sexta-feira, 15 de agosto de 2014

A fé da Cananeia


O Evangelho deste domingo (Mt 15,21-28) apresenta o encontro de Jesus com uma mulher cananeia, que pede a cura de sua filha. Após debater com seus discípulos, Jesus reconhece a fé da mulher e cura a filha dela.

O texto – Jesus viajava pela região das cidades de Tiro e Sidon, quando uma mulher cananeia se aproximou e começou a gritar: “Senhor, Filho de David, tem compaixão de mim. Minha filha está cruelmente atormentada por um demônio”. Os discípulos pediram para ele atender a mulher e Jesus respondeu: “Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel”, deixando claro que ela era uma pagã. A mulher insistiu e Jesus respondeu: “Não é justo que se tome o pão dos filhos para o lançar aos cachorrinhos”. Mas ela replicou: “É verdade, Senhor; mas também os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa de seus donos”. Então Jesus respondeu-lhe: “Mulher, é grande a tua fé. Faça-se como desejas”, curando a sua filha.

Fenícia – O local do relato é a região de Tiro e Sidon, na Fenícia (atualmente o Líbano), ao norte da Galileia, que em 64 a.C. havia sido conquistada pelo imperador romano Pompeu e anexada à Síria. A Fenícia não era, aos olhos dos judeus, uma região “recomendável”. De lá tinham vindo exércitos inimigos e influências religiosas desastrosas, que afastavam os israelitas da fé em Javé. Os fariseus e doutores da Lei (defensores da pureza da fé) consideravam os habitantes dessa zona como “cães” (designação altamente pejorativa para os judeus).

O encontro – Jesus é confrontado por uma mulher desesperada por causa da doença da sua filha ("atormentada por um demônio”, na visão da época). Uma mulher fenícia (estrangeira, pagã inimiga, oriunda de uma região com má fama e, ainda por cima, “mulher”) apela a Jesus para ter a mesma salvação que ele propõe aos judeus... Merecerá essa graça? Jesus passará por cima dos preconceitos religiosos dos judeus e oferecerá a salvação a esta pagã?

A mulher – Consideremos, em primeiro lugar, a figura dessa mulher… As suas três intervenções mostram a sua ânsia de salvação: as designações “filho de David” (que equivale a “Messias”) e “Senhor” (“Kyrios”) com que ela se dirige a Jesus, se forem lidas em contexto cristão, equivalem a uma confissão de fé. É uma figura que impressiona pela fé, pela humildade e também pelo sofrimento que transparece em seu apelo.

Jesus – É surpreendente a forma dura como Jesus a trata. Ele começa em silêncio, aparentemente insensível aos apelos da mulher. Depois, perante a insistência dos discípulos, responde: “não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel”. Finalmente, diante do dramático último apelo da mulher (“socorre-me, Senhor”), responde: “não é justo que se tome o pão dos filhos para o lançar aos cães”. Como entender esta atitude rude e insensível do mestre galileu, sempre preocupado em traduzir em gestos concretos o amor e a misericórdia de Deus pelos homens? Será que a reação de Jesus é fruto da convicção de que a salvação devia derramar-se, em primeiro lugar, aos judeus, antes de alcançar os gentios?

Didática – Obviamente, Jesus conduziu o diálogo para demonstrar como eram ridículas as atitudes de discriminação dos pagãos, propostas pela catequese judaica oficial. Endurecendo progressivamente a sua atitude, frente ao apelo que lhe foi feito pela “cananeia”, Jesus dá à mulher a possibilidade de demonstrar a firmeza e a convicção da sua fé e prova aos judeus que os pagãos são bem dignos de se sentar à mesa do Reino. Esta mulher, na sua humildade, nem sequer reivindica equiparar-se a esse Povo eleito, convidado por Deus para o banquete do Reino… Ela está disposta a ficar apenas com “as migalhas” que caem da mesa; mas pede, insistentemente, que lhe permitam ter acesso a essa salvação que Jesus traz. Ao contrário, os fariseus e doutores da Lei, fechados na sua autossuficiência e nos seus preconceitos, rejeitam continuamente essa salvação que Jesus não cessa de lhes oferecer.


Catequese – Nesta catequese, Mateus tenta responder à questão de aceitar a entrada dos pagãos na Igreja de Jesus. A aceitação desse princípio foi muito difícil para os judeus convertidos ao cristianismo (confira a controvérsia que levou ao Concílio de Jerusalém, em At 15, e a polêmica entre Paulo e Pedro na Igreja de Antioquia, em Gal 2,11-14). Os judeus de formação farisaica entendiam que, para não se contaminar, não podiam comer com os pagãos. Jesus veio abolir tal distinção, tornando acessível a qualquer um o dom de Deus, pela fé em sua pessoa. Mateus recorda-lhes, então, que para Jesus o que é decisivo não é a raça, a história, a eleição, mas a adesão firme e convicta à proposta de salvação que, em Jesus, Deus faz aos homens.

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