sábado, 26 de junho de 2010

Quem olha para trás não serve

O Evangelho das missas deste domingo acontece durante a viagem de Jesus (e os apóstolos) à Jerusalém, para participar da Festa dos Tabernáculos. Estamos em outubro do ano 29 (importante lembrar que Jesus foi crucificado no dia 7 de abril do ano 30). Ao se aproximarem de um povoado da Samaria, Jesus mandou que alguns mensageiros fossem na frente para prepararem um lugar para eles, mas os moradores dali não quiseram receber Jesus.

 

O texto – Em seguida Jesus dialoga com três homens (candidatos a discípulos): o primeiro diz que está pronto para seguir Jesus e recebe a resposta: “As raposas têm as suas tocas e os pássaros, os seus ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde descansar”. Para o segundo, Jesus diz: “Venha comigo”, e recebe a resposta: “Senhor, primeiro deixe que eu volte e sepulte o meu pai”, e Jesus lhe responde: “Deixe que os mortos sepultem os seus mortos”. O terceiro homem diz: “Eu seguirei o senhor, mas primeiro deixe que eu vá me despedir da minha família”, e Jesus lhe responde: “Quem começa a arar a terra e olha para trás não serve para o Reino de Deus”.

 

O 4º Mandamento – O rabino americano Jacob Neusner escreveu um livro (“Um Rabino fala com Jesus”) no qual se imagina entre os presentes quando Jesus falava à multidão. Neusner explica por que, apesar de sua grande admiração pelo Mestre de Nazaré, não teria podido ser seu discípulo. Um dos motivos é precisamente a postura de Jesus com relação aos seus familiares. Em várias ocasiões, afirma o rabino, Ele parece convidar a transgredir o Quarto Mandamento (Honrarás teu pai e tua mãe). No texto deste domingo, Jesus pede ao homem para renunciar a ir sepultar o próprio pai e em outro lugar diz que quem ama o pai ou a mãe mais que Ele, não é digno d’Ele.

 

O Papa – Bento XVI, em seu livro “Jesus de Nazaré” (publicado em abril de 2007), dá uma resposta profunda e iluminadora a esta objeção que não é só do rabino Neusner, mas também de muitos leitores cristãos do Evangelho. Ele usa as próprias palavras de Jesus em Mt 12, 49-50: ao ser anunciada a visita de seus parentes, Ele respondeu: “Quem é minha mãe e quem são meus irmãos?... Todo o que cumpre a vontade de meu Pai celestial, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe”.

 

Nova família – Jesus não quer com isso eliminar a família natural, mas revela uma nova família na qual Deus é Pai e os homens e as mulheres são todos irmãos e irmãs, graças à comum fé n’Ele, o Cristo. Mas Jesus tinha o direito e o poder de fazer isso? – perguntam os leitores (e certamente o rabino Neusner).

 

Substituindo a Torá – Esta família espiritual já existia: era o povo de Israel unido pela observância da Torá (lei fundamental do povo judeu, instituída por Moisés, composta pelo Pentateuco ou os cinco primeiros livros do Antigo Testamento). A única condição para um filho de judeu deixar a casa paterna era para estudar a Torá. Mas Jesus não diz: “Quem ama seu pai ou sua mãe mais que a Torá, não é digno da Torá”. Diz: “Quem ama seu pai ou sua mãe mais que a mim, não é digno de mim”. Põe a si mesmo no lugar da Torá e isso pode ser feito só por quem é superior à Torá e superior a Moisés, que a promulgou.

 

Jesus Deus – O rabino judeu Neusner aprofunda a discussão, com a seguinte afirmação: “Só Deus pode exigir de mim o que Jesus está pedindo”. Para esta indagação, o Papa também responde: A discussão sobre Jesus e os vínculos de parentesco (como aquela sobre Jesus e a observância do sábado) nos leva ao verdadeiro núcleo da questão, que é saber quem é Jesus. Se um cristão não crê que Jesus atua com a própria autoridade de Deus e que Ele mesmo é Deus, então há mais coerência na postura do rabino judeu que rejeita segui-lo. Não se pode aceitar o ensinamento de Jesus se não se aceita também sua pessoa.

 

Família – Tiremos também um ensinamento prático do debate. A “Família de Deus”, que é a Igreja, não só não está contra a família natural, mas é sua garantia e promotora. Nós o vemos hoje. É uma pena que algumas divergências de opiniões no seio da sociedade atual sobre questões ligadas ao matrimônio e à família impeçam muitos de reconhecer a obra providencial da Igreja a favor da família, e que a deixe freqüentemente sozinha nesta batalha decisiva para o futuro da humanidade.

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