quinta-feira, 26 de abril de 2018

O ENCONTRO DE PAULO COM OS APÓSTOLOS



A primeira leitura das missas deste domingo (At 9, 26-31) apresenta a chegada de Paulo em Jerusalém, depois da conversão em Damasco: Saulo procurava juntar-se aos discípulos, mas todos temiam, por não acreditarem que fosse discípulo. Barnabé tomou Saulo consigo, levou-o aos Apóstolos e contou-lhes como Saulo tinha visto o Senhor, que lhe tinha falado, e como em Damasco tinha pregado com firmeza em nome de Jesus. A partir desse dia, Saulo ficou com eles em Jerusalém e falava com firmeza no nome do Senhor.

Acontecimento importante – O capítulo nono do livro Atos dos Apóstolos é dedicado a um acontecimento muito importante na história do cristianismo: a vocação/conversão de Paulo. Tal fato é o ponto de partida para o caminho que o cristianismo vai percorrer, desde os limites geográficos do mundo judaico, até ao coração do mundo greco-romano.

Partes – A primeira parte do capítulo (At 9,1-9) apresenta os acontecimentos do “caminho de Damasco” e o decisivo encontro de Paulo com Jesus ressuscitado; a segunda (At 9,10-19a) descreve o encontro de Paulo com a comunidade cristã de Damasco; a terceira (At 9,19b-25) fala da atividade apostólica de Paulo em Damasco; e, finalmente, a quarta (At 9,26-30) mostra a forma como Paulo, depois de deixar Damasco, foi recebido pelos cristãos de Jerusalém.

Época – A maior parte dos autores pensa que a conversão de Paulo aconteceu por volta do ano 36. Depois da sua conversão, Paulo ficou três anos em Damasco, colaborando com a comunidade cristã dessa cidade. Após esse tempo, a oposição dos judeus forçou Paulo a abandonar a cidade. Assim, Paulo dirigiu-se para Jerusalém. A chegada de Paulo a Jerusalém deve ter acontecido por volta do ano 39 (Gal 1,18). O texto que nos é proposto (quarta parte) refere-se à estadia de Paulo em Jerusalém, depois de ter abandonado Damasco.

Pontos importantes – A narração de Lucas mistura elementos de carácter histórico com outros elementos de carácter teológico. Eis alguns pontos desta catequese apresentada por Lucas:

A desconfiança – da comunidade cristã de Jerusalém em relação a Paulo é um dado verosímil (histórico). Mostra-nos o quadro de uma comunidade cristã que tem alguma dificuldade em lidar com o risco, que prefere esconder-se atrás de procedimentos prudentes do que aceitar os desafios de Deus. No entanto, como o exemplo de Paulo comprova, a capacidade para correr riscos e para acolher a novidade de Deus é, muitas vezes, uma fonte de enriquecimento para a comunidade.

O esforço de Paulo – em integrar-se mostra a importância que ele dava ao viver em comunidade, à partilha da fé com os irmãos. O cristianismo não é apenas um encontro pessoal com Jesus Cristo; mas é também uma experiência de partilha da fé e do amor com os irmãos que aderiram ao mesmo projeto e que são membros da grande família de Jesus. É só no diálogo e na partilha comunitária que a experiência da fé faz sentido.

O papel de Barnabé – na integração de Paulo é muito significativo: ele não só acredita em Paulo, como consegue que o resto da comunidade cristã o aceite. Mostra-nos o papel que cada cristão pode ter na integração comunitária dos irmãos; e mostra, sobretudo, que é tarefa de cada crente questionar a sua comunidade e ajudá-la a descobrir os desafios de Deus.

O entusiasmo – com que Paulo dá testemunho de Jesus e a coragem com que ele enfrenta as dificuldades e oposições. Trata-se, aliás, de uma atitude que vai caracterizar toda a vida apostólica de Paulo. O apóstolo está consciente de que foi chamado por Jesus, que recebeu de Jesus a missão de anunciar a salvação a todos os homens; por isso, nada nem ninguém será capaz de arrefecer o seu zelo no anúncio do Evangelho.

