sábado, 23 de setembro de 2023

GRATUIDADE E JUSTIÇA

  


No Evangelho das missas deste domingo (Mt 10,1-16), o evangelista Mateus apresenta um texto de difícil interpretação, conhecida como a parábola dos operários da vinha.

 Chamado – Naquela época as pessoas que queriam trabalhar se reuniam por volta das seis da manhã nas praças das cidades a espera de alguma oferta de trabalho para o dia. O proprietário da vinha ofereceu um denário romano como pagamento aos trabalhadores. Essa moeda era usada como pagamento da diária de um trabalhador comum. Ao longo do dia, esse proprietário recrutou outros trabalhadores para sua vinha (às 09:00, 12:00, 15:00 e 17:00 horas). Ao anoitecer, os trabalhadores foram chamados diante do senhor, a fim de receberem a paga do trabalho, e todos (até os que trabalhado apenas uma hora) receberam o mesmo valor: um denário. Isto gerou indignação nos trabalhadores da primeira hora.

 A resposta final – O dono da vinha afirma que ninguém tem nada a reclamar se ele decide derramar a sua justiça e a sua misericórdia sobre todos, sem exceção. Ele cumpre as suas obrigações para com aqueles que trabalham com ele desde o início; não poderá ser bondoso e misericordioso para com aqueles que só chegam ao fim? Isso em nada deveria afetar os outros…

 Mensagem – A parábola é dirigida às comunidades de judeus que aderiram ao cristianismo e que não admitiam que, no cristianismo, os pagãos se considerassem eleitos de Deus (assim como eles próprios se consideravam) conforme sua tradição do Primeiro Testamento. Assim, na parábola os trabalhadores de última hora (os gentios), ao receberem seu pagamento, são tratados em pé de igualdade com os primeiros que vieram trabalhar na vinha (o povo de Israel).

 Sustento da vida – O texto nos ensina que a lógica do Reino não é a lógica da sociedade vigente. Na nossa sociedade, uma pessoa vale pelo que produz – logo, quem não produz não tem valor. Assim, se faz pouco caso do idoso, aposentado, doente, portador de deficiência... Na parábola, o patrão (símbolo do Pai) usa como critério de pagamento, não a produção, mas o sustento da vida – também o trabalhador da última hora precisa sustentar a família e por isso recebe o valor suficiente, um denário.

 Trabalho – Pode-se analisar nestas imagens o significado do trabalho. O trabalho não é mercadoria que se vende, avaliado pela quantidade da produção que dele resultou. O trabalho é o meio de subsistência das pessoas e da família, bem como é serviço à comunidade, pela partilha de seus frutos. Todos têm direito ao essencial para a sua sobrevivência. Na parábola, a todos foi dado o necessário para a sobrevivência de um dia, independentemente da quantidade de sua produção. A venda do fruto do trabalho por um salário é uma alienação da dignidade do trabalhador. É vender uma parte do seu ser, de seu próprio corpo, do fruto de seu trabalho, para a acumulação de riqueza e prazer do patrão.

 Valores – O Reino de Deus tem valores diferentes da sociedade neoliberal do nosso tempo - a vida é o critério, não a produção. Por isso, quem procura vivenciar os valores do Reino estará na contramão da sociedade dominante. O texto nos convida a imitar o Pai do Céu, lutando por novas relações na sociedade e no trabalho, baseadas no valor da vida, não na produção e consumo. O critério é a gratuidade de Deus Pai, pois tudo o que temos recebemos  Dele e, sendo todos seus filhos amados, a comunidade cristã não pode discriminar pessoas, por qualquer motivo que seja.

sábado, 9 de setembro de 2023

Você conhece a “Epístola de Paulo aos Laodicenses”?

  


Se você conhece um pouco a Bíblia, deve ter estranhado o título acima, pois deve se lembrar que o Apóstolo Paulo escreveu 13 cartas (ou Epístolas): aos Romanos, 1ª e 2ª aos Coríntios, aos Gálatas, aos Efésios, aos Filipenses, aos Colossenses, 1ª e 2ª aos Tessalonicenses, 1ª e 2ª a Timóteo, a Filemon e a Tito. Mas, de uma Carta aos Laodicenses (cristãos da cidade de Laodicéia) você nunca dever ter ouvido falar...

