relatos tão
diferentes? Por que acabaram sendo ambos incluídos num mesmo livro da Bíblia? Na próxima semana vamos ver a origem destas histórias.
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