A pregação cristã – promove o conflito com os poderes de morte e de opressão, interessados em perpetuar os mecanismos de escravidão. A fidelidade ao Evangelho e a Jesus provoca sempre a oposição do mundo. O caminho do discípulo de Jesus é sempre um caminho marcado pela cruz (não é um caminho de morte, mas de vida).

Resumindo – Um elemento que está sempre presente no horizonte da catequese de Lucas: é o Espírito Santo que conduz a Igreja na sua marcha pela história. É o Espírito que lhe dá estabilidade (“como um edifício”), que lhe alimenta o dinamismo (“caminhava no temor do Senhor”) e que a faz crescer (“ia aumentando”). A certeza da presença e da assistência do Espírito Santo deve fundamentar a nossa esperança.

sábado, 21 de abril de 2018

O BOM PASTOR




O capítulo 10 do 4º Evangelho é dedicado à catequese do “Bom Pastor”. O autor utiliza esta imagem para propor uma catequese sobre a missão de Jesus: a obra do “Messias” consiste em conduzir o homem às pastagens verdejantes e às fontes cristalinas de onde brota a vida em plenitude.

A imagem do “Bom Pastor” – não foi inventada pelo autor do 4º Evangelho. Literariamente falando, este discurso simbólico está construído com materiais provenientes do Antigo Testamento. Em especial, este discurso tem presente Ez 34 (onde se encontra a chave para compreender a metáfora do “pastor” e do “rebanho”). Falando aos exilados da Babilónia, Ezequiel constata que os líderes de Israel foram, ao longo da história, maus “pastores”, que conduziram o Povo por caminhos de morte e de desgraça; mas – diz Ezequiel – o próprio Deus vai agora assumir a condução do seu Povo; Ele porá à frente do seu Povo um “Bom Pastor” (o “Messias”), que o livrará da escravidão e o conduzirá à vida. A catequese que o 4º Evangelho nos oferece sobre o “Bom Pastor” sugere que a promessa de Deus – veiculada por Ezequiel – se cumpre em Jesus.

Denúncia – O contexto em que João coloca o “discurso do Bom Pastor” é um contexto de polêmica entre Jesus e alguns líderes judaicos, principalmente fariseus (Jo 9,40; 10,19-21.24.31-39). Depois de ver a pressão que os líderes judaicos colocaram sobre o cego de nascença para que ele não abraçasse a luz (Jo 9,1-41), Jesus denuncia a forma como esses líderes tratam o povo: eles estão apenas interessados em proteger os seus interesses pessoais e usam o Povo em benefício próprios; são, pois, “ladrões e salteadores” (Jo 10,1.8.10), que se apossam de algo que não lhes pertence e roubam ao seu povo qualquer possibilidade de vida e de libertação.

Pastor modelo – O nosso texto começa com uma afirmação precisa, posta na boca de Jesus: “Eu sou o Bom Pastor”. O adjetivo “bom” deve, neste contexto, entender-se no sentido de “modelo”, de “ideal”: “Eu sou o modelo de pastor, o pastor ideal”. E Jesus explica, logo em seguida, que o “pastor modelo” é aquele que é capaz de se entregar a si mesmo para dar a vida às suas ovelhas. Depois da afirmação geral, Jesus põe em paralelo duas figuras de pastor: o “pastor mercenário” e o “verdadeiro pastor”.

Dois tipos – Aquilo que distingue o “verdadeiro pastor” do “pastor mercenário” é a diferente atitude diante do “lobo”. O “lobo” representa, nesta “parábola”, tudo aquilo que põe em perigo a vida das ovelhas: os interesses dos poderosos, a opressão, a injustiça, a violência, o ódio do mundo.

O “pastor mercenário” – é o pastor contratado por dinheiro. O rebanho não é dele e ele não ama as ovelhas que lhe foram confiadas. Limita-se a cumprir o seu contrato, fugindo de tudo aquilo que o pode pôr em perigo a ele próprio e aos seus interesses pessoais. Limita-se a cumprir determinadas obrigações, sem que o seu coração esteja com o rebanho. Ele tem uma função de enquadrar o rebanho e de o dirigir, mas a sua ação é sempre ditada por uma lógica de egoísmo e de interesse. Por isso, quando sente que há perigo, abandona o rebanho à sua sorte, a fim de salvaguardar os seus interesses egoístas e a sua posição.