 Explicando... – No final de sua missão, Paulo permaneceu na cidade de Éfeso (Ásia Menor) por três anos (At 20, 31). Nesta ocasião, enviou o discípulo Epafras às cidades de Colossas, Laodicéia e Hierápolis (estas cidades distam menos de 20 km entre si) para estabelecer comunidades cristãs. Paulo, entretanto, nunca visitou essas cidades (Col 2,1).

 Evidência – Entre os anos de 55 e 57, quando estava preso, Paulo enviou uma carta aos cristãos de Colossos (Carta aos Colossences, conhecida de todos nós, pois faz parte de nossas Bíblias), na qual faz referência a uma epístola enviada aos cristãos de Laodicéia: “Saúdem os irmãos de Laodicéia, como também Ninfas e a Igreja que se reúne na casa dele. Depois de vocês lerem esta carta, façam que seja lida também na Igreja de Laodicéia. E vocês, leiam a de Laodicéia”. (Col 4,15-16).

 Laodicéia – A Cidade de Laodicéia era localizada na província romana da Frígia, no oeste da Ásia Menor, Laodicéia foi fundada por Antíoco II (261-246 a.C.), que lhe deu este nome em honra de sua mulher, Laodice. Cidade famosa na época de Cristo, por produzir lã e roupas, também era conhecida em todo o mundo oriental por produzir o “pó frígio” – um pó medicinal utilizado para os males dos olhos. Tornou-se tão rica que, quando foi destruída em 60 d.C. por um tremor de terra, os seus cidadãos recusaram a ajuda de Roma e a reconstruíram com os seus próprios recursos. Isso deu fama aos seus cidadãos de soberbos e orgulhosos.

 Apocalipse – A cidade é citada no Livro do Apocalipse (Ap 3,14-22), com repreensões à sua riqueza e ao orgulho de seus cidadãos, que acabaram se afastando dos ensinamentos recebidos e passaram a ser considerados apóstatas. “Você diz: ‘Sou rico! E agora que sou rico, não preciso de mais nada'. Pois então escute: Você é infeliz, miserável, pobre, cego e nu. E nem sabe disso. Quer um conselho? Quer mesmo ficar rico? Então compre o meu ouro, ouro puro, derretido no fogo. Quer se vestir bem? Compre minhas roupas brancas, para cobrir a vergonha da sua nudez. Está querendo enxergar? Pois eu tenho o colírio para seus olhos. Quanto a mim, repreendo e educo todos aqueles que amo. Portanto, seja fervoroso e mude de vida!” (Ap 3, 17-19).

 Hipóteses – O conteúdo da Carta de Paulo aos laodicenses, entretanto, perdeu-se. Na investigação do texto de Paulo aos colossenses, é possível levantar algumas suposições do que poderia ter acontecido à carta endereçada aos laodicenses.

 Carta Circular – A primeira hipótese é que Paulo tenha escrito uma “carta circular”, ou seja, uma carta sem destinatário, enviada às Igrejas da região da cidade de Éfeso. Mais tarde, esta carta circular se transformou na “Epístola aos Efésios”, com a inserção das palavras “em Éfeso” no primeiro versículo do texto (Ef 1,1). As cópias mais antigas da “Carta aos Efésios” (Códices Sinaítico e Vaticano) não têm as palavras “em Éfeso”.

 Troca do nome aos destinatários – Outra suposição é que a carta original havia sido endereçada aos laodicenses, mas, por causa do seu afastamento da Igreja (Ap 3,14-22), os copistas omitiram o nome de Laodicéia e colocaram os efésios como receptores da carta.

 Texto com 20 versículos – No século III, apareceu nas comunidades cristãs um texto intitulado “Epístola de Paulo aos Laodicenses” que, por quase mil anos, gozou de grande estima por parte dos cristãos. O texto não consta de nossas Bíblias e compõe-se apenas um capítulo com 20 versículos. A Carta aparece em documentos da Igreja como a Vulgata Latina (São Jerônimo), no Cânon de Muratori (ano 170), de Fulda (ano 546) e nos Códices Sinaítico e Vaticano.

