sábado, 31 de dezembro de 2011

Quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou o seu Filho

No Evangelho deste domingo (Lc 2,16-21) Lucas descreve que os pastores, ao serem avisados pelo anjo, dirigiram-se apressadamente para Belém e encontraram Maria, José e o Menino deitado na manjedoura; e regressaram, glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham ouvido e visto. 

Natal – O texto do Evangelho de hoje é a continuação daquele que foi lido na noite de Natal: após o anúncio do “anjo do Senhor”, os pastores (destinatários desse anúncio) dirigiram-se a Belém e encontraram o Menino, deitado numa manjedoura de uma gruta de animais.  

Catequese – Mais uma vez, Lucas não está interessado em fazer a reportagem do nascimento de Jesus ou a crônica social das “visitas” que, então, o menino de Belém recebeu; mas está, sobretudo, interessado em apresentar uma catequese que dê a entender (aos cristãos, a quem o texto se destina) quem é esse Menino e qual a missão de que ele foi investido por Deus. Nesta catequese fica bem claro que Jesus é o Messias libertador, enviado a trazer a paz; e há também, uma reflexão sobre a resposta que Deus espera do homem. 

Ideia do autor – Como pano de fundo do texto está, portanto, a ideia de que, com a chegada de Jesus, atingimos o centro do tempo salvífico… Em Jesus, a proposta libertadora que Deus tinha para nos oferecer veio ao nosso encontro e materializou-se no meio dos homens; o fato de que essa “boa notícia” foi dada, em primeiro lugar, aos pastores (classe marginalizada, considerada impura, pecadora e muito longe de Deus e da salvação) significa que a proposta de Jesus se destina, de forma especial, aos pobres e marginalizados, àqueles que a teologia oficial excluía e condenava. Diz-lhes que Deus os ama, que conta com eles e que os convoca para fazer parte da sua família. Esta é a ideia essencial do autor. 

Personagens da cena – Definida a questão essencial, vamos voltar nossa atenção para as atitudes dos pastores e na forma como eles respondem à chegada de Jesus… 

Pastores – Depois de escutarem a “boa nova” do nascimento do libertador, se dirigem “apressadamente” ao encontro do menino. A palavra “apressadamente” sublinha a ânsia com que os pobres e os marginalizados esperam a ação libertadora de Deus em seu favor. Aqueles que vivem numa situação intolerável de sofrimento e de opressão reconhecem Jesus como o único salvador e apressam-se a ir ao seu encontro. É d’Ele e de mais ninguém que brota a libertação pela qual os oprimidos anseiam. A disponibilidade de coração para acolher a sua proposta é a primeira coisa que Deus pede. 

Glória – Reparem como os pastores reagem ao encontro com Jesus… Começam por glorificar e louvar a Deus por tudo o que tinham visto e ouvido: é a alegria pela libertação que se converte em ação de graças ao Deus libertador. Depois, esse louvor torna-se testemunho: quem faz a experiência do encontro com Deus libertador tem obrigatoriamente de dar testemunho, a fim de que os outros homens possam participar da mesma experiência gratificante. 

Maria – Finalmente, atentemos na atitude de Maria: ela “conservava todas estas palavras, meditando-as no seu coração”. É a atitude de quem é capaz de abismar-se com as ações do Deus libertador, com o amor que Ele manifesta nos seus gestos em favor dos homens. “Observar”, “conservar” e “meditar” significa ter a sensibilidade para entender os sinais de Deus e ter a sabedoria da fé para saber lê-los à luz do plano de Deus. É precisamente isso que faziam os profetas. 

Atitudes – A atitude meditativa de Maria, que interioriza e aprofunda os acontecimentos, complementa a atitude “missionária” dos pastores, que proclamam a ação salvadora de Deus, manifestada no nascimento de Jesus. Estas duas atitudes definem duas coordenadas essenciais daquilo que deve ser a existência do crente.

sábado, 24 de dezembro de 2011

Quando nasceu Jesus ?

Como fizemos na semana passada, hoje vamos apresentar mais detalhes sobre o nascimento de Jesus com informações tiradas dos Evangelhos Canônicos e de textos históricos. 