O verdadeiro pastor – é aquele que presta o seu serviço por amor e não por dinheiro. Ele não está apenas interessado em cumprir o contrato, mas em fazer com que as ovelhas tenham vida e se sintam felizes. A sua prioridade é o bem das ovelhas que lhe foram confiadas. Por isso, ele arrisca tudo em benefício do rebanho e está, até, disposto a dar a própria vida por essas ovelhas que ama. Nele as ovelhas podem confiar, pois sabem que ele não defende interesses pessoais mas os interesses do seu rebanho.

Jesus – é o modelo do verdadeiro pastor. Ele conhece cada uma das suas ovelhas, tem com cada uma relação pessoal e única, ama cada uma, conhece os seus sofrimentos, dramas, sonhos e esperanças. Esta relação que Jesus, o verdadeiro pastor, tem com as suas ovelhas é tão especial, que Ele até a compara à relação de amor e de intimidade que tem com o próprio Deus, seu Pai. É este amor, pessoal e íntimo, que leva Jesus a pôr a própria vida ao serviço das suas ovelhas, e até a oferecer a própria vida para que todas elas tenham vida e vida em abundância. Quando as ovelhas estão em perigo, Ele não as abandona, mas é capaz de dar a vida por elas.

Projeto – Finalmente, Jesus explica que a sua missão se insere no projeto do Pai para dar vida aos homens. Jesus assume esse projeto do Pai e dedica toda a sua vida terrena a cumprir essa missão que o Pai lhe confiou. O que O move não é o seu interesse pessoal, mas o cumprimento da vontade do Pai. Ao dar a sua vida, Jesus está consciente de que não perde nada. Quem gasta a vida ao serviço do projeto de Deus, não perde a vida, mas está construindo para si e para o mundo a vida eterna e verdadeira.

sexta-feira, 6 de abril de 2018

TOMÉ, SÍMBOLO DA INCREDULIDADE


  
Quem era Tomé – Homem de personalidade marcante, obstinado, teimoso e até certo ponto, incrédulo. O Evangelho de João nos dá a maior parte das informações que temos desse que é conhecido como o discípulo da incredulidade. O termo hebraico Tomé significa Gêmeo, assim como a palavra grega Dídimo, pela qual o apóstolo também era chamado (Jo 11,16; 20,24; 21,2). Tudo faz crer (Jo 21,1-4) que ele era pescador, como tantos outros apóstolos de Jesus. Eusébio, notável historiador cristão do 4º século, afirma que o nome do apóstolo era Judas Tomé.

Tomé, homem de coragem – A coragem e altruísmo (amor ao próximo) de Tomé podem ser vistos em Jo 11,1-16. Lázaro, o grande amigo de Jesus, estava enfermo. Jesus declara que essa enfermidade era para a glória de Deus, como de fato o foi. Depois de dois dias, Jesus mostrou seu desejo de ir à Judéia. Os discípulos reagiram. “Rabi, ainda agora os judeus procuraram apedrejar-te e tornas para lá?”. “Disse então Tomé, chamado Dídimo: Vamos nós também, para morrermos com Ele”. Foi um rasgo de bravura, coragem, altruísmo, lealdade. Nem sempre lembramos esse episódio lindo, na vida marcante do apóstolo Tomé.

Tomé e suas dúvidas – Em Jo 14,5 Tomé questiona: “Senhor, não saberemos para onde vais, como saber o caminho?”. Não só Tomé, como os discípulos, de um modo geral, não sabiam o destino do Mestre. A franqueza de Tomé permitiu um dos pronunciamentos mais fortes e contundentes de Jesus. “Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ni
nguém vem ao Pai, senão por mim”.

Apóstolos incrédulos – O demérito da incredulidade na ressurreição não foi exclusivo de Tomé, embora os séculos assim o tenham consolidado. Vejam-se como os discípulos reagiram à notícia de Maria Madalena: “Estes, ouvindo que Ele vivia e que fora visto por ela, não acreditaram.” (Mc. 16,11); “Tais palavras lhes pareciam delírio, e não acreditaram nelas” (Lc 24,11); “Finalmente, apareceu Jesus aos onze, quando estavam à mesa e censurou-lhes a incredulidade e dureza de coração, porque não deram crédito aos que o tinham visto já ressuscitado” (Mc 16,14).