 QUER SABER MAIS? – Se você se interessou pela “Carta de São Paulo aos Laodicenses” e quer ler o texto, solicite por E-mail que lhe enviaremos o texto completo com comentários.

domingo, 3 de setembro de 2023

Renuncie a si mesmo

 


O Evangelho das missas deste domingo (Mt 16,21-27) vem na sequência daquele que lemos e refletimos no domingo passado. Nele, lá no Norte da Galileia, perto das nascentes do rio Jordão, em Cesareia de Filipe, Jesus fez uma pergunta bastante inocente: "quem dizem os homens que eu sou?” Aparecem inúmeras respostas, pois esta pergunta não compromete ninguém. Mas a segunda pergunta traz a “facada”: “E vocês, quem dizem que eu sou?” Agora não aparecem muitas respostas, pois quem responde em nome pessoal e não o dos outros, se compromete! Somente Pedro se arrisca e proclama a verdade sobre Jesus: “tu és o Messias”. Pedro acertou, e Jesus confirma a verdade do que proclamou! Afirmou que foi através de uma revelação do Pai que Pedro fez a sua profissão de fé. Mas, a continuação do diálogo é mais complicado do que possa parecer.

 Continuando – No trecho deste domingo, as multidões ficaram para trás e Jesus conversa com o grupo de discípulos. Eles acreditam que Jesus é o “Messias, Filho de Deus” e querem partilhar o seu destino de glória e de triunfo. Jesus vai, no entanto, explicar-lhes que o seu messianismo não passa por triunfos e êxitos humanos, mas pela cruz; e vai avisá-los de que viver como discípulo é seguir esse caminho da entrega e do dom da vida.

 Messias – Pois Jesus logo explica o que quer dizer ser o Messias. Não era ser glorioso, triunfante e poderoso, conforme os critérios deste mundo. Muito pelo contrário, era ser fiel à sua vocação como Servo de Javé, era ser preso, torturado e assassinado, era dar a vida em favor de muitos. Usando o título messiânico “Filho de Deus” – que vem de Daniel 7,13 – Jesus confirmou que era o Messias, mas não o Messias que Pedro quis. Este, conforme as expectativas do povo do seu tempo, quis um Messias forte e dominador, não um que pudesse ir – e levar os seus seguidores – até a Cruz!

 Pedro – Por isso Pedro contesta Jesus, pedindo que nada disso acontecesse. E como recompensa ganha uma das frases mais duras da Bíblia: “Afasta-se de mim, satanás! Você não pensa as coisas de Deus, mas as coisas dos homens.” (v.33). Pedro, cuja proclamação de fé parecia ser tão acertada, é agora chamado de Satanás – o Tentador por excelência! Pedro tinha os títulos certos, mas a prática errada!

 Cruz – E assim, Jesus usa o equívoco de Pedro para explicar o que significa ser seguidor dele: “Se alguém quer me seguir, renuncie a se mesmo, tome a sua cruz, e siga-me” (v.34). Ter fé em Jesus não é em primeiro lugar um exercício intelectual ou teológico, mas uma prática: o seguimento dele na construção do seu projeto, até as últimas consequências.

 Teoria e prática – Hoje, dois mil anos mais tarde, a segunda pergunta de Jesus ressoa forte. Para nós, quem é Jesus? Não para o catecismo, não para o Papa ou o Bispo, mas para cada de nós pessoalmente? No fundo, a resposta se dá não com palavras, mas pela maneira com que vivemos e nos comprometemos com o projeto de Jesus - Ele que veio para que todos tivessem a vida e a vida plenamente! (Jo,10,10). Cuidemos para não cair na tentação do equívoco de Pedro: a de termos a doutrina e a teoria certas, mas a prática errada!

segunda-feira, 28 de agosto de 2023

Pedro e a cátedra do primeiro Papa

  

No Evangelho das missas deste domingo (Mt 16,13-19), Pedro reconhece Jesus como Messias, é proclamado como base (pedra fundamental) da Igreja e recebe as chaves do Reino dos Céus.

 Época – Mateus escreve na década de 80, quando os discípulos de Jesus oriundos do judaísmo estavam sendo expulsos das sinagogas e os cristãos começavam a estruturar-se em uma instituição religiosa própria, na qual a figura de referência era Pedro, já martirizado em Roma. Pedro era lembrado pelo seu testemunho corajoso diante da perseguição do Império Romano.

