sábado, 17 de setembro de 2011

Gratuidade e Justiça

No Evangelho das missas deste domingo (Mt 10,1-16), o evangelista Mateus apresenta um texto de difícil interpretação, conhecida como a parábola dos operários da vinha. 

Chamado – A parábola refere-se a um dono de uma vinha que, ao raiar da manhã, se dirigiu à praça e chamou “clientes” para trabalhar na sua vinha, ajustando com eles o preço habitual: um denário. O volume de tarefas a realizar na vinha fez com que este patrão voltasse a sair no meio da manhã, ao meio-dia, às três da tarde e ao cair da tarde e que trouxesse, de cada vez, novas levas de trabalhadores. O trabalho decorreu sem incidentes, até ao final do dia. 

Pagamento – Ao anoitecer, os trabalhadores foram chamados diante do senhor, a fim de receberem a paga do trabalho. Todos – tanto os que só tinham trabalhado uma hora, como os que tinham trabalhado todo o dia – receberam a mesma paga: um denário. Contudo, os trabalhadores da primeira hora (os “clientes” habituais do dono da vinha) ficaram indignados por não terem recebido um tratamento “de favor”. 

A resposta final – O dono da vinha afirma que ninguém tem nada a reclamar se ele decide derramar a sua justiça e a sua misericórdia sobre todos, sem exceção. Ele cumpre as suas obrigações para com aqueles que trabalham com ele desde o início; não poderá ser bondoso e misericordioso para com aqueles que só chegam ao fim? Isso em nada deveria afetar os outros… 

Naquele tempo... – Esta parábola nasce na realidade agrícola do povo da Galileia. Era uma região rica, de terra boa, mas com o seu povo empobrecido, pois as terras estavam nas mãos de poucos e a maioria trabalhava como arrendatário ou como "boia-fria", como diríamos hoje. Para sobreviver, esses camponeses sem terra alugavam a sua força de trabalho. Juntavam-se na praça da cidade e esperavam que os grandes donos de terra os contratassem para trabalhar nos seus campos ou nas suas vinhas. Normalmente, cada “patrão” tinha os seus “clientes”, isto é, homens que ele contratava regularmente e recebiam um tratamento de favor (eram sempre os primeiros a ser contratados), a fim de que pudessem ganhar uma “jornada” completa (um “denário”, que era o pagamento diário de um trabalhador). 

Mensagem – A parábola é dirigida às comunidades de judeus que aderiram ao cristianismo. Os judeus das sinagogas os rejeitavam e ameaçavam expulsá-los de seu convívio. Eles não admitiam que, no cristianismo, os pagãos se considerassem eleitos de Deus, assim como eles próprios se consideravam, conforme sua tradição do Primeiro Testamento. Mateus quer instruir estas comunidades de judeu-cristãos para que compreendam que, pela revelação de Jesus, Deus não se limita ao exclusivismo pretendido pelo judaísmo. 

Parábola – Assim, na parábola os trabalhadores de última hora (os gentios), ao receberem seu pagamento, são tratados em pé de igualdade com os primeiros que vieram trabalhar na vinha (o povo de Israel). As parábolas partem de imagens extraídas da vida real. Analisando as imagens utilizadas, vemos que no cenário aparecem o dono da vinha, imagem característica na tradição de Israel, e os trabalhadores desocupados na praça, cena característica de uma cidade grega. 

Sustento da vida – O texto nos ensina que a lógica do Reino não é a lógica da sociedade vigente. Na nossa sociedade, uma pessoa vale pelo que produz – logo, quem não produz não tem valor. Assim, se faz pouco caso do idoso, aposentado, doente, portador de deficiência... Na parábola, o patrão (símbolo do Pai) usa como critério de pagamento, não a produção, mas o sustento da vida – também o trabalhador da última hora precisa sustentar a família e por isso recebe o valor suficiente, um denário. 

Trabalho – Pode-se analisar nestas imagens o significado do trabalho. O trabalho não é mercadoria que se vende, avaliado pela quantidade da produção que dele resultou. O trabalho é o meio de subsistência das pessoas e da família, bem como é serviço à comunidade, pela partilha de seus frutos. Todos têm direito ao essencial para a sua sobrevivência. Na parábola, a todos foi dado o necessário para a sobrevivência de um dia, independentemente da quantidade de sua produção. A venda do fruto do trabalho por um salário é uma alienação da dignidade do trabalhador. É vender uma parte do seu ser, de seu próprio corpo, do fruto de seu trabalho, para a acumulação de riqueza e prazer do patrão. 