Incredulidade e Medo – Realmente, não era fácil aceitar, de pronto, a ressurreição de Jesus. Veja-se o caso dos discípulos de Emaús (Lc 24,13). Tudo faz crer que os discípulos, de um modo geral, não creram na ressurreição do Mestre. A descrença de Tomé não era diferente dos outros discípulos. Todos estavam mergulhados na incerteza, no medo e no desamparo. O pavor era tal que os apóstolos estavam em uma casa fechada, confusos (Jo 20,19), tomados pelo pavor de uma potencial perseguição dos líderes religiosos judaicos (Jo 18,19).

A aparição sem Tomé – João deixa claro que a aparição do Senhor foi miraculosa, sem qualquer explicação lógica. “As portas estavam cerradas” e Jesus se lhes apresentou, de surpresa. Tomé estava ausente do grupo, quando Jesus apareceu. Foi incisivo nas suas declarações: “Se eu não vir os sinais dos cravos em suas mãos e não meter o dedo no lugar dos cravos e não meter a minha mão no seu lado, de maneira nenhuma o crerei.” (Jo 20,25). Mais forte do que isso, impossível.

Aparição com Tomé – É curioso notar que a incredulidade de Tomé permitiu se registrassem duas notáveis declarações, uma de Jesus e outra do próprio Tomé: “Não sejas incrédulo, mas crente” (Jo 20,27); “Meu Senhor e meu Deus” (Jo 20,28). Ela se assemelha às de Pedro: “Tu és o Cristo, Filho do Deus vivo” (Mt 16,16) e “Senhor, para quem iremos nós? ... bem sabemos que tu és o Santo de Deus” (Jo 6, 67-69).

Profissão de fé – As palavras com que Tomé expressa seu júbilo e sua confiança no Cristo ressurreto estão impregnadas de um profundo conteúdo teológico.

sábado, 31 de março de 2018

ELE VIU E ACREDITOU




Neste domingo celebramos a Páscoa cristã. O texto do Evangelho lido nas missas é padrão para esta comemoração: Jo 20,1-9.

Novo tempo – O texto começa com uma indicação aparentemente cronológica, mas que deve ser entendida sobretudo em chave teológica: “no primeiro dia da semana”. Significa que começou um novo ciclo – o da nova criação, o da Páscoa definitiva. Aqui começa um novo tempo, o tempo do homem novo, que nasce a partir da doação de Jesus.

Madalena – A primeira personagem em cena é Maria Madalena: ela é a primeira a dirigir-se ao túmulo de Jesus (ainda o sol não tinha nascido), na manhã do “primeiro dia da semana”. Ela representa a nova comunidade, que nasceu da ação criadora e vivificadora do Messias; essa nova comunidade, testemunha da cruz, inicialmente acredita que a morte triunfou e vai procurar Jesus no sepulcro: é uma comunidade perdida, desorientada, insegura, desamparada, que ainda não conseguiu descobrir que a morte foi derrotada; mas, diante do sepulcro vazio, a nova comunidade apercebe-se de que a morte não venceu e que Jesus continua vivo.

Discípulos – Na seqüência, o autor do quarto Evangelho apresenta uma catequese sobre a dupla atitude dos discípulos diante do mistério da morte e da ressurreição de Jesus. Essa dupla atitude é expressa no comportamento de dois discípulos que, na manhã da Páscoa, correm ao túmulo de Jesus: Simão Pedro e um “outro discípulo” não identificado (mas que parece ser o “discípulo amado”, apresentado no Quarto Evangelho como modelo ideal do discípulo).

Discípulo Amado – O autor coloca estas duas figuras lado a lado em várias circunstâncias: na última ceia, é o “discípulo amado” que percebe quem está do lado de Jesus e quem O vai trair (Jo 13,23-25); na paixão, é ele que consegue estar perto de Jesus no átrio do sumo sacerdote, enquanto Pedro O trai (Jo 18,15-18.25-27); é ele que está junto da cruz quando Jesus morre (Jo 19,25-27); é ele quem reconhece Jesus ressuscitado nesse vulto que aparece aos discípulos no lago de Tiberíades (Jo 21,7). Nas outras vezes, o “discípulo amado” levou sempre vantagem sobre Pedro. Aqui, isso irá acontecer outra vez: o “outro discípulo” correu mais e chegou ao túmulo primeiro que Pedro (o fato de se dizer que ele não entrou logo pode querer significar a sua deferência e o seu amor, que resultam da sua sintonia com Jesus); e, depois de ver, “acreditou” (o mesmo não se diz de Pedro).

