sexta-feira, 26 de maio de 2017

Ascensão de Jesus Cristo


 

Neste domingo a Igreja comemora a Festa da Ascensão de Jesus e indica que devemos continuar a realizar o projeto libertador de Deus para os homens e para o mundo. O Evangelho apresenta o encontro final de Jesus ressuscitado com os seus discípulos, num monte da Galileia.

 

Encontro marcado – O texto do Evangelho (Mt 28,16-20) situa-nos na Galileia, após a ressurreição de Jesus (embora não se diga se é muito ou pouco tempo após a descoberta do túmulo vazio – Mt 28,1-15). De acordo com Mateus, Jesus – pouco antes de ser preso – havia marcado encontro com os discípulos na Galileia (Mt 26,32); na manhã da Páscoa, os anjos que apareceram às mulheres no sepulcro (Mt 28,7) e o próprio Jesus, vivo e ressuscitado (Mt 28,10), renovam o convite para que os discípulos se dirijam à Galileia, a fim de lá encontrar o Senhor.

 

A Galileia – Região próspera e bem povoada, de solo fértil e bem cultivada, a Galileia era ponto de encontro de muitos povos, por isso, um número importante de pagãos fazia parte da sua população. Certamente, a coabitação de populações pagãs e judias fazia com que os judeus dessa região vivessem a religião de uma maneira diferente dos judeus de Jerusalém e da Judéia: a presença diária dos pagãos conduzia, provavelmente, os galileus a suavizar a sua prática da Lei e a interpretar mais amplamente as regras que se referiam, por exemplo, às impurezas rituais contraídas pelo contato com os não-judeus. No entanto, isso fazia com que os judeus de Jerusalém desprezassem os judeus da Galileia e considerassem que dali “não podia sair nada de bom”.

 

Terra de Jesus – No entanto, foi na Galileia que Jesus viveu quase toda a sua vida. Foi, também, na Galileia que Ele começou a anunciar o Evangelho do “Reino” e que começou a reunir à sua volta um grupo de discípulos (Mt 4,12-22). Para Mateus, esse fato sugere que o anúncio libertador de Jesus tem uma dimensão universal: destina-se a judeus e pagãos. Mateus situa este encontro final entre Jesus ressuscitado e os discípulos num “monte que Jesus lhes indicara”. Trata-se, no entanto, de uma montanha da Galileia que é impossível identificar geograficamente, mas que talvez Mateus a ligue com a montanha da tentação (Mt 4,8) e com a montanha da transfiguração (Mt 17,1). De qualquer forma, no Antigo Testamento, o “monte” é sempre o lugar onde Deus se revela aos homens.

 

Jesus vivo – O texto que descreve o encontro final entre Jesus e os discípulos divide-se em duas partes. Na primeira, descreve-se o encontro: Jesus vivo e ressuscitado, revela-Se aos discípulos e é reconhecido e adorado como “o Senhor”. Depois de descrever a adoração, Mateus acrescenta uma expressão que alguns traduzem como “alguns ainda duvidaram” e outros como “eles que tinham duvidado” (gramaticalmente, ambas as traduções são possíveis). No primeiro caso, a expressão significaria que a fé não é uma certeza científica e que não exclui a dúvida; no segundo caso, a expressão aludiria a essa dúvida constante dos discípulos – expressa em vários momentos, ao longo da caminhada para Jerusalém – e que aqui perde qualquer razão de ser.

 

Deus conosco – Após o reconhecimento e a adoração dos discípulos segue-se uma manifestação do mistério de Jesus, que reflete a fé da comunidade de Mateus: Jesus é o “Kyrios” (Senhor), que possui todo o poder sobre o mundo e sobre a história; Jesus “o Mestre”, cujo ensinamento será sempre uma referência para os discípulos; Jesus é o “Deus-conosco”, que acompanhará, passo-a-passo, a caminhada dos discípulos pela história.

 

Missão – Na segunda parte, Mateus descreve o envio dos discípulos em missão pelo mundo. A Igreja de Jesus é, essencialmente, uma comunidade missionária, cuja missão é testemunhar no mundo a proposta de salvação e de libertação que Jesus veio trazer aos homens e que deixou nas mãos e no coração dos discípulos.

