O
Evangelho das missas deste domingo narra a presença de Jesus em um banquete na
casa de um fariseu. A cena descrita por Lucas aconteceu em outubro do ano 27,
na Galiléia.
A cena –
Lucas é um verdadeiro artista de palavras. Seria quase impossível ler ou ouvir
este trecho sem imaginar a cena. Jesus e os convidados, não sentados à mesa,
mas deitados sobre almofadas; a chegada da mulher, desprezada na vila por
todos, com certeza sentindo-se humilhada, mas movida por uma força maior, que a
faz enfrentar corajosamente o desprezo dos outros e penetrar por dentro da casa
de um fariseu - coisa inédita! Mas quem é impulsionado pelo amor e pela
experiência de Deus não mede esforços. Depois, as lágrimas - não de tristeza,
mas de gratidão, de alívio, de uma profunda alegria do ser - o enxugar dos pés,
o perfume.
O fariseu –
E a reação de Simão, o fariseu! Ele, que se julga “justo” e não “pecador”, - e,
com razão, segundo os critérios da sociedade e da religião oficial do tempo -
se dá o direito de julgar tanto a mulher, como a Jesus. Para ele - como para
muitos de nós - ser justo é cumprir as leis, e assim deixar de ser pecador.
Simão, com afinco, cumpre as leis! Assim, ele se justifica (se torna justo), na
realidade, dispensando a graça e o perdão de Deus. Quem considera que não
esteja necessitado de perdão, jamais será capaz de entender a sua força
transformadora, que nos capacita para o amor.
Perdoar –
Jesus, porém, reage de uma maneira bem diferente. Por meio da parábola dos dois
devedores, ensina que é a experiência de ser perdoado que leva ao amor. Não o
contrário! A mulher na história não foi perdoada porque ela antes muito amou,
mas muito amou porque ela foi antes perdoada! O amor é a conseqüência da ação
do perdão de Deus. Quem nunca foi perdoado, dificilmente vai perdoar; quem
nunca foi amado, terá dificuldade em amar. O perdão de Deus não é a reação
d’Ele à nossa iniciativa de amar - pelo contrário, é Deus quem toma a
iniciativa de perdoar; e essa experiência de sermos perdoados nos capacitará
para que possamos amar. O nosso amor é a nossa resposta à iniciativa gratuita e
amorosa do Pai - não temos que conquistar este amor, este perdão, nem
merecê-los, mas aceitá-los, assumi-los e responder a eles.
Experiência –
Todos nós corremos o risco de agirmos como Simão! Muitas vezes temos recebido
uma formação espiritual que na verdade era em grande parte “farisaica”, baseada
no cumprimento de leis e práticas externas de piedade, como se nós pudéssemos
nos justificar diante de Deus. Temos de refazer a experiência de Paulo, fariseu
ferrenho, que descobriu que nenhuma prática religiosa - por tão importante que
seja - pode nos justificar. A vida de Paulo mudou quando ele fez a experiência
da gratuidade do amor de Deus, e o resto da sua vida foi uma resposta a este
amor gratuito. Mas a conseqüência de uma formação errada pode ser de nos darmos
o luxo de julgar, classificar e desprezar os outros, que são “pecadores”,
conforme os nossos critérios.
Mulheres –
Este trecho dá grande destaque às mulheres. Jesus rompeu com as tradições
patriarcais e machistas do seu tempo. Não só se deixou tocar por mulheres
“pecadoras” - assim se tornando impuro, conforme as leis de então - como se fez
acompanhar, nas suas andanças pela Galiléia, por várias mulheres que faziam
parte do seu grupo de seguidores. Não é claro se Lucas salienta este ponto para
refletir a grande liderança de mulheres nas suas comunidades ou, pelo
contrário, para contestar uma tendência machista de cortar esta liderança,
lembrando aos seus leitores que Jesus não aceitava nenhuma discriminação
baseada no gênero. Durante séculos, a Igreja, em grande parte, perdeu esta
novidade de Jesus, assumindo os padrões patriarcais e machistas da sociedade
dominante. Devemos voltar a esta visão de fraternidade e igualdade entre homens
e mulheres, como pede o Papa João Paulo II na sua Exortação Apostólica “Vita
Consacrata”, quando ele conclama as mulheres a serem protagonistas de um “novo
feminismo”.
Que
o Evangelho de Lucas nos ajude a recuperarmos as atitudes de Jesus, para que as
nossas comunidades sejam realmente comunidades de fraternidade, igualdade,
perdão, misericórdia e amor!
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