Valores – O Reino de Deus tem valores diferentes da sociedade neoliberal do nosso tempo - a vida é o critério, não a produção. Por isso, quem procura vivenciar os valores do Reino estará na contramão da sociedade dominante. O texto nos convida a imitar o Pai do Céu, lutando por novas relações na sociedade e no trabalho, baseadas no valor da vida, não na produção e consumo. O critério é a gratuidade de Deus Pai, pois tudo o que temos recebemos Dele e, sendo todos seus filhos amados, a comunidade cristã não pode discriminar pessoas, por qualquer motivo que seja.

sábado, 10 de setembro de 2011

“O perdão também cansa de perdoar”

A famosa frase do título pertence à música “Regra três”, composta por Toquinho e Vinicius de Morais em 1973. O Evangelho das missas deste domingo (Mt 18,21-35) também nos fala do perdão. Ao contrário da letra da música, fala-nos de um Deus cheio de bondade e de misericórdia que derrama sobre os seus filhos – de forma total, ilimitada e absoluta – o seu perdão.  

“Onde menos vale mais” – Os cristãos são convidados a descobrir a lógica de Deus e a deixarem que a mesma lógica de perdão e de misericórdia sem limites e sem medida marque a sua relação com os irmãos. Apresenta-nos um Deus que ama sem cálculos, sem limites e sem medida; e convida-nos a assumir uma atitude semelhante para com os irmãos que, dia a dia, caminham ao nosso lado. 

Texto – Mais uma vez é Pedro que articula em palavras o desafio cristão, "quantas vezes devo perdoar o meu irmão?" e responde ele mesmo, sugerindo "sete vezes", com certeza achando que agir assim seria um exagero. Mas para Jesus, não basta o discípulo agir segundo os critérios desse mundo. Por isso exige "não somente sete vezes, mas setenta vezes sete", ou seja, para quem realmente quer se modelar em Deus, o perdão tem que ser sem limites. 

Vingança – A ideia básica inverte a posição sangrenta e vingativa de Lamec em Gn, 4,24, "Se a vingança de Caim valia por sete, a de Lamec valerá por setenta e sete!" O cristão tem que deixar definitivamente por trás todo sentimento de vingança e assumir os novos valores do Reino de Deus, entre os quais tem lugar de destaque, o perdão. 

Parábola – Para explicar o perdão sem limites, o evangelista complementa com a parábola dos devedores. Esta parábola ilustra um dos pedidos do Pai Nosso, "perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos os nossos devedores". Fazendo esse pedido, estamos querendo o perdão de Deus para que, experimentando-o, consigamos perdoar os nossos devedores. 

Pai Nosso – O texto original do Pai Nosso se referia realmente a dívidas financeiras, mas hoje, o texto foi modificado, substituindo-se as “dívidas” por “ofensas”, com uma aplicação mais geral. 

O Perdão de Deus depende do nosso? – Não é que o perdão de Deus dependa do nosso - é sempre Deus que toma o iniciativa e nós que respondemos. Mas somos capazes de render nulo o efeito do perdão do Pai, se nós nem queremos perdoar os outros. Assim, o Pai continua querendo nos perdoar, mas nós cortamos o efeito dessa gratuidade divina.  

Querer perdoar – Obviamente, o perdão envolve um processo todo, que abrange a parte espiritual, mas também psicológica, da pessoa. Não se consegue eliminar os efeitos das ofensas de uma vez. Mas o importante é o "querer" perdoar. O próprio desejo já é o perdão, pois é somente com a graça divina que nós conseguiremos perdoar mesmo. Mas quando esse desejo é ausente, nem o perdão do Pai penetra a barreira que nós erguemos e o seu perdão fica sem frutos. 

