sábado, 28 de setembro de 2013

Riqueza é pecado?


Nas missas deste domingo será lido o Evangelho de Lucas (Lc 16,19-31), no qual Jesus conta a história do homem rico e do pobre Lázaro. Enquanto o rico vestia roupas finas e fazia banquetes diários, o pobre ficava no portão comendo o que caia da mesa. Quando morreram, o pobre foi colocado junto a Abraão e o rico passou a sofrer tormentos. Vamos desenvolver o tema. 

Conteúdo – O trecho do Evangelho mostra os ensinamentos de Jesus sobre as riquezas ou, melhor, sobre a questão fundamental da partilha dos bens como necessidade absoluta para os seus discípulos. Os destinatários do Evangelho de Lucas eram as comunidades urbanas das cidades gregas do Império Romano. A imagem da parábola é típica da sociedade urbana – tanto a de então como a de hoje! De um lado, o rico que esbanja dinheiro e comida em banquetes e futilidades, e do outro lado o pobre miserável, faminto e doente. Ambos vivem lado ao lado, sem que o rico tome conhecimento da existência e dos sofrimento dos pobres! Quantos exemplos disso existem hoje – lado ao lado com a maior opulência, a mais desumana miséria, e entre as duas situações uma barreira de cegueira e indiferença? 

Insensibilidade que condena – É importante para a nossa compreensão da parábola, ter claro em mente que os versículos 22 a 26 não dizem que o rico foi para o inferno por que ele fazia algo moralmente repreensível; e nem que Lázaro foi para o céu porque ele era "santo". Por isso, por mais inconveniente que possa soar numa sociedade como a nossa, dá para entender que este trecho condena o rico simplesmente por ser insensível numa sociedade de empobrecimento, e abençoa o pobre pelo simples fato de estar sofrendo a miséria numa sociedade que esbanja os bens necessários para a vida.  

Pecado – A riqueza torna-se pecado diante da situação desumana dos pobres, pois é a negação da partilha e da solidariedade! O rico foi condenado por que ele simplesmente se fechou diante do sofrimento alheio. E este fechamento é a negação de todo o ensinamento do Antigo e do Novo Testamentos. O simples fato de existir lado a lado o rico opulento e o Lázaro sofrido, é a condenação de uma sociedade pecaminosa que permite esta situação antievangélica. 

Palavra tão atual! – Não é por falta de conhecimento da Palavra de Deus que o mundo se acha na sua situação atual. Não é por desconhecimento do ensinamento de Jesus sobre a fraternidade e a solidariedade que temos uma sociedade excludente hoje no Brasil! Não é por falta de celebrações litúrgicas e sacramentais que há tanto sofrimento nas nossas ruas e bairros!  

“Cristianismo” refratário? – É simplesmente porque a sociedade opta por se organizar conforme critérios antievangélicos, e porque tantos cristãos reduzem o cristianismo a uma série de leis e doutrinas – muitas vezes não ultrapassando muito uma simples lista de "boas maneiras". Optamos por diluir as exigências do Evangelho para que possamos continuar com os "ricos" e os "Lázaros" de hoje, lado a lado, sem que estes incomodem aqueles! Sabemos o que a Bíblia diz, conhecemos muito bem o ensinamento de Jesus – e continuamos na construção de uma sociedade injusta, fundamentada sobre a idolatria do lucro, com a consequência automática do sofrimento e exclusão. 

Ai dos que não ouvem a Palavra... – O rico e o pobre continuam morando hoje em nossas cidades. Jesus hoje nos desafia para que optemos por uma outra forma de sociedade, onde todos terão acesso aos bens necessários para uma vida digna. Se não queremos ouvir o que nos diz a Palavra de Deus, se nós queremos continuar surdos diante do grito dos excluídos, então o nosso destino será também aquele do rico da história.

domingo, 22 de setembro de 2013

Com quem se casou Caim, o filho de Adão e Eva?