Morte e ressurreição - Provavelmente, o autor do Quarto Evangelho quis descrever, através destas figuras, o impacto produzido nos discípulos pela morte de Jesus e as diferentes disposições existentes entre os membros da comunidade cristã. Em geral Pedro representa, nos Evangelhos, o discípulo obstinado, para quem a morte significa fracasso e que se recusa a aceitar que a vida nova passe pela humilhação da cruz (Jo 13,6-8.36-38; 18,16.17.18.25-27; cf. Mc 8,32-33; Mt 16,22-23). Ao contrário, o “outro discípulo” é o “discípulo amado”, que está sempre próximo de Jesus, que faz a experiência do amor de Jesus; por isso, corre ao seu encontro de forma mais decidida e “percebe” – porque só quem ama muito percebe certas coisas que passam despercebidas aos outros – que a morte não pôs fim à vida.

Homem Novo – Esse “outro discípulo” é, portanto, a imagem do discípulo ideal, que está em sintonia total com Jesus, que corre ao seu encontro com um total empenho, que compreende os sinais e que descobre (porque o amor leva à descoberta) que Jesus está vivo. Ele é o paradigma do Homem Novo, do homem recriado por Jesus.

Que a mensagem da Ressurreição, da vitória da vida sobre a morte, nos anime e dê força, especialmente quando a Cruz pesar muito em nossas vidas.

sexta-feira, 23 de março de 2018

Qual a distância que Jesus carregou a cruz?




Na leitura da Paixão de Cristo, todos os cristãos ficam impressionados com o sofrimento de Jesus ao carregar a cruz. Vamos detalhar o que aconteceu.

Condenação – Jesus foi condenado à morte por crucificação pelo Tribunal Romano, na Fortaleza Antônia, próxima ao Templo. Para iniciar a caminhada até o monte Gólgota (ou monte Calvário), a chamada “Via Crucis”, os três condenados (Jesus e os dois ladrões) foram preparados para carregar as cruzes.

A cruz – A Cruz é um antigo instrumento bárbaro de suplício, usado por vários povos para executar os condenados a morte. Era constituída de duas partes: uma haste vertical de aproximadamente 3,5 metros de comprimento, denominada “estipe”, que era cravada a um metro de profundidade no local da crucificação. A parte horizontal da cruz, uma haste chamada “patíbulo”, tinha cerca de 2,20 metros de comprimento e pesava aproximadamente 35 quilos. Os condenados transportavam somente o patíbulo nas costas, o que causava graves ferimentos na nuca, e os estipes ficavam fixadas no monte Calvário, aguardando a chegada dos condenados. Portanto, não são reais as representações artísticas de Jesus carregando as duas partes da cruz (estipe e patíbulo).

Crucificação – Chegando no monte Calvário, colocavam o "patíbulo" no chão e deitavam o réu sobre ele, fixando os seus pulsos. A seguir, com forquilhas de madeira, levantavam o patíbulo (com o crucificado), fixando-o no estipe. Cabe lembrar que nenhum dos quatro Evangelhos menciona que Jesus tenha sido fixado na cruz com pregos (ou cravos). O mais comum no Império Romano era amarrar os pés e as mãos do crucificado com cordas. A indicação de que Jesus teria sido pregado na cruz vem da descrição da aparição de Jesus aos apóstolos (Jo 20,25), quando se fala em sinais deixados pelos pregos.

Tipos de cruzes – Havia vários tipos de cruzes para a crucificação. A mais usada era a “cruz comissa” (crux commissa), em que o patíbulo era colocado sobre o estipe, formando um “T”. Na crucificação de Jesus foi usada a cruz imissa (crux immissa), em que uma parte do estipe fica acima do patíbulo, onde havia espaço para uma inscrição (Mt 27.37).