Sinais do Reino – A proposta do texto de hoje é além das nossas forças humanas, mas não além da possibilidade da graça divina. Por isso, temos que sempre pedir o dom do perdão, conforme nos ensina a Oração do Senhor, para que as nossas comunidades sejam verdadeiramente sinais do Reino e não meramente aglomerações de pessoas que partilham as mesmas teorias teológicas, mas sem que essas influenciem na sua vivência, na sua prática. Da nossa parte exige-se esforço, e Deus dará a força, para que vivamos conforme o desafio do Sermão da Montanha "sejam perfeitos, como o Pai do Céu de vocês é perfeito".

sábado, 3 de setembro de 2011

A Correção Fraterna

O Evangelho das missas deste domingo (Mt 18,15-20) sugere-nos uma reflexão sobre a nossa responsabilidade face aos irmãos que nos rodeiam. Publicamos o comentário do padre Raniero Cantalamessa, pregador da Casa Pontifícia do Vaticano, sobre os versículos 15 a 18. 

Texto – “Naquele tempo, Jesus disse a seus discípulos: ‘Se o seu irmão pecar, vá e mostre o erro dele, mas em particular, só entre vocês dois. Se ele der ouvidos, você terá ganho o seu irmão. Se ele não lhe der ouvidos, tome com você mais uma ou duas pessoas, para que toda a questão seja decidida sob a palavra de duas ou três testemunhas. Caso ele não dê ouvidos, comunique à Igreja. Se nem mesmo à Igreja ele der ouvidos, seja tratado como se fosse um pagão ou um cobrador de impostos. Eu lhes garanto: tudo o que vocês ligarem na terra, será ligado no céu, e tudo o que vocês desligarem na terra, será desligado no céu’. 

Irmão – A convivência humana está permeada de contrastes, conflitos, pelo fato de que somos diferentes por temperamento, pontos de vista, gostos. O Evangelho tem algo a nos dizer também neste aspecto tão comum e cotidiano da vida. Jesus apresenta o caso de alguém que cometeu algo que é realmente equivocado em si mesmo: ‘Se o seu irmão pecar...’. Não se refere só a uma culpa cometida contra nós. Neste último caso é quase impossível distinguir se o que nos move é o zelo pela verdade ou mais o amor próprio ferido. Em todo caso, seria mais uma autodefesa que uma correção fraterna. 

Dignidade – Por que diz Jesus: ‘mostre o erro dele, mas em particular’? Antes de tudo, por respeito ao bom nome do irmão, de sua dignidade. Diz: ‘entre vocês dois’, para dar a possibilidade à pessoa de poder se defender e explicar suas ações em plena liberdade. Muitas vezes, aquilo que, a um observador externo, parece uma culpa, nas intenções de quem fez a ação, não é. Uma franca explicação dissipa muitos mal-entendidos. 

Correção – Mas isso não é possível quando o problema se leva ao conhecimento de todos. Qual é, segundo o Evangelho, o verdadeiro motivo pelo qual é necessário praticar a correção fraterna? Não é, certamente, o orgulho de mostrar aos outros os erros que cometeram, para ressaltar nossa superioridade. Nem para desencargo de consciência, para poder dizer: ‘Eu te disse. Eu te adverti! Pior para você, se não me levou a sério’. 

Fraterna – Não, o objetivo é ganhar o irmão; é o genuíno bem do outro, para que possa melhorar e não se encontrar com desagradáveis consequências. Se for uma culpa moral, [a correção é] para que não comprometa seu caminho espiritual e sua salvação eterna. Nem sempre depende de nós o bom resultado da correção (apesar das melhores disposições, o outro pode não aceitá-la, fazer-se mais rígido); pelo contrário, depende sempre e exclusivamente de nós o bom resultado... na hora de receber uma correção. 

Dever – Não existe somente a correção ativa, mas também a passiva; não existe só o dever de corrigir, mas também o dever de deixar-se corrigir. E aqui é onde se vê, se somos suficientemente maduros para corrigir os demais. Quem quer corrigir alguém tem de estar disposto a ser corrigido. Quando se vê que uma pessoa recebe uma observação e se ouve que responde com simplicidade – ‘Você tem razão, obrigado por ter me dito!’ –, você está diante uma pessoa de valor. 

Cisco – O ensinamento de Cristo sobre a correção fraterna deverá ser lido sempre junto ao que Ele diz em outra ocasião: ‘Por que você fica olhando o cisco no olho do seu irmão, e não presta atenção na trave que há no seu próprio olho? Como é que você pode dizer ao seu irmão: ‘Irmão, deixe-me tirar o cisco do seu olho’, quando você não vê a trave no seu próprio olho?’ (Lucas 6, 41-42). 