O primeiro homicida – Conta a Bíblia que, pouco tempo antes de serem expulsos do Paraíso, Adão e Eva tiveram dois filhos chamados Caim e Abel (Gn 4). O mais velho dedicava-se à agricultura e o mais novo era pastor. Eram muito religiosos e ofereciam os frutos de seus trabalhos a Deus: Caim, o produto do campo e Abel, as primícias do rebanho. Como Deus só se comprazia com a oferenda de Abel, Caim começou a alimentar o ódio contra seu irmão. Até que um dia convidou-o a ir ao campo e aí o atacou e o matou. 

Contradições do texto – O relato começa dizendo que Caim era lavrador e Abel pastor de ovelhas (Gn 4,2). Mas, se ambos são filhos dos primeiros homens, isso é impossível. Segundo a paleontologia, os primeiros seres humanos que surgiram sobre a terra, há dois milhões de anos, viviam da caça, da pesca e dos frutos naturais do solo. A domesticação de animais só apareceu 10.000 anos a.C. e a agricultura mais tarde ainda, uns 8.000 a.C. Como poderia Caim conhecer a agricultura e Abel ser pastor? Em Gn 4,4 conta-se que Abel oferecia a Deus as primícias do rebanho e a gordura dos animais. Mas a ordem de Deus para a oferta dos primogênitos dos rebanhos aconteceu séculos depois, a Moisés, no Monte Sinai (Ex 34,19). Como poderia Abel oferecer o que ainda não estava mandado? 

Mais contradições – Mais adiante, Caim convida seu irmão a ir para o campo com ele (Gn 4,8). Mas, por acaso, eles viviam na cidade, quando existiam apenas quatro pessoas no mundo? Depois de seu crime, Caim exclama: “Quem me encontrar, matar-me-á” (Gn 4,14). Quem poderia matá-lo, senão Adão ou Eva? Mas, talvez, o que mais assombre os leitores seja a leitura de Gn 4,17, onde se afirma que Caim se casou e sua mulher ficou grávida. De onde apareceu essa mulher? A única mulher que existia era Eva!  

A origem da história – Quando os hebreus se estabeleceram na Palestina (depois do êxodo do Egito) havia uma lenda sobre um antigo herói chamado Caim, fundador de uma famosa tribo beduína, chamada “cainita”, que habitava o deserto, ao sul de Israel. A história incluía também seu casamento e o nascimento de seu filho Henoc (Gn 4,17). A história não tinha nenhuma relação com Adão e Eva. 

O homicida Caim – Chamava a atenção dos hebreus o fato de os cainitas viverem em pleno deserto, isolados das terras cultivadas. Perguntavam então: por que os cainitas levam vida tão penosa e errante, longe da terra prometida e abençoada por Deus? Diziam que se tratava de um castigo de Deus, que os havia condenado a viver errantes por causa de algum delito cometido pelo seu fundador. Que tipo de delito? Não sabiam, mas, como os cainitas destruíam as terras cultivadas de suas tribos irmãs de raça, imaginaram que o delito de Caim era contra seu irmão. Com o tempo, foi acrescentada a história do irmão assassinado. Assim imaginaram a lenda da morte de Abel. 

O irmão que faltava – Assim foi que esta história entrou numa segunda etapa. Aquele legendário herói, chamado Caim, fundador dos cainitas, a tradição hebréia o converteu, pouco a pouco, num fratricida condenado por Deus a viver uma vida errante. 

Plágio em nome de Deus – Mais tarde, na época do rei Salomão, a história de Caim passou para uma terceira etapa. Quando foi escrito o livro do Gênesis, o autor se deu conta que a lenda oferecia muitas possibilidades. Caim se prestava perfeitamente para aprofundar a explicação da presença do mal no mundo. E, com alguns retoques, Caim se tornou filho de Adão e Eva (apesar das incoerências). Diante da angustiante pergunta sobre a razão do mal, o autor teria respondido com a história de Adão e Eva: porque o homem desobedeceu a Deus. Contudo, esse diagnóstico ainda era insatisfatório. Dizer que só quando o homem peca contra Deus é que se produz uma desordem no mundo, era dizer a metade. Com a história de Caim, pode completar seu ensinamento, dizendo que o mal também vai crescendo no mundo pelos delitos contra os demais homens. 