Via crucis A cidade de Jerusalém foi destruída durante a Guerra Judaica (66 a 73 d.C.). Na atualidade, é muito difícil estabelecer um trajeto preciso, por onde Jesus passou com a cruz, até o monte Calvário. O traçado das ruas é bastante diferente da época da ocupação Romana de Jerusalém. Se considerarmos que Jesus saiu da Fortaleza Antônia, passou pelo portão de Damasco para chegar ao Calvário, hoje, a distância seria de 595 metros. Alguns autores fixam esta distância, no tempo de Jesus, entre 500 e 600 metros.

Não é bem assim – Mas Jesus não carregou a cruz em todo o percurso. De acordo com os Evangelhos Sinóticos, Simão de Cirene foi obrigado pelos soldados romanos a carregar a cruz de Jesus Cristo até o Gólgota (Mt 27, 32; Mc 15, 22; Lc 23, 26). O Evangelho de João nega o episódio, dando ênfase à ideia de que Jesus teria carregado a cruz sozinho até o monte. De acordo com os evangelistas Marcos e Lucas, Simão era oriundo de Cirene, cidade do Norte de África (atual Líbia), distante 1.200 km de Jerusalém. Simão era pai de Alexandre e Rufo (Marcos 15, 21), sendo representado como um negro ao ser identificado com o Simão de At 13,1. Rufo teria seguido os apóstolos, sendo citado por Paulo em Rom 16,13. Alexandre teria repudiado a pregação do Evangelho (1Tim 1,19-20; 2Tim 4,14).

Quantos metros? – Como não sabemos em que ponto do trajeto houve o encontro com Simão, vamos supor que Jesus carregou a cruz até o portão de Damasco. Neste local, onde havia uma maior concentração de pessoas, Jesus caiu pela segunda vez, fazendo parar o cortejo. Neste ponto, os soldados convocaram a ajuda de Simão (Cirineu). Com esta suposição, Jesus teria carregado a cruz entre 400 e 450 metros, deixando o restante do percurso até o Calvário (150 a 200 metros) para Simão.

QUER SABER MAIS – Se você gostou do assunto e quer saber mais, podemos lhe oferecer mapas da cidade de Jerusalém no tempo de Jesus, com os possíveis trajetos da “Via Crucis”. Solicite por E-mail.

sábado, 10 de março de 2018

Jesus e Nicodemos




A leitura do Evangelho deste domingo apresenta somente uma parte (Jo 3, 14-21) do longo diálogo entre Cristo e Nicodemos, um dos homens mais ricos de Jerusalém. Vale a pena saber quem foi Nicodemos e conhecer como a conversa com Jesus se inicia.

Mestre da Lei – Nicodemos, cujo nome significa “vencedor do povo”, era um importante fariseu, um dos três homens mais ricos de Jerusalém. É possível que se trate do “filho de Gorion” e que teria morrido durante a guerra judaico-romana do ano 70, depois que os zelotes saquearam as suas propriedades. É citado três vezes no Evangelho de João. Nicodemos quis conhecer Jesus e interrogá-lo, depois de ter ficado impressionado com o que ele dizia e fazia.

A visita – A sua condição social e a sua formação intelectual (era fariseu) lhe haviam aconselhado certa reserva em relação a Jesus e, por isso, decidira ver o Nazareno de noite, longe dos olhares indiscretos, na penumbra iluminada por uma lamparina. A conversa foi longa, talvez tenha durado a noite toda, embora o evangelista nos tenha relatado somente as passagens mais importantes.

Nascer de novo – Nicodemos começa o seu discurso reconhecendo que a origem da missão de Jesus não podia ser humana: “Sabemos que és um mestre mandado por Deus...”. Na resposta, há uma referência a essa consideração. “Jesus respondeu: Na verdade, na verdade te digo, se o homem não renasce do alto, não pode ver o reino de Deus”. Mas Nicodemos parece não se dar conta do significado oculto na frase de Jesus e, talvez para provocá-lo a explicar-se e a falar mais, finge ser obtuso de mente: “Como pode um homem nascer, quando já é velho?”, pergunta. “Por acaso ele pode entrar uma segunda vez no seio de sua mãe e renascer?”.