 O que é cátedra? A “cátedra” quer dizer a sede fixa do bispo, colocada na igreja matriz de uma diocese, que por este motivo é chamada “catedral”. É o símbolo da autoridade do bispo e de seu “magistério” (ensinamento evangélico transmitido à comunidade cristã) como sucessor dos apóstolos. Quando o bispo toma posse da Igreja particular que lhe foi confiada, com a mitra e o báculo, senta-se em sua cátedra. Dessa sede guiará, como mestre e pastor, o caminho dos fiéis, na fé, na esperança e na caridade!

 Qual foi a “cátedra” de São Pedro? Ele foi escolhido por Cristo como “rocha” sobre a qual edificaria a Igreja (Mt 6,18) e começou seu ministério em Jerusalém, depois da Ascensão do Senhor e de Pentecostes. A primeira “sede” da Igreja foi o Cenáculo e é provável que naquela sala (onde estava presente Maria Santíssima), se reservasse um posto especial a Simão Pedro. Depois, a sede de Pedro foi Antioquia (na Síria, hoje Turquia), cidade evangelizada por Barnabé e Paulo. Nela, “pela primeira vez os discípulos receberam o nome de ‘cristãos’” e Pedro foi o primeiro bispo. De Antioquia a Providência levou Pedro a Roma.

 Caminho – Portanto, de Jerusalém (Igreja nascente), Pedro passa pela Antioquia (primeiro centro da Igreja que agrupava pagãos e judeus), chegando a Roma, centro do Império, onde concluiu com o martírio sua carreira ao serviço do Evangelho. Por este motivo, a sede de Roma, que havia recebido a maior honra, recebeu também a tarefa confiada por Cristo a Pedro, de estar ao serviço de todas as Igrejas particulares, para a edificação e a unidade de todo o Povo de Deus.

 Roma – A sede de Roma, depois destas migrações de São Pedro, foi reconhecida como a sede do sucessor de Pedro e a “cátedra” de seu bispo representou a do apóstolo encarregado por Cristo de apascentar todo seu rebanho. Testificam isso os mais antigos Padres da Igreja, como Santo Irineu, Tertuliano e São Jerônimo.

 Santo Irineu – Irenaeus (130 a 202, bispo de Lyon), em seu livro “Contra as heresias” (ano 180), descreve a Igreja de Roma como a “maior e mais antiga, conhecida por todos, fundada e constituída em Roma pelos dois gloriosos apóstolos Pedro e Paulo”, e acrescenta: “Com esta Igreja, por sua exímia superioridade, deve estar em acordo a Igreja universal, ou seja, os fiéis que estão por toda parte”.

 Tertuliano – Tertuliano (160 a 220) foi um dos maiores escritores cristãos. No livro “Prescrições contra todas as heresias”, afirma: “Esta Igreja de Roma é bem-aventurada! Os apóstolos derramaram nela, com seu sangue, toda a doutrina”. A cátedra do bispo de Roma representa, portanto, não só seu serviço à comunidade romana, mas também sua missão de guia de todo o Povo de Deus.

 São Jerônimo – São Jerônimo (347 a 420), doutor da Igreja, fez a tradução da Bíblia para o latim. Em seu livro “As Cartas”, dá um testemunho particularmente interessante, porque menciona explicitamente a “cátedra” de Pedro, apresentando-a como porto seguro de verdade e de paz. Assim escreve: “Decidi consultar a cátedra de Pedro, onde se encontra essa fé que a boca de um apóstolo exaltou; venho agora pedir alimento para minha alma ali, onde recebi a veste de Cristo. Não sigo outro primado senão o de Cristo; por isso, ponho-me em comunhão com tua beatitude, ou seja, com a cátedra de Pedro. Sei que sobre esta pedra está edificada a Igreja”.

 Vaticano – No altar principal da basílica de São Pedro encontra-se o monumento à cátedra do apóstolo Pedro (obra do artista Bernini): é um grande trono de bronze, sustentada pelas estátuas de quatro doutores da Igreja – dois do Ocidente (Santo Agostinho e Santo Ambrósio) e dois do oriente (São João Crisóstomo e Santo Atanásio).

sábado, 19 de agosto de 2023

Como aconteceu a Assunção de Maria?