A ampliação de Jesus – A lenda de Caim fomentou o ensinamento do respeito ao irmão da mesma forma com que se respeitava a Deus. Os judeus, porém, consideravam irmão apenas os outros judeus, excluindo o resto das nações. Por isso Jesus, muitos séculos mais tarde, voltaria a atualizar este mesmo ensinamento: amar a Deus de todo o coração e amar o próximo como se ama a si mesmo. E quando lhe perguntaram quem era o próximo, ampliou a interpretação desta palavra e a estendeu a todos os homens com os quais nos encontramos nos caminhos da vida (Lc 10,25-37). Lá nos começos da pré-história bíblica, o relato de Caim ensina-nos que, para encontrar o equilíbrio da vida é necessário o respeito ao próximo e a Deus.

sábado, 14 de setembro de 2013

A Bíblia proíbe fazer imagens?


Na primeira leitura das missas deste domingo (Ex 32,7-11), o Senhor fala a Moisés que o povo se corrompeu, prostrando-se e oferecendo sacrifícios a um bezerro de metal. Deus realmente condena fazer imagens? Está proibido na Bíblia? 

O mandamento que falta – Se verificarmos a lista dos Dez Mandamentos contida em Êxodo 20, iremos ver que o segundo mandamento tem o seguinte texto “Não farás para ti ídolos, nem figura alguma do que existe em cima, nos céus, nem embaixo, na terra, nem do que existe nas águas, debaixo da terra. Não te prostrarás diante deles, nem lhes prestarás culto, pois eu sou o Senhor teu Deus, um Deus ciumento...” (Ex 20,4-5). 

Que dizia a Lei – Se continuamos lendo a Bíblia, isso parece confirmar-se: o Levítico ordena que não se façam ídolos, imagens, nem pedras esculpidas para ajoelhar-se diante delas (Lv 26,1); Deuteronômio (4, 16-18) alerta sobre o mesmo tema e isso era tão grave que se penalizava com uma maldição aquele que o fizesse (Dt 27,15). 

Ordens de Deus – No entanto, em várias passagens bíblicas do Antigo Testamento as imagens eram permitidas. Em alguns casos, Deus mesmo ordenou a construção de imagens sagradas: mandou fabricar a arca da aliança com um querubim de ouro de cada lado (Ex 25,18); o candelabro de sete braços, no interior da Tenda Sagrada, tinha gravadas flores de amendoeira (Ex 31,1-5). Gedeão fabricou uma figura de Javé, a quem os israelitas prestavam culto (Jz 8,24-27). Micas construiu uma efígie de prata de Javé e um santuário para prestar-lhe culto (Jz 18,31). Até o próprio rei Davi tinha imagens divinas em casa (1Sm 19,11-13). 

Um templo sem preconceitos – E que dizer do majestoso templo de Jerusalém, construído por Salomão? Pelas descrições bíblicas, parece que estava abarrotado de representações e esculturas (1Rs 6,23). O interior estava totalmente decorado com imagens de querubins, vegetais (1Rs 6,29) e doze magníficos touros de metal (1Rs 7,25). Os recipientes para as abluções litúrgicas estavam revestidos com imagens de leões, bois e querubins (1Rs 7,29). Tudo com o consentimento do próprio Deus. 

Nem uma só voz - E apesar daquele segundo mandamento, nunca encontramos na Bíblia um só profeta antigo que censure as imagens. Eles, que eram os sentinelas de Deus, que erguiam a voz diante de todo pecado do povo, que não permitiam o menor desvio, guardaram silêncio durante séculos. 

Plenitude dos tempos - Então chegou o tempo em que o próprio Deus, que se mantivera invisível, quis fazer-se imagem, para que todos pudessem contemplá-lo. E se, na antiga Aliança tinha se revelado ao povo sem imagem, na nova Aliança considerou ser imprescindível ter uma e ser visto. Por isso, quis achegar-se aos homens através de uma figura, a de Cristo, para que o ouvissem, o tocassem e o sentissem. 