Cronologia – A cronologia do nascimento de Jesus não é encontrada, diretamente, nos Evangelhos.  No entanto, é possível a reconstrução do quadro cronológico a partir de alguns dados evangélicos, históricos e astronômicos.         

O que dizem os Evangelhos – O ano em que Jesus nasceu pode ser calculado em função de dois dados evangélicos: alguns anos antes da morte de Herodes (Mt 2,1-19) e por ocasião de um recenseamento, quando Públio Sulpício Quirino era governador da província romana da Síria (Lc 2,2). 

Um pouco de História – De acordo com o historiador judeu Flávio Josefo, Herodes governou 37 anos (desde o 714º ano do calendário romano, que conta os anos a partir da fundação de Roma – ou 40 a.C. – até a sua morte no ano 750º, ou 4 a.C.).   Herodes morreu alguns dias após um eclipse lunar e cerca de 10 dias antes da Páscoa.  A astronomia confirma um eclipse lunar visível em Jerusalém na noite de 12 de março de 4 a.C. e a Páscoa daquele ano ocorreu em 11 de abril.  Portanto, Herodes morreu no final de março do ano 4 a.C. 

Herodes – Sabe-se também, que no princípio do inverno do ano de 5 a.C. Herodes, já doente (problemas pulmonares), se transferiu para Jericó e, depois, para as termas de Calliroe, no Mar Morto.  Portanto, a visita dos magos a Jesus e a Herodes em Jerusalém se deu antes dessa data (Mt 2).  Por outro lado, Herodes, calculando a época desde o nascimento de Jesus, fez matar todos os meninos com menos de dois anos.  Isso nos leva a concluir que Jesus deveria ter nascido pelo menos dois anos antes da morte de Herodes.  

O ano do nascimento de Jesus – Essas considerações nos levam a situar o nascimento de Jesus nos anos 7 (mais provável) ou 6 antes de nossa era e, portanto, se não fosse um paradoxo, poderíamos dizer em 7 ou 6 "antes de Cristo". 

Jesus não nasceu em dezembro – Quanto ao mês do nascimento de Jesus, a única informação está em Lc 2,8: "na mesma região havia uns pastores que estavam nos campos e que durante as vigílias montavam guarda a seu rebanho".   Sabe-se que, em dezembro, quando comemoramos o Natal, a temperatura na região de Belém é abaixo de zero e, normalmente, há geadas.   Portanto, certamente não haveria gado, no mês de dezembro, nos pastos próximos a Belém.   Atualmente, naquela região, os rebanhos são levados para o campo em março e recolhidos no fim de outubro. 

A época mais provável – Portanto, o nascimento de Jesus se deu antes do inverno (do hemisfério norte), talvez no mês de setembro ou outubro do ano 7 (talvez 6) antes de nossa era. 

25 de dezembro – Nada sabemos sobre o dia do nascimento de Jesus. Os romanos comemoravam em 25 de dezembro o ‘Dia do Sol Invencível’ pois, os dias começavam a ficar mais longos.  No século IV, os cristãos adotaram esta data para proclamar o nascimento de Cristo. 

QUER SABER MAIS? – Flávio Josefo foi um escritor e historiador judeu que viveu entre 37 e 103 d.C. No primeiro século escreveu a obra “A História dos Hebreus” que, depois da Bíblia, é a maior fonte de informações sobre os impérios da Antiguidade, o povo judeu e o Império Romano. Se você quiser receber o texto completo deste livro (1.627 páginas) solicite por E-mail que lhe enviaremos o arquivo gratuitamente.

sábado, 17 de dezembro de 2011

Advento: Alguém está chegando...

Como fizemos na semana passada, a respeito da história de João Batista, hoje vamos apresentar mais detalhes sobre o nascimento de Jesus com informações tiradas de outras fontes (além dos Evangelhos Canônicos), como a tradição judaica, fontes históricas e textos apócrifos (Protoevangelho de Tiago, a História de José o Carpinteiro). Lembramos que a Igreja Católica aceita alguns destes fatos na sua liturgia (os nomes dos pais de Maria, a cerimônia de apresentação de Maria no Templo, Imaculada Conceição, José idoso, o bastão de José), mesmo não constando nos Evangelhos. 

