A história contada no Evangelho das missas deste domingo (Jo 6, 24-35) acontece
logo após a multiplicação dos pães. Durante a noite, junto com os apóstolos,
Jesus foi com os discípulos para a cidade de Cafarnaum (centro de toda ação
evangelizadora de Jesus) e, ao amanhecer, vendo que Jesus tinha se retirado, a multidão
foi a Sua procura. Jesus advertiu-os: “estais me procurando não porque vistes
sinais, mas porque comestes pão e ficastes satisfeitos. Esforçai-vos não pelo
alimento que se perde, mas pelo alimento que permanece até a vida eterna, e que
o Filho do Homem vos dará". Então pediram: "Senhor, dá-nos sempre
desse pão". Jesus lhes disse: "Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim
não terá mais fome e quem crê em mim nunca mais terá sede".
Sinais – O sexto capítulo de João é talvez o capítulo mais denso em conteúdo, de todo o Novo Testamento, pois contêm elementos do ensinamento eucarístico de João (no relato da Ceia ele nem menciona a sua instituição), que nele desenvolve um raciocínio sobre a pessoa e missão de Jesus e as implicações de segui-Lo. No trecho deste domingo, Jesus adverte que muitos o procuravam por causa dos seus milagres e não para assumir o seu projeto de vida ou para segui-lo na doação até a morte. Uma observação que pode valer para muitas expressões religiosas da atualidade e para todas as igrejas cristãs que buscam o “milagroso” e a prosperidade individual, ao invés de buscar o seguimento diário de Jesus, na construção de um mundo onde todos tenham vida “e a vida plenamente" (Jo 11,10).
Espiritual ou
material – Diante desse
interesse das multidões, Jesus ensina que devem trabalhar pelo alimento que não
se estraga. Embora, à primeira vista, possa parecer que esse versículo
apresente o seguimento de Jesus como algo somente “espiritual”, sem
conseqüências maiores para a sociedade e o mundo atual, uma leitura mais atenta
e profunda, faz perceber que esse é um grande engano: longe de pregar uma
mensagem que resulte no abandono dos pobres e marginalizados, Jesus contesta os
que têm por objetivo acumular bens. De novo, uma advertência mais do que atual para
nossa sociedade, que prega como garantia de felicidade: consumir e amontoar
riquezas. Isso, no entanto, só gera exclusão dos que não podem produzir nem
consumir, quando deveríamos buscar equilíbrio nas nossas vidas, de maneira que os
meios materiais fossem usados para construir uma sociedade digna para todos e
não para a acumulação de poucos.
Teoria da
prosperidade – O texto é um alerta
atualíssimo para todas as igrejas que pregam a "teologia de retribuição e
prosperidade individual": a busca desenfreada de bens coloca o bem-estar
material como centro e finalidade de vida – uma verdadeira idolatria. Isso foi
compreendido mais de duzentos anos antes de Jesus, pelo sábio autor de
Eclesiastes, que escreveu: "Quem gosta de dinheiro nunca se sacia de
dinheiro. Quem é apagado às riquezas, nunca se farta com a renda. Isso também é
fugaz!" (Ecl 5,9).
Qual a
mensagem? – É de buscar, em
primeiro lugar, o Pão descido do Céu, ou seja, o próprio Jesus. Procurar Jesus
implica uma opção pela sua pessoa, mensagem e prática. Não é possível ter uma
relação verdadeira com Jesus, sem assumir a sua prática, atualizada para as
condições de hoje. Num âmbito religioso em que, muitas vezes, prega-se um Jesus
"light", alienado e alienante, que não incomoda, este texto nos leva
ao Jesus real, que incomodava tanto que é abandonado pelas multidões (como se
vê ao final do capítulo 6) e, finalmente, liquidado por uma conspiração dos
poderes políticos, religiosos, econômicos e judiciais.
Fome? – O texto nos assegura que quem vai
a Jesus como discípulo "nunca mais terá fome, nunca mais terá sede", pois,
apesar de não ser fácil segui-Lo, essa adesão é capaz de saciar os desejos mais
íntimos da pessoa humana, algo muito maior do que a simples posse de bens
materiais é capaz de promover. Nós vivemos um tempo em que talvez nunca tenha
havido tanta riqueza nem tanta pobreza, tanta acumulação e tanta exclusão. Será
que, com honestidade, podemos dizer que este modelo globalizado, neoliberal e
pós-moderno têm melhorado a qualidade de vida da maioria das pessoas?
Que fé nós
temos? – O texto de hoje nos
desafia a reexaminar a nossa fé, a realidade do nosso seguimento a Jesus, as
nossas motivações, metas e objetivos de vida. Convida-nos a colocar, no centro
da nossa existência, o projeto de Deus, encarnado em Jesus e continuado nos
seus seguidores. Convida-nos, também a nos alimentarmos com o Pão da Palavra e
da Eucaristia, para termos a vontade e a força de criar um mundo de vida, no
qual todos tenham vida em plenitude.