Novo Testamento – São Paulo, que vivera durante algum tempo cumprindo a lei antiga, compreendeu muito bem isso, ao falar de “Cristo, a imagem de Deus” (2Cor 4,4). E, num belo hino, canta que Cristo é a imagem do Deus invisível (Cl 1,15). Falando, um dia, com o apóstolo Felipe, Jesus já o antecipara: “Quem me viu a mim, viu o Pai” (Jo 14,8). Portanto, se o próprio Deus quis deixar de permanecer oculto e fazer-se ver numa imagem, quem somos nós para proibir de representá-lo?  

E o Mandamento? – Como se vê, o mandamento (Ex 20, 4-5) sobre as imagens no Antigo Testamento tinha uma função pedagógica e, portanto, temporal. Assim entenderam os cristãos, desde tempos antigos: quando enumeravam os mandamentos, pulavam sempre o segundo, ao passo que desdobravam o último em dois para que continuassem sendo dez. As listas de mandamentos que nos chegaram escritas, do século IV, já não incluem a proibição das imagens. Por isso chama a atenção que as seitas modernas tentem conservá-la. 

Lutero – Os protestantes, quando se separaram da Igreja Católica, no século XVI, reagiram contra os excessos no culto das imagens e provocaram a destruição de muitas delas. No entanto, Lutero não foi tão intolerante. Ao contrário, reconheceu a importância que elas tinham. Numa carta, datada de 1528, escreveu: “Penso que, no que diz respeito às imagens, símbolos e vestes litúrgicas... e coisas semelhantes, deixe-se à livre escolha. Quem não quiser essas coisas, deixe-as de lado. Se bem que as imagens inspiradas na Bíblia ou em histórias edificantes, parecem-me ser muito úteis”. Lutero percebeu muito bem a essência da questão: não se trata de adorar uma imagem, mas sim de adorar a Deus. 

Quer ler mais – O artigo acima é baseado no texto “A Bíblia proíbe fazer imagens? de autoria do teólogo Ariel Álvares Valdés. Se você se interessou pelo assunto, podemos lhe enviar o texto original (10 páginas em português) e a carta de Martinho Lutero (2 páginas em português) sobre imagens, escrita em 1528. Também disponibilizamos o texto “Os católicos adoram imagens?”, de autoria do Pe. Milton Carraschi, publicado nesta coluna no ano 2000. Solicite por E-mail.

sábado, 7 de setembro de 2013

As condições para ser seguidor de Jesus


No Evangelho das missas deste domingo (Lc 14, 25-33) Jesus se dirige às multidões com palavras bastante duras: “Se alguém vem a mim, mas não se desapega de seu pai e sua mãe, sua mulher e seus filhos, seus irmãos e suas irmãs e até da sua própria vida, não pode ser meu discípulo. Quem não carrega sua cruz e não caminha atrás de mim, não pode ser meu discípulo”. 

Caminho – Com estas palavras Ele traça as coordenadas do “caminho do discípulo”: é um caminho em que o “Reino” deve ter a primazia sobre as pessoas que amamos, sobre os nossos bens, sobre os nossos próprios interesses e esquemas pessoais. Quais são então, na perspectiva de Jesus, as exigências fundamentais para quem quer seguir o “caminho do discípulo” e chegar a sentar-se à mesa do “Reino”? Jesus põe três exigências, todas elas subordinadas ao tema da renúncia. 

A primeira – Exige o preferir Jesus à própria família.  A este propósito, Lucas põe na boca de Jesus uma expressão muito forte. Literalmente, podemos traduzir o verbo “misséô” como “odiar” (“quem não odeia o pai, a mãe… não pode ser meu discípulo”). À primeira vista, a leitura pode nos chocar! Pode até parecer que Jesus esteja ensinando algo que não condiz muito com os ensinamentos cristãos. Para ser discípulo, é preciso odiar alguém? Não. Segundo a maneira semita de falar (no caso de Jesus, ele falava o aramaico), “odiar” significa “pôr em segundo lugar algo porque, entretanto, apareceu na vida da pessoa um valor que ainda é mais importante”. É evidente que Jesus não está pedindo o ódio a ninguém, muito menos a esses a quem nos ligam laços de amor… Está, sim, exigindo que as relações familiares não nos impeçam de aderir ao “Reino”. Se for necessário escolher, a prioridade deve ser do “Reino”. 