Maria – A mãe de Jesus era filha de Joaquim e Ana e foi concebida, por intervenção divina, imaculada, sem pecado original. Recebeu educação no Templo dos três aos doze anos de idade, foi oferecida em noivado a José, indo morar em sua casa. 

José – O pai adotivo de Jesus era um viúvo, carpinteiro, que vivia na cidade de Belém com seus seis filhos (quatro homens e duas mulheres). Tiago era o menor deles, ainda com pouca idade. José era um homem justo e costumava permanecer longos períodos em viagem (junto com dois de seus filhos), exercendo sua profissão (construindo casas). 

Um certo anjo... – Certo dia, Maria pegou um cântaro e foi enchê-lo de água. Era o ano 7 a.C. e Maria tinha 13 (ou 14) anos. Mas eis que ouviu uma voz que lhe dizia: "Deus te salve, cheia de graça, o Senhor está contigo, bendita és entre as mulheres." Maria se assustou, pois não sabia de onde vinha aquela voz. Um anjo se apresentou diante dela, dizendo: "Não temas, Maria, pois obtiveste graça junto a Deus. Eis que engravidarás e darás à luz um filho, e lhe darás o nome de Jesus.”. 

Visita a Isabel – Após a visita do anjo, Maria partiu em visita a sua parenta Isabel, grávida de seis meses. Permaneceu três meses com Isabel, portanto, até o nascimento de João Batista. Cabe lembrar a distância entre as cidades de Nazaré e Belém é de, aproximadamente, 140 km. Assim, Maria percorreu 280 km em sua visita a Isabel. 

Magnificat – Ao chegar à casa de Isabel, Maria ouviu um dos mais belos hinos de louvor cristão, todo baseado no cumprimento das promessas do Antigo Testamento (Lc 1,46-56). O Magnificat seria uma oração usada na liturgia palestinense. 

Ave Maria – Você sabia que a primeira parte da oração da "Ave Maria" é totalmente tirada das palavras do anjo e de Isabel? Está tudo na Bíblia. Vejamos: "Ave, cheia de graça" (anjo em Lc 1,28-30), "o Senhor está convosco" (anjo em Lc 1,28), "bendita és entre as mulheres" (Isabel em Lc 1,42), "bendito é o fruto do vosso ventre" (Isabel Lc 1,42). Portanto, ao rezarmos a oração da Ave Maria, estamos recitando versículos do Evangelho de Lucas. 

Gravidez de Maria – Quando Maria estava no sexto mês de gravidez, José voltou do seu trabalho. Ao constatar a gravidez de Maria, revoltou-se, não sabendo que atitude tomar: podia denunciá-la às autoridades (o que a levaria à morte) ou assumir a gravidez, aceitando-a em sua casa como esposa. Um anjo apareceu a José (em sonho), indicando a concepção divina de Maria e determinando que o seu filho deveria chamar-se Jesus. 

Viagem – Era verão (ou outono) do ano 7 (ou 6) a.C. no hemisfério norte, pois os pastores estavam com seus rebanhos no campo (portanto, agosto ou setembro). O imperador Augusto publicou um decreto ordenado que todos deveriam se recensear em sua cidade de nascimento. Para a viagem a Belém, José selou uma asna e acomodou Maria sobre ela. Enquanto um de seus filhos ia à frente, puxando o animal, José ia atrás, em outro animal. 

Nascimento – Quando estavam a aproximadamente três quilômetros de Belém, Maria começou a sentir as dores de parto. Havia ali perto uma gruta de pedra, com alguns animais. Bem... o resto da história todo mundo já sabe...

sábado, 10 de dezembro de 2011

São João Batista e Herodes

          Uma das histórias mais conhecidas da Bíblia é o confronto entre São João Batista (o precursor de Cristo) e Herodes Antipas, o filho de Herodes Magno (aquele que aparece no nascimento; recebe os magos e manda assassinar as crianças de Belém).  Vamos detalhar os fatos, usando os textos do Evangelho de Marcos (Mc 6, 17s) e as citações do historiador Flávio Josefo, no livro Antiguidades Judaicas (XVIII, 5, 2). 

