sábado, 5 de outubro de 2013

O mundo foi criado duas vezes?


Quando nós lemos o início da Bíblia (capítulos 1 e 2 do Gênesis), ficamos admirados com as duas histórias criação do mundo. E ainda mais perplexos, com a maneira contraditória com que estas histórias são contadas. 

Primeira história – Quando éramos crianças, na catequese, ouvimos que, no começo dos tempos, tudo era caos e vazio, até que Deus resolveu pôr ordem nessa confusão. Iniciou criando a luz (Gn 1,3) e fazendo surgir as manhãs e as noites. Depois decidiu separar a terra e as águas, criando o firmamento. Quando viu que o solo era só uma mistura lamacenta, secou uma parte e deixou a outra molhada, e com isso apareceram os mares e a terra firme. Criou as estrelas, Sol, Lua, plantas, aves, peixes e répteis. E, por último, como coroação de tudo, formou o homem, o melhor de sua criação, a quem modelou conforme sua imagem e semelhança. Decidiu, então, descansar.  

Segunda história – Quando vamos ao capítulo 2, vem o espanto. Parece que não aconteceu nada antes. Estamos outra vez diante do vazio total, onde não há plantas, nem água, nem homens (Gn 2,5). Apresenta-se um Deus muito diferente do relato anterior. Em vez de ser solene e majestoso, adquire agora traços muito mais humanos. Torna a criar o homem, modelando-o com o pó da terra, sopra em suas narinas e assim lhe dá a vida (Gn 2,7). Detalha-se logo, pela segunda vez, a formação de plantas, árvores e animais. E para criar a mulher emprega agora um método diferente. Faz o homem dormir, extrai-lhe uma costela, preenche com carne o vazio que ficou e modela Eva. Depois a apresenta ao homem e a dá como sua companheira ideal para sempre. 

Contradições – Por acaso, no início dos tempos, houve duas criações? Inúmeras são as contradições entre os dois capítulos. Desde o começo chama a atenção a forma diferente de referir-se a Deus. Enquanto Gn 1 o designa com o nome hebraico de Elohim (Deus), Gn 2 o chama de Javé Deus. O Deus de Gn 2 é descrito com aparências mais humanas. Ele não cria, mas “faz” as coisas. Suas obras não vêm do nada, mas as fabrica sobre uma terra oca e árida. O Deus de Gn 1, ao contrário, não entra em contato com a criação, mas a faz surgir à distância, como se criasse tudo do nada. Assim, enquanto Deus em Gn 1 aparece em toda a sua grandiosidade (ao som de sua voz vão brotando as criaturas do Universo), em Gn 2, Deus é muito mais simples. Como se fosse um oleiro, modela e forma o homem (v. 7). Como um agricultor, semeia e planta as árvores do paraíso (v. 8). Como um cirurgião, opera o homem, extraindo-lhe a mulher (v. 21). Como um alfaiate, confecciona os primeiros vestidos para o casal, porque estavam nus (3,21). 

Mais divergências – Enquanto em Gn 1 Deus leva seis dias para criar o mundo e no sétimo descansa, em Gn 2 todo o trabalho da criação leva apenas um dia. Em Gn 2 Javé cria somente o homem e, dando-se conta de que está só e de que precisa de uma companheira adequada, oferece-lhe a mulher. Em Gn 1, pelo contrário, Deus faz existir desde o princípio, simultaneamente, o homem e a mulher, como casal. Enquanto em Gn 1 os seres vão surgindo em ordem progressiva, do menor ao maior, ou seja, primeiro as plantas, depois os animais e enfim os seres humanos, em Gn 2 cria-se primeiro o homem (v. 7), mais tarde as plantas (v. 9), os animais (v. 19), e finalmente a mulher (v. 22). Em Gn 1 a criação parte de um ambiente aquático, sendo a terra criada a partir deste ambiente; em Gn 2 tudo era um imenso deserto de terra seca e estéril (v. 5), pois não havia chuva alguma. 

Os autores – Os estudiosos chegaram à conclusão que as duas descrições da criação deveriam ter sido escritas por diferentes autores e em épocas distintas. Denominaram o primeiro como “sacerdotal”, porque atribuíram a um grupo de sacerdotes do século VI a.C. O segundo autor, situado no século X a.C., recebeu o nome de “javista”, porque prefere chamar a Deus com o nome de Javé. 

Ciência – Esta história, que nos entusiasmava quando éramos crianças, nos coloca em sérias dificuldades agora que somos adultos. A Ciência moderna (Teoria da evolução das espécies e Teoria do Big-bang) demonstrou que todo o universo vem se transformando. O homem não foi formado nem do barro nem de uma costela (no princípio não houve apenas um casal). O homem foi evoluindo a partir de seres inferiores (há 3 milhões de anos), até chegar ao homem atual.  

Duas criações? – O mundo não foi criado duas vezes. Existe apenas um mundo, que vem evoluindo há 13,5 bilhões de anos. Os textos do livro do Gênesis são parábolas, relatos imaginários que pretendem deixar um ensinamento às pessoas. Mas, como se escreveram dois relatos tão diferentes? Por que acabaram sendo ambos incluídos num mesmo livro da Bíblia? Na próxima semana vamos ver a origem destas histórias.

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