A segunda – Exige a renúncia à própria vida. O discípulo de Jesus não pode viver fazendo opções egoístas, colocando em primeiro lugar os seus interesses, os seus esquemas, aquilo que é melhor para ele; mas tem de colocar a sua vida ao serviço do “Reino” e fazer da sua vida um dom de amor aos irmãos, se necessário até a morte. Foi esse, de fato, o caminho de Jesus e o discípulo é convidado a imitar o mestre. 

A terceira – Exige a renúncia aos bens. Jesus sabe que os bens podem facilmente transformar-se em deuses, tornando-se uma prioridade, escravizando o homem e levando-o a viver em função deles; assim sendo, que espaço fica para o “Reino”? Por outro lado, dar prioridade aos bens significa viver de forma egoísta, esquecendo as necessidades dos irmãos. Ora, viver na dinâmica do “Reino” implica viver no amor e deixar que a vida seja dirigida por uma lógica de amor e de partilha… Pode-se, então, viver no “Reino” sem renunciar aos bens?
 
Exigências – Com este rol de exigências, fica claro que a opção pelo “Reino” não é um caminho de facilidade e, por isso, talvez não seja um caminho que todos aceitem seguir. É por isso que Jesus recomenda que as implicações e as consequências da opção pelo “Reino” sejam bem pesadas. A parábola do homem que, antes de construir uma torre, pensa se tem com que terminar a construção e a parábola do rei que, antes de partir para a guerra, pensa se pode opor-se a outro rei com forças superiores, convidam os candidatos a discípulos a tomar consciência da sua força, da sua vontade, da sua decisão em corresponder aos desafios do Evangelho e em assumir, com radicalidade, as exigências do “Reino”.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Humildade e hospitalidade


O Evangelho deste domingo coloca-nos no ambiente de um banquete em casa de um fariseu. Deve tratar-se da refeição solene de sábado, que se tomava por volta do meio-dia, na volta da sinagoga, para a qual eram convidados hóspedes. Durante a refeição, discutia-se as leituras escutadas durante o ofício sinagogal. 

Fariseus – Os fariseus formavam um dos principais grupos religioso-político da sociedade palestina dessa época. Dominavam os ofícios sinagogais e estavam presentes em todos os passos religiosos dos israelitas. A sua preocupação fundamental era transmitir a todos o amor pela Torah (cinco primeiros livros da Bíblia), quer escrita, quer oral. Tratava-se de um grupo sério, verdadeiramente empenhado na santificação do Povo de Deus; mas, ao absolutizarem a Lei, esqueciam as pessoas e passavam por cima do amor e da misericórdia. Consideravam-se “puros” e desprezavam o povo do país, que por causa da ignorância e da vida dura que levava, não podia cumprir integralmente os preceitos da Lei. 

Banquete – Conscientes das suas capacidades, da sua integridade e superioridade, não eram propriamente modelos de humildade. Isso talvez explique o ambiente de luta pelos lugares de honra que o Evangelho faz referência. É bom lembrar, que estamos no contexto de um “banquete”. O “banquete”, no mundo semita, é o espaço do encontro fraterno, o lugar onde os convivas partilham do mesmo alimento e estabelecem laços de comunhão, de proximidade, de familiaridade, de irmandade. Jesus aparece, muitas vezes, envolvido em banquetes, não porque fosse “comilão e beberrão”, mas porque, ao ser sinal de comunhão, de encontro, de familiaridade, o banquete anuncia a realidade do “reino”. 