Sopro de Vento – O Nazareno responde fazendo com que o fariseu retorne à condição de um aluno iniciante e lhe explica que alguém não pode ver o reino de Deus se nele já não foi introduzido, e isso não é resultado do esforço ou do talento humano: “Em verdade, em verdade te digo, se alguém não nasce da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus”. Em hebraico, a palavra “espírito” queria dizer também “sopro de vento”, e esse duplo significado permite que Jesus se explique: embora invisível e intocável, o vento é real. Assim também o Espírito não pode ser controlado ou manipulado com argumentos humanos.
 
Testemunho – Na penumbra mal-iluminada pela lamparina, Nicodemos replica: “Como isso pode acontecer?”. Cristo responde: “Tu és mestre em Israel e desconheces tais coisas? Na verdade, na verdade, te digo, nós falamos daquilo que sabemos e testemunhamos o que vimos; mas vós não acolheis nosso testemunho. Se vos falo de coisas terrenas e não credes, como havereis de crer quando vos falar das coisas do céu?”.
 
Repercussão – Apesar daquele encontro noturno, Nicodemos não se torna um verdadeiro discípulo, um seguidor do Nazareno. Entretanto, a fala de Jesus “Quem pratica o mal odeia a luz e não se aproxima da luz, para que suas ações não sejam denunciadas. Mas, quem age conforme a verdade, aproxima-se da luz, para que se manifeste que suas ações são realizadas em Deus” impressionaram o rico mestre israelita, pois ele aparece outras duas vezes, demonstrando ter ficado, de algum modo, impactado com Jesus. No fundo, ele não se contentara em ouvir dizer, quis verificar pessoalmente a proposta de Jesus, confrontar-se cara a cara com ele. Quis ir ao fundo do anúncio daquele estranho profeta; decidiu procurá-lo, embora secretamente. Não abandonara os seus cargos nem o seu prestigioso posto. Mas o encontro deixara nele uma marca. As palavras do Mestre certamente o atingiram.
 
No Sinédrio – O reencontramos nos dias da última Páscoa em Jerusalém, quando o Sinédrio se divide a respeito da captura do homem que dentro em breve seria pregado na cruz. Os sumos sacerdotes fariseus criticavam os guardas porque não tinham conseguido aprisionar o Nazareno (Jo 7,47). Nicodemos, lembrando-se daquele distante colóquio noturno, sob o claridade da lamparina, levanta-se e intervém com sua autoridade em defesa do acusado: “Por acaso a nossa Lei permite julgar um homem sem antes ouvi-lo e sem sabermos o que ele faz?”.
 
Mirra e aloé – O último e breve aparecimento de Nicodemos se dá no pior momento da dor e da piedade, quando o corpo de Jesus é retirado da cruz por José de Arimatéia para ser levado ao sepulcro. “Compareceu também Nicodemos, aquele que anteriormente havia procurado Jesus à noite, e levou uma mistura de cerca de cem libras de mirra e aloé.” (Jo 19,39). Também a partir desse último gesto, descrito pelo Evangelho, se intui que o seu coração havia sido tomado secretamente por Jesus, por aquele Nazareno que, depois de algumas horas, sairia do sepulcro, vitorioso para sempre.

sexta-feira, 2 de março de 2018

JESUS E O TEMPLO



O episódio apresentado no Evangelho deste domingo (Jo 2,13-25) mostra Jesus numa cena pouco comum: usando um chicote, ele expulsa os vendedores do Templo e discute com os judeus sobre a destruição do Templo.

O Templo – A cena acontece na Páscoa, março do ano 28 d.C., no Templo de Jerusalém. Trata-se do majestoso edifício construído por Herodes, para demonstrar as suas boas disposições para com o culto a Deus e conseguir a benevolência dos judeus. A construção do Templo iniciou-se em 19 a.C. e ficou pronta no ano 9 d.C. (embora os trabalhos só tivessem sido dados por concluídos em 63 d.C.). No início do ano 28 d.C., o Templo estava no seu 46º ano de construção e ainda não estava terminado, conforme a observação que os dirigentes judeus fizeram a Jesus (Jo 2,20).