 

Cristãos – A primeira nota do envio e do mandato que Jesus dá aos discípulos é a da universalidade… A missão dos discípulos destina-se a “todas as nações”. A segunda nota dá conta das duas fases da iniciação cristã, conhecidas da comunidade de Mateus: o ensino e o batismo. Começava-se pela catequese, cujo conteúdo eram as palavras e os gestos de Jesus. Quando os discípulos estavam informados da proposta de Jesus, vinha o batismo – que selava a íntima vinculação do discípulo com o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

 
Até o fim dos tempos – Uma última nota: Jesus estará sempre com os discípulos, “até ao fim dos tempos”. Esta afirmação expressa a convicção – que todos os crentes da comunidade de Mateus possuíam – de que Jesus ressuscitado estará sempre com a sua Igreja, acompanhando a comunidade dos discípulos na sua marcha pela história, ajudando-a a superar as crises e as dificuldades da caminhada.

domingo, 21 de maio de 2017

Filipe na Samaria



A Primeira Leitura das missas deste domingo (Atos 8) descreve Filipe pregando em uma cidade da Samaria. Quando os Apóstolos que estavam em Jerusalém ouviram dizer que a Samaria recebera a palavra de Deus, enviaram para lá Pedro e João. Quando chegaram, rezaram pelos samaritanos, para que recebessem o Espírito Santo.


Igreja primitiva – Durante os primeiros anos, o cristianismo praticamente não saiu de Jerusalém: os primeiros sete capítulos do livro dos Atos dos Apóstolos apresentam-nos a Igreja de Jerusalém e o testemunho dado pelos primeiros cristãos no espaço restrito da cidade.


Perseguição – Por volta do ano 35, com a morte do discípulo Estevão, desencadeou-se uma perseguição contra os membros da comunidade cristã de Jerusalém. É interessante observar que esta perseguição não afetou de igualmente todos os membros da comunidade (pois os apóstolos continuaram em Jerusalém), mas dirigiu-se, de forma especial, contra os judeu-helenistas do círculo de Estêvão. Estes, inconformados com a morte de Estevão, deixaram Jerusalém e espalharam-se pelas outras regiões da Palestina. Tratou-se de um fato providencial, que permitiu a difusão do Evangelho pelas outras regiões palestinas.


Explicando – No judaísmo do tempo de Cristo (e dos primeiros discípulos) haviam dois grupos de judeus: um oriundo da própria Palestina, chamados de cristãos “hebreus”, falavam aramaico, e mantinham uma fidelidade à Lei e ao judaísmo; e outro, os judeus helenistas (como Estêvão) originários de fora da Palestina e falavam grego. Os "helenistas" eram vistos com certo preconceito pelos judeus da Palestina, pois eles não eram praticantes assíduos de todos os preceitos judaicos.


Filipe – A primeira leitura deste domingo fala-nos de Filipe – um dos sete diáconos, do mesmo grupo do mártir Estêvão (At 6,1-7) – que, deixando Jerusalém foi anunciar o Evangelho aos habitantes da região central da Palestina, a Samaria.


É curioso – que a difusão do Evangelho fora de Jerusalém ocorra, precisamente, na Samaria. A Samaria era, para os judeus, uma terra praticamente pagã. Os judeus desprezavam os samaritanos por serem uma mistura de sangue israelita com estrangeiros e consideravam-nos hereges em relação à pureza da fé judaica.


O texto – O texto da Primeira Leitura divide-se em duas partes: na primeira parte (vers. 5-8), temos um sumário que resume a atuação de Filipe entre os samaritanos. Filipe pregava “o Messias”, isto é, apresentava aos samaritanos Jesus Cristo e a sua proposta de salvação e de libertação. Lucas (autor dos Atos dos Apóstolos) descreve esta atividade missionária dizendo que os samaritanos “aderiam unanimemente às palavras de Filipe”, que os espíritos impuros abandonavam os possessos e que os coxos e paralíticos eram curados.


Na segunda – parte (vers. 14-17), Lucas refere a chegada à Samaria dos apóstolos Pedro e João. Quando a comunidade cristã de Jerusalém soube que a Samaria tinha já acolhido a mensagem de Jesus, enviou para lá Pedro e João para complementar a pregação. Lucas não diz qual a reação de Pedro e João ao constatarem o avanço do Evangelho; apenas refere que os samaritanos, apesar de batizados, ainda não tinham recebido o Espírito Santo.


Que significa isto? – Provavelmente, significa que a adesão dos samaritanos ao Evangelho era superficial, talvez mais motivada pelos gestos espetaculares que acompanhavam a pregação de Filipe, do que por uma convicção bem fundada.


Pedro e João – Logo que chegaram – conta Lucas – Pedro e João impuseram as mãos aos samaritanos, a fim de que também eles recebessem o Espírito. O Espírito aparece, aqui, como o selo que comprova a pertença dos samaritanos à Igreja de Jesus Cristo.