Reino – As palavras que Jesus dirigiu aos convidados que disputavam os lugares de honra não era exatamente uma novidade, pois já o Antigo Testamento aconselhava a não ocupar os primeiros lugares. Mas o que era uma exortação moral no Antigo Testamento, nas palavras de Jesus converte-se numa apresentação do “Reino” e da lógica do “Reino”: o “Reino” é um espaço de irmandade, de fraternidade, de comunhão, de partilha e de serviço, que exclui qualquer atitude de superioridade, de orgulho, de ambição, de domínio sobre os outros; quem quiser entrar nele, tem que se fazer pequeno, simples, humilde e não ter pretensões de ser melhor, mais justo ou mais importante do que os outros. 

Lógica do Reino – Jesus põe em evidência – em nome da lógica do “Reino” – a prática de convidar para o banquete apenas os amigos, os irmãos, os parentes, os vizinhos ricos. Os fariseus escolhiam cuidadosamente os seus convidados para suas refeições: não era conveniente convidar alguém de “nível menos elevado”, pois a “comunidade de mesa” criava vínculo entre os convidados e não era interessante estabelecer laços com gente “desclassificada e pecadora” (por exemplo, nenhum fariseu se sentava à mesa com alguém pertencente ao “povo da terra”, desclassificado e pecador). 

Retribuição – Por outro lado, também os fariseus tinham a tendência – própria de todas as pessoas, de todas as épocas e culturas – de convidar aqueles que podiam retribuir da mesma forma… A questão é que, dessa forma, tudo se tornava um intercâmbio de favores e não gratuidade e amor desinteressado. 

Convidados – Jesus denuncia – em nome do “Reino” – esta prática; mas vai mais além e apresenta uma proposta verdadeiramente subversiva… Segundo Ele, é preciso convidar “os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos”. Os cegos, coxos e aleijados eram considerados pecadores notórios, amaldiçoados por Deus e por isso estavam proibidos de entrar no Templo (2Sm 5,8), para não profanar esse lugar sagrado (Lv 21,18-23). No entanto, são esses que devem ser os convidados para o “banquete”. 

Verdadeiro banquete – Já percebemos que, aqui, Jesus já não está simplesmente falando dessa refeição comida em casa de um fariseu, na companhia de gente distinta; mas está falando daquilo que esse “banquete” anuncia e prefigura: o banquete do “Reino”. 

Perfil do Reino – Jesus traça, portanto, os contornos do “Reino”: ele é como um “banquete”, no qual os convidados estão unidos por laços de familiaridade, de irmandade, de comunhão. Para esse “banquete”, todos – sem exceção – são convidados (inclusive aqueles que a cultura social e religiosa tantas vezes exclui e marginaliza). As relações entre os que aderem ao banquete do “Reino” não serão marcadas pelos jogos de interesses, mas pela gratuidade e pelo amor desinteressado; e os participantes do “banquete” devem despir-se de qualquer atitude de superioridade, de orgulho, de ambição, para se colocarem numa atitude de humildade, de simplicidade, de serviço.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Apenas 144 mil se salvarão?


Ambiente – O episódio do Evangelho deste domingo apresenta Jesus a caminho de Jerusalém, no final de sua pregação. Situa-se em outubro/novembro do ano 29, portanto, quatro meses antes da Paixão (lembremos que Jesus foi crucificado e morreu no dia 7 de abril do ano 30). Ele estava percorrendo os povoados com os seus discípulos, quando alguém não identificado lança a seguinte questão: “Senhor, são poucos os que se salvam?”  

Apocalipse: este livro destoa? – Até a época de Jesus, jamais um escritor sagrado se atrevera a predizer o número de pessoas que se salvariam no fim do mundo. Nem sequer São Paulo, que se refere ao tema em várias ocasiões, se animou a fazê-lo. Contudo, no Apocalipse (7,4), o autor tem uma visão, na qual contempla o número de 144 mil. Em Ap 14,1, esse número é confirmado, predizendo que serão resgatados por Jesus Cristo. Mas, como o autor do Apocalipse fixou esse número, se o próprio Jesus não deu informações sobre esse assunto? 