Amor – Em alguns casos não é fácil compreender se é melhor corrigir ou deixar passar, falar ou calar. Por este motivo, é importante ter em conta a regra de ouro, válida para todos os casos, que o apóstolo Paulo oferece na segunda leitura (Romanos 13, 8.10) deste domingo: ‘Não fiquem devendo nada a ninguém, a não ser o amor mútuo... O amor não pratica o mal contra o próximo...’.  É necessário assegurar-se, antes de tudo, de que no coração se dê a disposição de acolhida à pessoa. Depois, tudo o que se decida, seja corrigir ou calar, estará bem, pois o amor ‘não faz mal a ninguém’.

sábado, 27 de agosto de 2011

Santa Mônica e Santo Agostinho

Neste final de semana, a Igreja Católica comemora dois santos importantes: Santa Mônica (27/8) e Santo Agostinho (28/8), mãe e filho. Vamos conhecer um pouco sobre estes santos. 

Santa Mônica – Nasceu na cidade de Tagaste (África do Norte) no ano 332. Teve uma forte educação religiosa e de muita disciplina. Desejava dedicar-se à vida de oração, mas seus pais impuseram o seu casamento com um homem chamado Patrício (bom trabalhador, mas com um terrível mau gênio, mulherengo, jogador e sem religião). O seu marido a fez sofrer por trinta anos. Tiveram três filhos: dois homens e uma mulher. O mais velho era Agostinho. 

Fórmula para não brigar – As outras esposas da cidade perguntavam a Mônica porque seu marido (que era um dos homens de pior gênio) não a agredia, ao contrário os esposos delas as agrediam sem compaixão. Mônica respondeu-lhes: "É que quando meu marido está de mau humor, eu me esforço para estar de bom humor. Quando ele grita, eu me calo. E como para brigar precisam de dois e eu não aceito a briga... não brigamos". 

Santo Agostinho – Grande teólogo, filósofo, moralista, apologista e importante bispo cristão. Nasceu na região norte da África em 354 e morreu em 430, filho de Patrício e Santa Mônica. Escreveu 232 livros, além de inúmeros tratados, sermões e cartas. 

Formação – Em sua formação teve importante influência do maniqueísmo (filosofia religiosa que une elementos cristãos e pagãos com característica dualista: divide o mundo entre Bem, ou Deus, e Mal, ou o Diabo; a matéria é intrinsecamente má, e o espírito, intrinsecamente bom). Ensinou retórica nas cidades italianas de Roma e Milão. Nesta última cidade teve contato com o neoplatonismo cristão (interpretação diversificada dos ensinamentos de Platão). 

Bispo – Viveu num monastério por um tempo. Em 395, passou a ser bispo, atuando em Hipona (cidade do norte do continente africano). Escreveu diversos sermões importantes. Santo Agostinho analisava a vida levando em consideração a psicologia e o conhecimento da natureza. Porém, o conhecimento e as ideias eram de origem divina.  

Fé – Para o bispo, nada era mais importante do que a fé em Jesus e em Deus. A Bíblia, por exemplo, deveria ser analisada, levando-se em conta os conhecimentos naturais de cada época. Defendia também a predestinação, conceito teológico que afirma que a vida de todas as pessoas é traçada anteriormente por Deus.  

Obras – As obras de Santo Agostinho influenciaram muito o pensamento teológico da Igreja Católica na Idade Média. Eis algumas obras: Da Doutrina Cristã (397-426); Confissões (397-398: descreve sua vida antes da conversão); A Cidade de Deus (413-426: combate as heresias); Da Trindade (400-416); Retratações; De Magistro; Conhecendo a si mesmo. 

Frases e Pensamentos – São famosas reflexões de Santo Agostinho. Eis algumas:

- "Se dois amigos pedirem para você julgar uma disputa, não aceite, pois você irá perder um amigo. Porém, se dois estranhos pedirem a mesma coisa, aceite, pois você irá ganhar um amigo."

- "Milagres não são contrários à natureza, mas apenas contrários ao que entendemos sobre a natureza."

- "Certamente estamos na mesma categoria das bestas; toda ação da vida animal diz respeito a buscar o prazer e evitar a dor."

- "Se você acredita no que lhe agrada nos evangelhos e rejeita o que não gosta, não é nos evangelhos que você crê, mas em você."