 

 

Neste domingo a Igreja comemora a Assunção de Maria, conforme o dogma publicado pelo Papa Pio XII (1950): “A Virgem Imaculada, que fora preservada de toda a mancha de culpa original, terminando o curso da sua vida terrena, foi elevada à glória celeste em corpo e alma”.

 

Mistério – Os detalhes da morte, enterro e assunção da Virgem Maria são um dos maiores mistérios do Novo Testamento. A Igreja usa o texto da Carta de São Paulo (1Cor 15, 20-23) e do Apocalipse (Ap 11, 19; 12, 1), para fundamentar o dogma. Nenhuma descrição ou fato histórico é citado. Apresentamos aqui as descobertas mais recentes sobre o assunto:

 

Cronograma – Um cronograma aproximado da vida de Maria seria o seguinte: nasceu no ano 20 a.C., aproximadamente, filha de Ana e Joaquim. No final do ano 7 a.C. (com 13 anos) deu à luz Jesus, na cidade de Belém. Maria assistiu a crucificação e morte de Jesus em abril do ano 30 d.C., com 50 anos de idade. Segundo Hipólito de Tebas (autor bizantino do século VII), a Virgem Maria viveu onze anos após a morte de Jesus, morrendo no ano de 41 d.C. (com 61 anos de idade).

 

João Paulo II – Em catequese, no dia 9 de julho de 1997, o Papa João Paulo II disse que o primeiro testemunho de fé na assunção da Virgem Maria aparece nas histórias apócrifas, intituladas "Transitus Mariae", cujo núcleo original remonta aos séculos II e descreve a morte, o sepultamento, o túmulo e a ascensão de Maria aos Céus. Segundo a palavra do Pontífice este texto reflete uma intuição da fé do povo de Deus.

 

O texto – O autor do “Transitus Mariae” usa o pseudônimo de Melitão. Existiu um Melitão, Bispo de Sardes, no ano de 150, mas não deve ser o mesmo. O autor diz que escutou de São João apóstolo a seguinte história: Maria vivia em sua casa, quando recebeu a visita de um anjo anunciando que, em três dias, seria elevada aos céus. Então ela pediu ao anjo que gostaria que todos os apóstolos estivessem reunidos.

 

Morte – Três dias depois, Maria morreu na presença de todos os apóstolos. Pedro recebeu uma mensagem de Cristo: ele deveria tomar o corpo de Maria e levar à direita da cidade, até o oriente, onde encontraria um sepulcro novo. Ali deveria depositar o corpo de Maria e aguardar um novo aparecimento de Cristo.

 

Enterro – Os apóstolos assim fizeram: colocaram o corpo num caixão, saíram de Jerusalém, à direita da cidade, entraram no Vale de Josafat (ou vale do Cedron), no caminho para o Monte das Oliveiras, depositaram o corpo no sepulcro, fecharam com uma pedra e ficaram esperando.

 

Assunção – Cristo ressuscitado apareceu, saudando a todos: “A paz esteja convosco”. Pedro disse: “Senhor, se possível, parece justo que ressuscite do corpo de sua mãe e a conduza contigo ao Céu”.  Jesus disse: “Tu que não aceitasse a corrupção do pecado não sofrerás a corrupção do corpo no sepulcro”. E os anjos a levaram ao paraíso. Enquanto ela subia, Jesus falou aos apóstolos: “Do mesmo modo que estive com vocês até agora, estarei até o fim do mundo”. E desapareceu entre as nuvens junto com os anjos e Maria.

 

Impressionante descoberta – A arqueologia estudou durante anos os detalhes da pequena igreja existente no local descrito pelo texto “Transitus Mariae” sem nada encontrar. Em 1972, uma chuva torrencial alagou a igreja e exigiu a reconstrução do piso. Ao remover o piso, apareceu um grande porão, com uma câmara funerária do primeiro século. Todas as descrições do livro apócrifo estavam confirmadas.

 

QUER LER MAIS – Se você se interessou pelo assunto, nós podemos lhe oferecer a história completa do “Túmulo de Maria” escrita pelo teólogo católico Ariel Alvarez Valdes (17 pág. em castelhano) com fotos e desenhos do túmulo; a audiência de 9/7/97 do Papa João Paulo II “A Assunção de Maria, verdade de fé” (5 pág, em português); o texto completo do livro apócrifo “Transitus Mariae”, escrito no século II (16 pág. em castelhano). Solicite por E-mail.

sábado, 12 de agosto de 2023

Passemos à outra margem

 


O Evangelho deste domingo (Mt 14,22-33) apresenta Jesus andando sobre as águas, os discípulos com medo e Jesus estendendo-lhes a mão e dando-lhes força para vencer a adversidade.