Uma pergunta que incomoda – Depois de tanto esforço por parte de Deus em ajudar os homens, por que tão poucos serão beneficiados com esta salvação? 

Números simbólicos – Atualmente, nenhum estudioso sério da Bíblia admite que o número 144.000 corresponda a uma quantidade exata, já que estão de acordo que se trata de um número simbólico. O número 1.000 significa “muito”. Seria o mesmo que disséssemos: “eu falei mil vezes para você não fazer isso!”. O mesmo acontece com as idades do patriarcas: Adão viveu até 930 anos; ou, Noé tinha 600 anos quando começou o Dilúvio; ou ainda, Matusalém gerou seu filho Lamec aos 187 anos! É evidente que essas idades não são reais, mas foram deliberadamente exageradas, para simbolizar a bênção de Deus com uma longa vida terrena. 

Números absurdos – Se tomarmos ao pé da letra os números do Êxodo, seriam três milhões de pessoas que peregrinaram por 40 anos no deserto, número jamais alcançado pela população de Israel em toda a sua história. O exército que perseguiu o povo pelo deserto teria 60 mil fileiras por uma extensão de 60 quilômetros. Se somarmos todas as pessoas (povo e exército), eles cobririam a distância total do Egito ao Sinai... Resumindo: esses números não expressam quantidades reais. 

E os 144 mil? João escreve no Apocalipse que somos o novo povo, libertado com o sangue de Cristo. E quantos seriam esses novos libertados? Ele o diz com um novo número simbólico: 144.000. Com efeito, esta cifra é produto de 12x12x1.000. Que significado tem esta quantidade? Na Bíblia, o número 12, aplicado às pessoas, sempre significa “os eleitos”. Assim, as doze tribos eleitas de Israel, os doze apóstolos eleitos, as doze portas da nova Jerusalém, por onde entrariam os eleitos (Ap 21, 22). Portanto, afirmar que se salvarão 144 mil equivale a dizer que se salvarão os eleitos do Antigo Testamento (12) e os eleitos do Novo Testamento (x 12), em uma grande quantidade (x 1.000). 

Mais que 144 mil – João, no entanto, sempre desejoso de ser bem interpretado, apesar de usar uma linguagem simbólica, acrescenta a seguir: “Depois olhei e eis uma grande multidão que ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas. Estavam diante do trono e do Cordeiro, vestidos de túnicas brancas e com palmas nas mãos” (Ap 7, 9). Isso quer dizer que não são somente os 144 mil os salvos, mas os que formam um povo incalculável, impossível de se contar e provenientes dos mais diferentes lugares. 

Salvação absurda – Alguns anos atrás, alguns cientistas alemães calcularam quantas pessoas já teriam vivido na Terra, até os nossos dias. O resultado chegava a um total de 77 milhões de seres humanos. Supondo que o fim do mundo chegasse agora e fossem salvos somente 144.000, então somente 0,0001% da população mundial se salvaria. Esse tipo de pensamento contraria toda a Revelação, pois transforma o plano de salvação de Deus no maior fracasso jamais programado. Interpretar literalmente a cifra 144.000 implica não só desconhecer a Bíblia, mas também, e o que é mais grave, desconhecer e menosprezar o poder salvador de Deus. 

Salvação – Felizmente a Palavra de Deus é mais otimista do que muitos agourentos apocalípticos que, fixando um número exato de libertados, pretendem atemorizar o povo e forçá-lo a converter-se. Nem a Bíblia, nem a Igreja, nada pode fechar num modesto número dos que se salvarão. Queremos saber quantos são? Isso cada um tem de responder com sua própria vida.

sábado, 17 de agosto de 2013

Documentos descrevem a Assunção de Maria


No próximo domingo a Igreja comemora a Assunção de Maria, conforme o dogma publicado pelo Papa Pio XII (1950): “A Virgem Imaculada, que fora preservada de toda a mancha de culpa original, terminando o curso da sua vida terrena, foi elevada à glória celeste em corpo e alma”. 