- "Ter fé é acreditar nas coisas que você não vê; a recompensa por essa fé é ver aquilo em que você acredita."

- "A pessoa que tem caridade no coração tem sempre qualquer coisa para dar."

- "A confissão das más ações é o passo inicial para a prática de boas ações."

- "A verdadeira medida do amor é não ter medida."

- "Orgulho não é grandeza, mas inchaço. E o que está inchado parece grande, mas não é sadio."

sábado, 20 de agosto de 2011

Santa Maria, Mãe de Deus, Mãe da Igreja

A Igreja Católica define como dogma de fé que a Virgem Maria, Mãe de Deus, foi assunta à glória celeste em corpo e alma.

Santa Maria – A Virgem Maria realizou da maneira mais perfeita a obediência da fé.  Na fé, Maria acolheu o anúncio e a promessa trazida pelo anjo Gabriel, acreditando que “nada é impossível a Deus” (Lc 1,37), e dando o seu assentimento: “Eu sou a serva do Senhor; faça-se de mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38).  
 

Maria Santa – Durante toda a sua vida e até a sua última provação, quando Jesus, seu filho, morreu na cruz, sua fé não vacilou.  Maria não cessou de crer “no cumprimento” da Palavra de Deus.  Por isso a Igreja venera em Maria a realização mais pura da fé. 

Mãe de Deus – O Concílio de Trento (ano de 431) proclamou Maria como Mãe de Deus, por ter concebido em seu seio o Filho de Deus: “Mãe de Deus, não porque o Verbo de Deus tirou dela a sua natureza divina, mas porque é dela que ele tem o corpo sagrado, dotado de uma alma racional, unido ao qual, na sua pessoa, se diz que o Verbo nasceu segundo a carne”. 

Maria unida a Cristo e à Igreja – O papel de Maria para com a Igreja é inseparável de sua união com Cristo. “Esta união de Maria com seu Filho na obra da salvação manifesta-se desde a hora de sua concepção virginal até a sua morte”.  E com ânimo materno uniu-se ao seu sacrifício, consentindo, com amor, na imolação da vítima por ela gerada.  Finalmente, pelo próprio Jesus, moribundo na cruz, é dada como mãe ao discípulo, com estas palavras: “Mulher, eis aí teu filho” (Jo 19,26). 

Mãe da Igreja – Após a ascensão do seu Filho, Maria “assistiu com suas orações a Igreja nascente”.  Reunida com os apóstolos e algumas mulheres, “vemos Maria pedindo, também ela, com suas orações, o dom do Espírito Santo, o qual, na anunciação, a tinha coberto com sua sombra”.  Por isso, a bem-aventurada Virgem Maria é invocada na Igreja, sob os títulos de Advogada, Auxiliadora, Protetora, Medianeira. 

Rainha do Universo – A Imaculada Virgem, preservada de toda mancha, terminado o curso da vida terrestre, foi levada em corpo e alma à glória celeste.  E, para que mais plenamente estivesse conforme a seu Filho, Senhor dos senhores e vencedor do pecado e da morte, foi exaltada pelo Senhor como Rainha do universo. 

Maria assunta ao Céu – Em 1950, o Papa Pio XII proclamou como dogma da Igreja Católica, a Assunção da bem-aventurada Virgem Maria.  A assunção de Maria é uma participação singular na Ressurreição de seu Filho e uma antecipação da ressurreição dos cristãos. 

Mãe dos Cristãos – Todos os cristãos do mundo, de todas as épocas e de todos os lugares, a amaram, veneraram e recorreram a ela como verdadeira Mãe e poderosa intercessora.  Inúmeras cidades e povos a escolheram como Padroeira.  Arquitetos construíram-lhe grandes catedrais e lançaram-na nos obeliscos mais altos.  Poemas e artistas cantaram-na em seus poemas.  O mundo inteiro está encantado diante da beleza dessa mulher.  Ela é a Mãe de Jesus, Mãe da Igreja e nossa Mãe.

sábado, 13 de agosto de 2011

São João Batista e Herodes

          Uma das histórias mais conhecidas da Bíblia é o confronto entre São João Batista (o precursor de Cristo) e Herodes Antipas, o filho de Herodes Magno (aquele que aparece no nascimento, recebe os magos, assassina as crianças de Belém).  Vamos detalhar os fatos, usando os textos do Evangelho de Marcos (Mc 6, 17s) e as citações do historiador Flávio Josefo, no livro Antiguidades Judaicas (XVIII,5,2). 