Páscoa do ano 28 – João situa o episódio nos dias que antecedem a festa da Páscoa. Era a época em que as grandes multidões se concentravam em Jerusalém, para celebrar a principal festa do calendário religioso judaico. Jerusalém, que normalmente teria por volta de 55.000 habitantes, chegava a ter 125.000 peregrinos nessa ocasião. No Templo, durante a Páscoa, sacrificavam-se cerca de 18.000 cordeiros.

Comércio – Nesta época, o comércio relacionado com o Templo era muito grande. Três semanas antes da Páscoa, começava a emissão de licenças para a instalação dos postos comerciais em volta do Templo. O dinheiro arrecadado com a emissão dessas licenças era direcionado ao sumo-sacerdote. Havia tendas de venda que pertenciam diretamente à família do sumo-sacerdote. Os animais eram vendidos para os sacrifícios e vários outros produtos destinavam-se à liturgia do Templo. Havia também, as tendas dos cambistas, os quais trocavam moedas romanas correntes por moedas judaicas (os tributos dos fiéis para o Templo eram pagos em moeda judaica, pois ali não eram permitidas moedas com a efígie de imperadores pagãos). Este comércio era de grande importância para a economia da cidade e sustentava a nobreza sacerdotal, o clero e os empregados do Templo.

Gesto profético – Os profetas tinham criticado os sacrifícios que Israel oferecia a Deus, considerando-os como ritos estéreis, vazios e sem significado (não representavam amor a Deus). Também, acreditavam que a chegada do Messias estava ligada à purificação e à moralização do culto prestado a Deus no Templo. O profeta Zacarias liga, explicitamente, o “dia do Senhor” (vinda do Messias) com a purificação do culto e a eliminação dos comerciantes que estão “no Templo do Senhor do universo” (Zac 14,21).

O Messias – O comportamento de Jesus no Templo deve ser visto conforme estas profecias. Quando Jesus pega no chicote de cordas e expulsa do Templo os vendedores de ovelhas, bois e pombas, acaba com o lucro dos banqueiros e derruba as mesas dos cambistas (v. 14-16); concretamente, está se revelando como “o messias” e anunciando a chegada de novos tempos, os tempos messiânicos.

O Culto – No entanto, Jesus vai bem mais além dos profetas. Ao expulsar do Templo também, as ovelhas e os bois que serviam para os ritos sacrificais que Israel oferecia a Deus, Jesus mostra que não propõe apenas uma reforma, mas a abolição do próprio culto. O culto prestado a Deus no Templo de Jerusalém era algo sem sentido: ao transformar a casa de Deus num mercado, os líderes judaicos tinham suprimido a presença de Deus. Jesus, o Filho, com a autoridade que Lhe vem do Pai, diz um claro “basta” a uma mentira com a qual Deus não pode continuar a pactuar: “não façais da casa de meu Pai casa de comércio” (v. 16).

Três dias – Os líderes judaicos ficam indignados. Qual a autoridade de Jesus para abolir o culto oficial prestado a Deus? A resposta de Jesus é estranha: “destruí este Templo e Eu o reconstruirei em três dias” (v. 19). O evangelista deixa claro que Jesus não se referia ao Templo de pedra, onde Israel celebrava os seus ritos litúrgicos, mas a outro “Templo”, que é o próprio Jesus (o seu corpo). O que é que isto significa? Jesus desafia os líderes que o questionaram a suprimir o Templo que é Ele próprio, mas deixa claro que, três dias depois, esse Templo estará outra vez erigido no meio dos homens. Jesus se refere à sua ressurreição, garantia que Ele vem de Deus e que a sua atuação tem o “selo de garantia” de Deus.

Novo Templo – No entanto, o mais notável aqui, é que Jesus se apresenta como o “novo Templo”. O Templo representava, no universo religioso judaico, a residência de Deus, o lugar onde Deus se revelava e onde se tornava presente no meio do seu Povo. Jesus é, agora, o lugar onde Deus reside, onde se encontra com os homens e onde se manifesta ao mundo. É através de Jesus que o Pai oferece aos homens o seu amor e a sua vida. Aquilo que a antiga Lei já não conseguia fazer – estabelecer relação entre Deus e os homens – é Jesus que, a partir de agora, o faz.