Mistério – Os detalhes da morte, enterro e assunção da Virgem Maria são um dos maiores mistérios do Novo Testamento. A Igreja usa o texto da Carta de São Paulo (1Cor 15, 20-23) e do Apocalipse (Ap 11, 19; 12, 1), para fundamentar o dogma. Nenhuma descrição ou fato histórico é citado. Apresentamos aqui as descobertas mais recentes sobre o assunto: 

Cronograma – Um cronograma aproximado da vida de Maria seria o seguinte: nasceu no ano 20 a.C., aproximadamente; filha de Ana e Joaquim. No final do ano 7 a.C. (com 13 anos) deu à luz Jesus, na cidade de Belém. Maria assistiu a crucificação e morte de Jesus em abril do ano 30 d.C., com 50 anos de idade. Segundo Hipólito de Tebas (autor bizantino do século VII), a Virgem Maria viveu onze anos após a morte de Jesus, morrendo no ano de 41 d.C. (com 61 anos de idade). 

João Paulo II – Em catequese, no dia 9 de julho de 1997, o Papa João Paulo II disse que o primeiro testemunho de fé na assunção da Virgem Maria aparece nas histórias apócrifas, intituladas "Transitus Mariae", cujo núcleo original remonta ao século II e descreve a morte, o sepultamento, o túmulo e a ascensão de Maria aos Céus. Segundo a palavra do Pontífice este texto reflete uma intuição da fé do povo de Deus. 

O texto – O autor do “Transitus Mariae” usa o pseudônimo de Melitão. Existiu um Melitão, Bispo de Sardes, no ano de 150, mas não deve ser o mesmo. O autor diz que escutou de São João apóstolo a seguinte história: Maria vivia em sua casa, quando recebeu a visita de um anjo anunciando que, em três dias, seria elevada aos céus. Então ela pediu ao anjo que gostaria que todos os apóstolos estivessem reunidos. 

Morte – Três dias depois, Maria morreu na presença de todos os apóstolos. Pedro recebeu uma mensagem de Cristo: ele deveria tomar o corpo de Maria e levar à direita da cidade, até o oriente, onde encontraria um sepulcro novo. Ali deveria depositar o corpo de Maria e aguardar um novo aparecimento de Cristo. 

Enterro – Os apóstolos assim fizeram: colocaram o corpo num caixão, saíram de Jerusalém, à direita da cidade, entraram no Vale de Josafat (ou vale do Cedron), no caminho para o Monte das Oliveiras, depositaram o corpo no sepulcro, fecharam com uma pedra e ficaram esperando. 

Assunção – Cristo ressuscitado apareceu, saudando a todos: “A paz esteja convosco”. Pedro disse: “Senhor, se possível, parece justo que ressuscite do corpo de sua mãe e a conduza contigo ao Céu”.  Jesus disse: “Tu que não aceitasse a corrupção do pecado não sofrerás a corrupção do corpo no sepulcro”. E os anjos a levaram ao paraíso. Enquanto ela subia, Jesus falou aos apóstolos: “Do mesmo modo que estive com vocês até agora, estarei até o fim do mundo”. E desapareceu entre as nuvens junto com os anjos e Maria. 

Impressionante descoberta – A arqueologia estudou durante anos os detalhes da pequena igreja existente no local descrito pelo texto “Transitus Mariae” sem nada encontrar. Em 1972, uma chuva torrencial alagou a igreja e exigiu a reconstrução do piso. Ao remover o piso, apareceu um grande porão, com uma câmara funerária do primeiro século. Todas as descrições do livro apócrifo estavam confirmadas. 

Quer ler mais – Se você se interessou pelo assunto, nós podemos lhe oferecer a história completa do “Túmulo de Maria” escrita pelo teólogo católico Ariel Alvarez Valdes (17 páginas, em espanhol) com fotos e desenhos do túmulo. Também podemos oferecer o texto completo do livro apócrifo “Transitus Mariae”, escrito no século II (16 páginas, em espanhol). Solicite por E-mail.