sábado, 19 de setembro de 2015

Uma nova corrida


No Evangelho deste domingo (Marcos 9, 30-37), Jesus termina a sua viagem pela Galiléia e chega a Cafarnaum. Estamos em agosto do ano 29. Jesus estava chegando de uma longa viagem de vários meses: saiu da região das cidades de Tiro e Sidom, atravessou a Fenícia, passou próximo da cidade de Cesaréia de Felipe e, finalmente, chegou a Cafarnaum.

Primeiro e último – Sabendo o que os discípulos haviam discutido durante a viagem, Jesus sentou-se, chamou os doze e lhes disse: "Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos!" Em seguida, pegou uma criança, colocou-a no meio deles e, abraçando-a, disse: "Quem acolher, em meu nome, uma destas crianças, é a mim que estará acolhendo. E quem me acolher está acolhendo não a mim, mas àquele que me enviou".

Uma questão – Será que, com estas palavras, Jesus condena o desejo de sobressair, de fazer grandes coisas na vida, de dar o melhor de si, e privilegia, ao contrário, a apatia, o espírito de abandono, os negligentes?

Nietzsche – Assim pensava o filósofo Nietzsche, que se sentiu no dever de combater ferozmente o cristianismo por ter (em sua opinião) introduzido, no mundo, o “câncer” da humildade e da renúncia. Em sua obra “Assim falava Zaratustra”, ele opõe a este valor evangélico o da “vontade de poder”, encarnado pelo “super-homem”, o homem da “grande saúde”, que quer levantar-se, não abaixar-se.

Ser o primeiro – Pode ser que os cristãos, às vezes, tenham interpretado mal o pensamento de Jesus e tenham dado ocasião a este mal-entendido. Mas, certamente, não é isso o que o Evangelho quer nos dizer. “Se alguém quiser ser o primeiro...” indica que é possível querer ser o primeiro, não está proibido, não é pecado. Jesus não só não proíbe o desejo de querer ser o primeiro, mas, o estimula.

Ser o último – Só que revela uma via nova e diferente para realizá-lo: não à custa dos outros, mas a favor dos outros. De fato, acrescenta: “... seja o último de todos e o servidor de todos”. Mas, quais são os frutos de uma ou outra forma de sobressair? A ânsia de poder conduz a uma situação na qual a pessoa se impõe e os outros servem; e a pessoa é “feliz”, enquanto os outros são infelizes; só se sente vencedor com todos os outros derrotados e se domina, com os outros dominados.

Guerras? – Sabemos os resultados alcançados com o “ideal do super-homem” alardeado por Hitler. Aliás, não se trata só do nazismo: quase todos os males da humanidade provêm dessa raiz. Na segunda leitura deste domingo, Tiago propõe a angustiosa e perene pergunta: “De onde procedem as guerras?”. Jesus, no Evangelho, nos dá a resposta: do desejo de dominar! Domínio de um povo sobre outro, de uma raça sobre outra, de um partido sobre os outros, de um sexo sobre o outro, de uma religião sobre a outra...

Serviço – No serviço, ao contrário, todos se beneficiam da grandeza das pessoas. Quem é grande no serviço, se torna grande e torna os outros grandes também; mais que elevar-se acima dos outros, eleva os demais consigo. É o caso de Madre Teresa de Calcutá, Raoul Follereau e todos os que diariamente servem à causa dos pobres e dos feridos das guerras, frequentemente arriscando sua própria vida.

Dúvida – Resta somente uma dúvida. O que pensar do antagonismo no esporte e da concorrência no comércio? Também estas coisas estão condenadas pela palavra de Cristo? Não; quando estão contidas dentro de limites da concorrência esportiva e comercial, estas coisas são boas, servem para aumentar o nível das possibilidades físicas e para abaixar os preços no comércio...

Esporte – O convite de Jesus, a ser o último, não se aplica, certamente, às corridas ciclísticas ou às de Fórmula 1! Mas, especialmente o esporte, serve para esclarecer o limite desta grandeza em relação ao serviço: “Nas corridas do estádio, todos correm, mas um só recebe o prêmio”, diz São Paulo (1Cor 9,24). Basta recordar o que ocorre no término de uma final de 100 metros rasos: o vencedor exulta, é rodeado de fotógrafos e levado triunfalmente; todos os outros se afastam tristes e humilhados. “Todos correm, mas um só recebe o prêmio.”


Nova Corrida – São Paulo extrai das competições atléticas um ensinamento positivo: “Os atletas se privam de tudo; e isso por uma coroa corruptível!; Nós, ao contrário [para receber de Deus a], coroa incorruptível [da vida eterna]”. Luz verde, portanto, à nova corrida inventada por Cristo, na qual o primeiro é quem se torna último de todos e servo de todos.

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