sábado, 9 de agosto de 2014

Passemos à outra margem


O Evangelho deste domingo (Mt 14,22-33) apresenta Jesus andando sobre as águas, os discípulos com medo e Jesus estendendo-lhes a mão e dando-lhes força para vencer a adversidade.

Fantasma – O texto vem na sequência do episódio da multiplicação dos pães. Mateus descreve que “Jesus obrigou os discípulos a entrar na barca, e ir na frente, para o outro lado do mar, enquanto ele despedia as multidões”. Logo depois, subiu sozinho ao monte, para rezar. O barco dos apóstolos ia no meio do mar, açoitado por altas ondas. Na madrugada, Jesus foi até eles, andando sobre o mar. Os discípulos assustaram-se, pensando que fosse um fantasma e gritaram cheios de medo. Jesus lhes disse: “Coragem! Sou eu. Não tenham medo”. Pedro disse: “Senhor, se és tu, manda-me ir ao teu encontro, caminhando sobre a água”. Jesus respondeu: “Venha”. Pedro desceu do barco, caminhou sobre as águas e começou a afundar, gritando: “Salva-me, Senhor!”. Jesus estendeu-lhe logo a mão e segurou-o. E todos do barco reconheceram Jesus como o Filho de Deus.

O mar – O episódio situa-nos na área do lago de Tiberíades ou de Genesaré, um lago de água doce com 21 quilômetros de comprimento e 12 de largura, situado na Galileia, um grande reservatório de água doce da Palestina. Para os judeus, esse lago era considerado, para todos os efeitos, um “mar” – lugar onde habitavam os monstros, os demônios e todas as forças que se opunham à vida e à felicidade do homem. Na perspectiva da teologia judaica, no mar, o homem estava à mercê das forças demoníacas e só o poder de Deus podia salvá-lo…

Reflexão – Para refletir sobre esta passagem, usaremos um texto de Orígenes, também conhecido por Orígenes de Alexandria. Orígenes foi um presbítero e teólogo cristão que viveu entre 185 e 253 d.C., sendo considerado o maior erudito da Igreja antiga. Exerceu grande influência na Igreja, tendo escrito mais de 600 obras. Tem textos importantes sobre a Santíssima Trindade, a virgindade de Maria e o Batismo dos cristãos. Orígenes professou o primado de Pedro e é o autor da afirmação da crucificação de Pedro de cabeça para baixo. A reflexão a seguir foi escrita há mais de 1.800 anos:

“Passemos à outra margem” – Orígenes de Alexandria

“Jesus mandou os discípulos subir para a barca a fim de precedê-Lo na outra margem, enquanto despedia as multidões. As multidões não podiam passar para a outra margem, visto que não eram Hebreus no sentido espiritual do termo, o qual se traduz: “os da outra margem”. Esta é a obra dos discípulos de Jesus: partir para a outra margem, ultrapassar o visível e o corporal – estas realidades temporárias – e ser os primeiros a chegar ao invisível e eterno…
Os discípulos, contudo, não puderam chegar antes de Jesus na outra margem… Talvez Ele tivesse querido ensiná-los, por experiência, que, sem Ele, não é possível lá chegar… Que barca é esta para a qual Jesus os manda subir? Não será a luta contra as tentações e as circunstâncias difíceis? … Ele, o Salvador, manda, portanto, os discípulos subir para a barca das provações a fim de chegarem à outra margem, ultrapassando as circunstâncias difíceis através da sua vitória sobre elas…
Depois, sobe à montanha, a um lugar apartado, para orar. Por quem reza? Provavelmente, em primeiro lugar, pelas multidões, para que, despedidas depois de terem comido os pães abençoados, não façam nada contrário à despedida de Jesus. Também pelos discípulos…, para que, no meio do mar, não sofram com as altas ondas nem com o vento contrário. Sou levado a dizer que é, graças à oração que Jesus dirige ao Pai, que os discípulos não sofreram danos no mar.

E nós, se algum dia cairmos sob a força das tentações, lembremo-nos de que não é possível chegarmos à outra margem sem sofrermos a prova das ondas furiosas e do vento contrário. Além disso, quando nos virmos rodeados de muitos e custosos afazeres, já um tanto cansados pela travessia que se alonga, pensemos que a nossa barca se encontra em pleno mar e que as ondas procuram fazer-nos “naufragar na nossa fé” (1 Tm 1, 19) … Acreditemos, então, que o fim da noite está iminente: “A noite vai avançada e o dia aproxima-se” (Rm 13, 12). O Filho de Deus virá até nós para nos acalmar o mar, caminhando sobre as águas.

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