 O mar – O episódio situa-nos na área do lago de Tiberíades ou de Genesaré, um lago de água doce com 21 quilômetros de comprimento e 12 de largura, situado na Galileia, um grande reservatório de água doce da Palestina. Para os judeus, esse lago era considerado, para todos os efeitos, um “mar” – lugar onde habitavam os monstros, os demônios e todas as forças que se opunham à vida e à felicidade do homem. Na perspectiva da teologia judaica, no mar, o homem estava à mercê das forças demoníacas e só o poder de Deus podia salvá-lo…

 Fantasma – Mateus descreve que “Jesus obrigou os discípulos a entrar na barca, e ir na frente, para o outro lado do mar, enquanto ele despedia as multidões”. Na madrugada, Jesus foi até eles, andando sobre o mar. Os discípulos assustaram-se, pensando que fosse um fantasma e gritaram cheios de medo. Jesus lhes disse: “Coragem! Sou eu. Não tenham medo”.

 Reflexão – Para refletir sobre esta passagem, usaremos um texto de Orígenes, também conhecido por Orígenes de Alexandria. Orígenes foi um presbítero e teólogo cristão que viveu entre 185 e 253 d.C., sendo considerado o maior erudito da Igreja antiga. Exerceu grande influência na Igreja, tendo escrito mais de 600 obras. Tem textos importantes sobre a Santíssima Trindade, a virgindade de Maria e o Batismo dos cristãos. Orígenes professou o primado de Pedro e é o autor da afirmação da crucificação de Pedro de cabeça para baixo. A reflexão a seguir foi escrita há mais de 1.800 anos:

 “Passemos à outra margem” – Orígenes de Alexandria

 “Jesus mandou os discípulos subir para a barca a fim de precedê-Lo na outra margem, enquanto despedia as multidões. As multidões não podiam passar para a outra margem, visto que não eram Hebreus no sentido espiritual do termo, o qual se traduz: “os da outra margem”. Esta é a obra dos discípulos de Jesus: partir para a outra margem, ultrapassar o visível e o corporal – estas realidades temporárias – e ser os primeiros a chegar ao invisível e eterno…

Os discípulos, contudo, não puderam chegar antes de Jesus na outra margem… Talvez Ele tivesse querido ensiná-los, por experiência, que, sem Ele, não é possível lá chegar… Que barca é esta para a qual Jesus os manda subir? Não será a luta contra as tentações e as circunstâncias difíceis? … Ele, o Salvador, manda, portanto, os discípulos subir para a barca das provações a fim de chegarem à outra margem, ultrapassando as circunstâncias difíceis através da sua vitória sobre elas…

Depois, sobe à montanha, a um lugar apartado, para orar. Por quem reza? Provavelmente, em primeiro lugar, pelas multidões, para que, despedidas depois de terem comido os pães abençoados, não façam nada contrário à despedida de Jesus. Também pelos discípulos…, para que, no meio do mar, não sofram com as altas ondas nem com o vento contrário. Sou levado a dizer que é, graças à oração que Jesus dirige ao Pai, que os discípulos não sofreram danos no mar.

E nós, se algum dia cairmos sob a força das tentações, lembremo-nos de que não é possível chegarmos à outra margem sem sofrermos a prova das ondas furiosas e do vento contrário. Além disso, quando nos virmos rodeados de muitos e custosos afazeres, já um tanto cansados pela travessia que se alonga, pensemos que a nossa barca se encontra em pleno mar e que as ondas procuram fazer-nos “naufragar na nossa fé” (1 Tm 1, 19) … Acreditemos, então, que o fim da noite está iminente: “A noite vai avançada e o dia aproxima-se” (Rm 13, 12). O Filho de Deus virá até nós para nos acalmar o mar, caminhando sobre as águas.

sábado, 5 de agosto de 2023

ESTE É O MEU FILHO AMADO

 


 O Evangelho deste domingo (Mt 17,1-9) relata a transfiguração de Jesus, uma catequese cheia de a elementos simbólicos do Antigo Testamento, que nos apresenta Jesus, como o Filho amado de Deus, Aquele que vai concretizar o projeto libertador do Pai, em favor dos homens, pelo dom da vida.