Mensagem – Para que uma comunidade se constitua como Igreja, não basta uma aceitação superficial da Palavra, nem manifestações humanas (por muito impressionantes que sejam). É preciso que qualquer comunidade cristã tenha consciência de que não é uma célula autônoma, mas que é convidada a viver a sua fé em comunhão com a Igreja universal. Só então se manifestará nela o Espírito, a vida de Deus.

sábado, 13 de maio de 2017

“Eu sou o Caminho ...”


A liturgia deste domingo convida-nos a refletir sobre a Igreja: é a comunidade dos discípulos que seguem o “caminho” de Jesus – “caminho” de obediência ao Pai e de dom da vida aos irmãos.

 

Despedida – O ambiente em que este trecho nos coloca é o de uma ceia de despedida. Nessa ceia (realizada na quinta-feira à noite, pouco tempo antes da prisão, na véspera da morte), estão Jesus e os discípulos. Durante a ceia, Jesus despede-Se dos discípulos e faz-lhes as suas últimas recomendações. As palavras de Jesus soam a “testamento” final: Ele sabe que vai partir para o Pai e que os discípulos vão continuar no mundo.

 

Incertezas – Os discípulos, por sua vez, já perceberam que o ambiente é de despedida e que, daí a poucas horas, o Mestre vai ser tirado deles. Estão inquietos e preocupados. A aventura que eles começaram com Jesus, na Galiléia, terá chegado ao fim? Essa relação que eles construíram com o Mestre irá morrer? Os discípulos não sabem o que vai acontecer nem que caminho vão, a partir daí, percorrer. Sobretudo, não sabem como é que manterão, após a partida de Jesus, a sua relação com Ele e com o Pai.

 

Comunhão – A catequese desenvolvida pelo autor do Quarto Evangelho, neste diálogo de Jesus com os discípulos, é de uma impressionante densidade teológica. Vamos tentar esmiuçar o conteúdo e pôr em relevo os pontos fundamentais. O plano de salvação de Deus passa por estabelecer com os homens uma relação de comunhão, de familiaridade, de amor. Por isso Jesus veio ao mundo: para tornar os homens “filhos de Deus”.

 

Método – Como é que Jesus concretizou esse projeto? Ele “montou a sua tenda no meio dos homens” (Jo 1,14) e ofereceu aos homens um “caminho” de vida em plenitude: mostrou aos homens, na sua própria pessoa, como é que eles podem ser Homens Novos – isto é, homens que vivem na obediência total aos planos do Pai e no amor aos irmãos. Viver desse jeito é viver numa dinâmica divina, entrar na intimidade do Pai, tornar-se “filho de Deus”.

 

Homem Novo – Na ceia de despedida, Jesus sente que está começando o último ato da missão que o Pai lhe confiou (criar o Homem Novo). Falta oferecer aos discípulos a última lição – a lição do amor que se dá até à morte; falta também o dom do Espírito, que capacitará os homens para viverem como Jesus, na obediência a Deus e na entrega aos homens. Para que esse último ato se cumpra, Jesus tem que passar pela morte: tem que “ir para o Pai”. Ao dizer “vou preparar-vos um lugar”, Jesus sugere que tem que ir ao encontro do Pai, para que os homens possam fazer parte da família de Deus.

 

Família – Nessa família há lugar para todos os homens (“na casa de meu Pai há muitas moradas”): basta que sigam “o caminho” de Jesus” – isto é, que escutem as suas propostas e que aceitem viver como Homens Novos, no amor e no dom da vida. A “casa do Pai” é a comunidade dos seguidores de Jesus (a Igreja). Qual é o “caminho” para chegar a fazer parte dessa família de Deus?

 

Caminho – A resposta é simples… O “caminho” é Jesus: é a sua vida, os seus gestos de amor e de bondade, a sua morte (dom da vida por amor) que mostram aos homens o itinerário que eles devem percorrer. Ao aceitarem percorrer esse “caminho” de identificação com Jesus, os homens estão indo ao encontro da verdade e da vida em plenitude. Quem aceita percorrer esse “caminho” de amor, de entrega, de dom da vida, chega até ao Pai e torna-se – como Jesus – “filho de Deus”.

 

Pai e Jesus – Ao identificarem-se com Jesus, os discípulos estabelecem uma relação íntima e familiar com o Pai, porque o Pai e Jesus são um só. O Pai está presente em Jesus. Quem adere a Jesus e estabelece com Ele laços de amor, já faz parte da família do Pai, porque Jesus é Deus que veio ao encontro dos homens: as obras de Jesus são as obras do Pai; o seu amor é o amor do Pai; a vida que Ele oferece é a vida que o Pai dá aos homens.