João Batista – Era filho de Zacarias, sacerdote do Templo de Jerusalém e de Isabel (Elizabete), parente de Maria Santíssima.  Depois que Maria recebeu a notícia (do anjo) que ficaria grávida, foi visitar Isabel.  Esta, ao ver Maria, pronuncia um dos mais belos salmos da Bíblia: o Magnificat (veja em Lc 1,39-56). João Batista nasceu na cidade de Ain-Karin, distante poucos quilômetros, a sudoeste de Jerusalém (na Judéia).  Viveu como ermitão, no deserto da Judéia, até os 27 anos. Ele atraía multidões, chamando os homens para a penitência e batismo, anunciando que o Reino de Deus estava próximo. 

Herodes Antipas – Foi o filho caçula de Herodes, o Grande e da samaritana Maltace, uma das dez esposas de seu pai; nasceu por volta do ano 20 a.C. Com a morte de Herodes Magno (4 a.C.), tornou-se tetrarca (rei de uma das quatro partes do reino) da Galileia e Peréia (veja Lc 3,1).  Frequentou as melhores escolas de seu tempo, alternando o estudo com os divertimentos e a ociosidade de Roma. Casou-se com a filha de Aretas IV, o rei do perigoso povo Nabateus (da vizinha Arábia).  Tinha total confiança e simpatia do Imperador Tibério, a ponto de ser transformado em um espião, junto aos magistrados romanos no Oriente. 

O escândalo – Por volta do ano 27 d.C., em uma de suas viagens a Roma, como informante do imperador, Herodes Antipas hospedou-se na casa de seu irmão por parte de pai, Herodes Filipe (veja Mc 6,17).  Este levava uma vida discreta em Roma e havia se casado com sua sobrinha, Herodíades.  A ocasião foi favorável tanto para a ambiciosa Herodíades (que não se conformava com aquela vida obscura), como para o leviano Antipas, que se apaixonou por ela. 

A infidelidade – Os dois juraram-se fidelidade.  A pedido de Herodíades, o tetrarca prometeu repudiar a esposa assim que retornasse para a Galileia; Herodíades prometeu-lhe abandonar o marido, Filipe, e acompanhá-lo à Galileia.  A legítima esposa de Antipas, sabendo dos projetos do marido, preferiu não sofrer a humilhação do repúdio, retirando-se para a casa dos pais.  Os nabateus, vendo a filha do rei Aretas IV humilhada, invadiram as terras de Antipas, fazendo com que este perdesse toda a estima do imperador. 

A união ilegítima – Com o caminho livre, Herodíades viajou para a Galileia, levando a sua filha, a bela jovem Salomé e passou a viver com Herodes Antipas. 

A denúncia de João Batista – Todo o povo comentava o escândalo do tetrarca, que violara as leis nacionais e religiosas ao contrair aquelas segundas núpcias, que a Lei de Moisés condenava severamente (Lev 20,21).  Todos falavam, indignados, dessa união, mas, secretamente, temiam represálias.  Só o profeta do deserto, respeitado pelo povo e por Antipas (Mc 6,20), João Batista, ousou afrontar o tetrarca, denunciando a união ilegítima com Herodíades (Mc 6,18).  Temendo uma revolta popular, Antipas mandou prender João Batista na solitária e majestosa fortaleza de Maqueronte. Herodíades queria silenciar para sempre, com a morte, o austero denunciante. 

O Martírio – No dia do aniversário de Herodes, foi oferecido um banquete aos grandes da corte.  Salomé (filha de Herodíades) dançou e agradou a todos.  O rei, encantado, disse à moça: “Pede o que quiseres e eu te darei, ainda que seja a metade de meu reino”.  Em dúvida, a moça perguntou a sua mãe: “O que hei de pedir?”.  Ela respondeu: “A cabeça de João Batista”.  Salomé pediu ao rei: ”Quero que me dês num prato a cabeça de João Batista”.  Antipas, mesmo contrariado, mandou degolar João no cárcere e entregou a sua cabeça num prato, para Salomé (veja Mc 6,21-28).


