O Evangelho deste domingo (Mt
15,21-28) apresenta
o encontro de Jesus com uma mulher cananeia, que pede a cura de sua filha. Após
debater com seus discípulos, Jesus reconhece a fé da mulher e cura a filha
dela.
O
texto –
Jesus viajava pela região das cidades de Tiro e Sidon, quando uma mulher
cananeia se aproximou e começou a gritar: “Senhor, Filho de David, tem
compaixão de mim. Minha filha está cruelmente atormentada por um demônio”. Os
discípulos pediram para ele atender a mulher e Jesus respondeu: “Não fui
enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel”, deixando claro que ela
era uma pagã. A mulher insistiu e Jesus respondeu: “Não é justo que se tome o
pão dos filhos para o lançar aos cachorrinhos”. Mas ela replicou: “É verdade,
Senhor; mas também os cachorrinhos comem das migalhas que caem da mesa de seus
donos”. Então Jesus respondeu-lhe: “Mulher, é grande a tua fé. Faça-se como
desejas”, curando a sua filha.
Fenícia
– O
local do relato é a região de Tiro e Sidon, na Fenícia (atualmente o Líbano),
ao norte da Galileia, que em 64 a.C. havia sido conquistada pelo imperador
romano Pompeu e anexada à Síria. A Fenícia não era, aos
olhos dos judeus, uma região “recomendável”. De lá tinham vindo exércitos
inimigos e influências religiosas desastrosas, que afastavam os israelitas da
fé em Javé. Os fariseus e doutores da Lei (defensores da pureza da fé)
consideravam os habitantes dessa zona como “cães” (designação altamente
pejorativa para os judeus).
O
encontro – Jesus
é confrontado por uma mulher desesperada por causa da doença da sua filha
("atormentada por um demônio”, na visão da época). Uma
mulher fenícia (estrangeira, pagã inimiga, oriunda de uma região com má fama e,
ainda por cima, “mulher”) apela a Jesus para ter a mesma salvação que ele
propõe aos judeus... Merecerá essa graça? Jesus passará por cima dos
preconceitos religiosos dos judeus e oferecerá a salvação a esta pagã?
A mulher – Consideremos, em primeiro
lugar, a figura dessa mulher… As suas três intervenções mostram a sua ânsia de
salvação: as designações “filho de David” (que equivale a “Messias”) e “Senhor”
(“Kyrios”) com que ela se dirige a Jesus, se forem lidas em contexto cristão,
equivalem a uma confissão de fé. É uma figura que impressiona pela fé, pela
humildade e também pelo sofrimento que transparece em seu apelo.
Jesus – É surpreendente a forma dura como
Jesus a trata. Ele começa em silêncio, aparentemente insensível aos apelos da
mulher. Depois, perante a insistência dos discípulos, responde: “não fui
enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel”. Finalmente, diante do
dramático último apelo da mulher (“socorre-me, Senhor”), responde: “não é justo
que se tome o pão dos filhos para o lançar aos cães”. Como entender esta
atitude rude e insensível do mestre galileu, sempre preocupado em traduzir em
gestos concretos o amor e a misericórdia de Deus pelos homens? Será que a reação
de Jesus é fruto da convicção de que a salvação devia derramar-se, em primeiro
lugar, aos judeus, antes de alcançar os gentios?
Didática – Obviamente, Jesus conduziu
o diálogo para demonstrar como eram ridículas as atitudes de discriminação dos
pagãos, propostas pela catequese judaica oficial. Endurecendo progressivamente
a sua atitude, frente ao apelo que lhe foi feito pela “cananeia”, Jesus dá à
mulher a possibilidade de demonstrar a firmeza e a convicção da sua fé e prova
aos judeus que os pagãos são bem dignos de se sentar à mesa do Reino. Esta
mulher, na sua humildade, nem sequer reivindica equiparar-se a esse Povo
eleito, convidado por Deus para o banquete do Reino… Ela está disposta a ficar
apenas com “as migalhas” que caem da mesa; mas pede, insistentemente, que lhe
permitam ter acesso a essa salvação que Jesus traz. Ao contrário, os fariseus e
doutores da Lei, fechados na sua autossuficiência e nos seus preconceitos,
rejeitam continuamente essa salvação que Jesus não cessa de lhes oferecer.
Catequese – Nesta catequese, Mateus
tenta responder à questão de aceitar a entrada dos pagãos na Igreja de Jesus. A
aceitação desse
princípio foi muito difícil para os judeus convertidos ao cristianismo (confira
a controvérsia que levou ao Concílio de Jerusalém, em At 15, e a polêmica entre
Paulo e Pedro na Igreja de Antioquia, em Gal 2,11-14). Os
judeus de formação
farisaica entendiam que, para não se contaminar, não podiam comer com os pagãos.
Jesus veio abolir tal distinção, tornando acessível a qualquer um o dom de
Deus, pela fé em sua pessoa. Mateus recorda-lhes, então, que para
Jesus o que é decisivo não é a raça, a história, a eleição, mas a adesão firme
e convicta à proposta de salvação que, em Jesus, Deus faz aos homens.
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