 

Conclusão – Os discípulos de Jesus têm que percorrer um “caminho”, até chegarem a ser família de Deus. Esse “caminho” foi traçado por Jesus, na obediência a Deus e no amor aos homens. É no final desse “caminho” que os discípulos – tornados Homens Novos – encontrarão o Pai e serão integrados na família de Deus.

sábado, 6 de maio de 2017

O Bom Pastor


 

O capítulo 10 do 4º Evangelho é dedicado à catequese do “Bom Pastor”. O autor utiliza esta imagem para propor uma catequese sobre a missão de Jesus: a obra do “Messias” consiste em conduzir o homem às pastagens verdejantes e às fontes cristalinas de onde brota a vida em plenitude.


Símbolo – A imagem do “Bom Pastor” não foi inventada pelo autor do 4º Evangelho. Literariamente falando, este discurso simbólico está construído com materiais provenientes do Antigo Testamento. Em especial, este discurso tem presente Ez 34 (onde se encontra a chave para compreender a metáfora do “pastor” e do “rebanho”). Falando aos exilados da Babilónia, Ezequiel constata que os líderes de Israel foram, ao longo da história, maus “pastores”, que conduziram o Povo por caminhos de morte e de desgraça; mas – diz Ezequiel – o próprio Deus vai agora assumir a condução do seu Povo; Ele porá à frente do seu Povo um “Bom Pastor” (o “Messias”), que o livrará da escravidão e o conduzirá à vida.


Partes – O texto do Evangelho, que hoje nos é proposto, está dividido em duas partes, ou em duas parábolas. Na primeira parábola (Jo 10,1-6), Jesus apresenta-se preferencialmente como “o Pastor”, cuja ação se contrapõe a esses dirigentes judeus que se arrogam o direito de pastorear o “rebanho” do Povo de Deus, mas sem serem “pastores”.


Judeus – Jesus não usa meias palavras: os dirigentes judeus são ladrões e bandidos, que se servem das suas prerrogativas para explorar o Povo (ladrões) e usam a violência para o manter sob a sua escravidão (bandidos). Aproximam-se do Povo de Deus de forma abusiva e ilegítima, porque Deus não lhes confiou essa missão (“não entram pela porta”): foram eles que a usurparam. O seu objetivo não é o bem das “ovelhas”, mas o seu próprio interesse.


Jesus – Ao contrário, Jesus é “o Pastor” que entra pela porta: ele tem um mandato de Deus e a sua missão foi-Lhe confiada pelo Pai. Em Ezequiel, o papel do “pastor” correspondia, em primeiro lugar, a Deus e ao enviado de Deus, o “Messias” descendente de David. Ao apresentar-se como Aquele “que entra pela porta”, com autoridade legítima, Jesus declara-Se o “Messias” enviado por Deus para conduzir o seu Povo e para guiá-lo para as pastagens onde há vida em plenitude. Ele entra no redil das “ovelhas” para cuidar delas, não para explorá-las.


Pastor – Como é que Jesus exercerá a sua missão de “pastor”? Em primeiro lugar, irá chamar as “ovelhas”. “Chama-as pelo seu nome”, porque conhece cada uma e com cada uma quer ter uma relação pessoal. Não obrigará ninguém a responder-Lhe; mas os que responderem ao seu chamamento farão parte do seu “rebanho”. Depois, o “pastor” caminhará “diante das ovelhas” e estas  lhe seguirão. Ele indica-lhes o caminho, pois Ele próprio é “o caminho” (Jo 14,6) que leva à vida plena.


Porta – Na segunda parábola (Jo 10,7-9), Jesus apresenta-Se como “a porta”. Aqui, Ele já não é o pastor legítimo que passa pela porta, mas “a porta”. Significa que Jesus é o único lugar de acesso para que as “ovelhas” possam encontrar as pastagens que dão vida. “Passar pela porta” que é Jesus significa aderir a Ele, segui-lo, acolher as suas propostas. As “ovelhas” que passam pela porta que é Jesus (isto é, que aderem a Ele) podem passar para a terra da liberdade (onde não mandam os dirigentes que exploram e roubam), onde encontrarão “pastos” (vida em plenitude).


Vida – O nosso texto termina com a reafirmação do contraste entre Jesus e os dirigentes: os líderes religiosos judaicos utilizam o “rebanho” para satisfazer os seus próprios interesses egoístas, despojam e exploram o povo; mas Jesus só procura que o seu “rebanho” encontre vida em plenitude.