Lenda – Uma antiga lenda conta que Herodíades ao ter nas mãos a cabeça de João, não pôde conter a satisfação e com um alfinete de ouro atravessou a língua que a havia censurado. 

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sábado, 6 de agosto de 2011

Uma carta escrita por Jesus?

O historiador (e bispo) Eusébio de Cesaréia escreveu, no século IV, um dos mais importantes textos históricos sobre a Igreja: trata-se do livro “História Eclesiástica”, que conta o desenvolvimento da Igreja nos três primeiros séculos (Editora Paulus, Coleção Patrística). Uma das histórias mais intrigantes é sobre o Rei Abgar (ou Abgaro), que é tratada como verdadeira por Eusébio, mas considerada como lenda por outros historiadores (H.E 1,12). 

A Lenda – Abgaro Ukkama Toparca V foi rei da cidade de Edessa (Síria), entre 4 a.C. e 7 d.C., quando foi destronado por seu irmão Mahanu IV. Diz a lenda que, por volta do ano 32 d.C., sofrendo de terrível lepra, Abgaro teria escrito uma carta a Jesus pedindo para que Ele fosse até Edessa, para curá-lo. A carta escrita por Abgaro teria sido levada a Jesus por seu emissário, Hannan. 

A Carta – “Abgaro Ukkama a Jesus, o Bom Médico que apareceu na terra de Jerusalém, saudações. Escutei falar de Ti e de Tuas curas: que Tu não fazes uso de remédios nem raízes; que, por Tua palavra, abriste os olhos de um cego, fizeste o aleijado andar, limpaste o leproso, fizeste o surdo ouvir; que por Tua palavra Tu também expulsaste espíritos daqueles que eram atormentados por demônios imundos; que, outra vez, Tu ressuscitaste o morto, trazendo-o para a vida. E, conhecendo as maravilhas que Tu fazes, concluí que das duas uma: ou Tu desceste do céu, ou mais: Tu és o Filho de Deus e por isso fizeste todas essas coisas. Por esse motivo, escrevo para Ti e rezo para que venhas até mim, que Te adoro, e cure toda a doença que carrego, de acordo com a fé que tenho em Ti. Também soube que os judeus murmuram contra Ti e Te perseguem; que buscam crucificar-Te e destruir-Te. Eu não possuo mais que uma pequena cidade, mas é bela e grande o suficiente para que nós dois vivamos em paz”. 

Resposta de Jesus – Não se sabe se a resposta de Jesus teria sido passada verbalmente a Hannan ou escrita pelo próprio Jesus. A pretensa resposta de Jesus foi fartamente difundida, chegando a ser usada como escapulário por supersticiosos. Em sua resposta, Jesus não aceita o convite, mas promete enviar um mensageiro dotado de Seu poder.  

A Resposta – “Feliz és tu que acreditaste em Mim não tendo Me visto, porque está escrito sobre Mim que 'aqueles que me verão não acreditarão em Mim, e aqueles que não me verão acreditarão em Mim'. Quanto ao que escreveste, que eu deveria ir até ti, devo cumprir todas as coisas para as quais fui enviado aqui; quando eu ascender outra vez para o Meu Pai que me enviou, e quando eu tiver ido ter com Ele, Eu te enviarei um dos meus discípulos, que curará todos os teus sofrimentos, e eu te darei saúde outra vez, e converterei todos os que estão contigo para a vida eterna. E tua cidade será abençoada para sempre, e os teus inimigos nunca a dominarão.” 

Visita de Tadeu – Depois da ascensão de Jesus, Tadeu, um dos setenta discípulos, foi enviado à Edessa, encontrando-se com o rei Abgaro e curando-o.  Tadeu também curou muitos doentes e pregou o Evangelho de Jesus Cristo. 

Lenda ou verdade – Esta lenda teve grande popularidade, tanto no oriente como no ocidente, durante a Idade Média.  A carta de Jesus era copiada em pergaminho, mármore ou metal e usada como amuleto. Na época de Eusébio, acreditava-se que as cartas originais estavam guardadas em Edessa.  Hoje, existem nos museus uma cópia na língua Síria, uma em armênio e duas versões em grego. Também, existem várias inscrições da carta de Jesus esculpidas em pedra. Uma versão completa da carta aparece no livro apócrifo “Ensinamentos de Adai” (Adai = Tadeu), que alguns estudiosos afirmam ter sido escrito na época apostólica.