 

Desânimo – O relato da transfiguração de Jesus é precedido pelo primeiro anúncio da paixão (Mt 16,21-23) e de uma instrução sobre as atitudes que discípulo deve ter (convidado a renunciar a si mesmo, a tomar a sua cruz e a seguir Jesus no seu caminho de amor e de entrega da vida – Mt 16,24-28). Depois de terem ouvido falar do “caminho da cruz” e de terem constatado aquilo que Jesus pede aos que O querem seguir, os discípulos estão desanimados e frustrados, pois a aventura em que apostaram parece caminhar para um rotundo fracasso; eles veem desaparecer, pouco a pouco – nessa cruz que irá ser plantada numa colina de Jerusalém – os seus sonhos de glória, de honras, de triunfos e se perguntam se vale a pena seguir um mestre que nada mais tem a oferecer do que a morte na cruz.

 

Projeto – É nesse contexto que Mateus coloca o episódio da transfiguração. A cena representa uma palavra de ânimo para os discípulos (e para os crentes, em geral), pois nela manifesta-se a glória de Jesus e atesta-se que Ele é – apesar da cruz que se aproxima – o Filho amado de Deus. Os discípulos recebem, assim, a garantia de que o projeto que Jesus apresenta é um projeto que vem de Deus e, apesar das suas próprias dúvidas, recebem um complemento de esperança que lhes permite “embarcar” e apostar nele.

 

Teofania – A narração da transfiguração é uma teofania – quer dizer, uma manifestação de Deus. Portanto, o autor do relato coloca no quadro que descreve todos os ingredientes que, no imaginário judaico, acompanham as manifestações de Deus (e que encontramos quase sempre presentes nos relatos teofânicos do Antigo Testamento): o monte, a voz do céu, as aparições, as vestes brilhantes, a nuvem e mesmo o medo e a perturbação daqueles que presenciam o encontro com o divino. Isso quer dizer: não estamos diante de um acontecimento real, mas de uma catequese construída de acordo com o imaginário judaico.

 

Catequese – Esta catequese, destinada a ensinar que Jesus é o Filho amado de Deus e que traz aos homens um projeto que vem de Deus, está construída sobre elementos simbólicos tirados do Antigo Testamento. Que elementos são esses?

 

O monte: situa-nos num contexto de revelação; é sempre num monte que Deus Se revela e, em especial, é no cimo de um monte que Ele faz uma Aliança com o seu Povo. A mudança do rosto e das vestes – de brancura resplandecente – recordam o resplendor de Moisés, ao descer do Sinai (Ex 34,29), depois de se encontrar com Deus e de ter as Tábuas da Lei.

 

A nuvem: indica a presença de Deus; era na nuvem que Deus manifestava a sua presença, quando conduzia o seu Povo pelo deserto (Ex 40,35). Moisés e Elias representam a Lei e os Profetas (que anunciam Jesus e que permitem entender Jesus); são personagens que, de acordo com a catequese judaica, deviam aparecer no “Dia do Senhor”, quando se manifestasse a salvação definitiva (Dt 18,15-18).

 

Reação: o temor e a perturbação dos discípulos são a reação lógica de qualquer homem ou mulher diante da manifestação da grandeza, da onipotência e da majestade de Deus (Ex 19,16). As tendas parecem aludir à “Festa das Tendas”, em que se celebrava o tempo do êxodo, quando o Povo de Deus habitou em “tendas”, no deserto.

 

Filho amado – A mensagem fundamental pretende dizer quem é Jesus. Recorrendo a simbologias do Antigo Testamento, o autor deixa claro que Jesus é o Filho amado de Deus, em quem se manifesta a glória do Pai. Ele é também, esse Messias libertador e salvador esperado por Israel, anunciado pela Lei (Moisés) e pelos Profetas (Elias). Mais ainda: ele é um novo Moisés – isto é, aquele por meio de quem o próprio Deus dá ao seu Povo a Nova Lei e através de quem Deus propõe aos homens uma nova aliança.