Herodes Antipas – Foi o filho caçula de Herodes, o Grande e da samaritana Maltace, uma das dez esposas de seu pai; nasceu por volta do ano 20 a.C. Com a morte de seu pai (4 a.C.), tornou-se tetrarca da Galileia e Pereia (rei de uma das quatro partes do reino) (conforme Lc 3,1).  Frequentou as melhores escolas de seu tempo, alternando o estudo com os divertimentos e a ociosidade de Roma. Casou-se com a filha de Aretas IV, o rei do perigoso povo nabateu (da vizinha Arábia).  Tinha total confiança e simpatia do Imperador Tibério, a ponto de ser transformado em um espião, junto aos magistrados romanos no Oriente. 

O escândalo – Por volta do ano 27 d.C., em uma de suas viagens a Roma, como informante do imperador, Herodes Antipas hospedou-se na casa de seu irmão por parte de pai, Herodes Filipe (veja Mc 6,17).  Este levava uma vida discreta em Roma e havia se casado com sua sobrinha, Herodíades.  A ocasião foi favorável tanto para a ambiciosa Herodíades (que não se conformava com aquela vida obscura), como para o leviano Antipas, que se apaixonou por ela. 

A infidelidade – Os dois juraram-se fidelidade.  A pedido de Herodíades, o tetrarca prometeu repudiar a esposa assim que retornasse à Galileia; Herodíades prometeu-lhe abandonar o marido, Filipe, e acompanhá-lo para a Galileia.  A legítima esposa de Antipas, sabendo dos projetos do marido, preferiu não sofrer a humilhação do repúdio, retirando-se para a casa dos pais.  Os nabateus, vendo a filha do rei Aretas IV humilhada, invadiram as terras de Antipas, fazendo com que este perdesse toda a estima do imperador. 

A união ilegítima – Com o caminho livre, Herodíades viajou para a Galileia, levando a sua filha, a bela jovem Salomé, e passou a viver com Herodes Antipas. 

A denúncia de João Batista – Todo o povo comentava o escândalo do tetrarca, que violara as leis nacionais e religiosas ao contrair aquelas segundas núpcias, que a Lei de Moisés condenava severamente (Lev 20,21).  Todos falavam, indignados, dessa união, mas secretamente, temiam represálias.  Só o profeta do deserto, respeitado pelo povo e por Antipas (Mc 6,20), João Batista, ousou afrontar o tetrarca, denunciando a união ilegítima com Herodíades (Mc 6,18).  Temendo uma revolta popular, Antipas mandou prender João Batista na solitária e majestosa fortaleza de Maqueronte. Herodíades queria silenciar para sempre, com a morte, o austero denunciante. 

O Martírio – No dia do aniversário de Herodes, foi oferecido um banquete aos grandes da corte.  Salomé (filha de Herodíades) dançou e agradou a todos.  O rei, encantado, disse à moça: “Pede o que quiseres e eu te darei, ainda que seja a metade de meu reino”.  Em dúvida, a moça perguntou a sua mãe: “O que hei de pedir?”.  Ela respondeu: “A cabeça de João Batista”.  Salomé pediu ao rei: ”Quero que me dês num prato a cabeça de João Batista”.  Antipas, mesmo contrariado, mandou degolar João, no cárcere, e entregou a sua cabeça num prato para Salomé (veja Mc 6,21-28). 

Lenda – Uma antiga lenda conta que Herodíades ao ter nas mãos a cabeça de João, não pôde conter a satisfação e, com um alfinete de ouro, atravessou a língua que a havia censurado. 

QUER LER MAIS?

Se você se interessou pelo confronto entre João Batista e Herodes nós podemos lhe oferecer um texto com a história completa (10 páginas). Solicite.

sábado, 26 de novembro de 2011

Situação política na época do nascimento de Jesus

Palestina – Jesus nasceu e viveu na região da Palestina (hoje Israel).  Na época em que ele nasceu, a Palestina era dominada pelo Império Romano (desde o ano 31 a.C.), cujo imperador era Otávio Augusto.  Desde 37 a.C. a região formava um “reino cliente”, com alguma independência de Roma, sendo administrado pelo rei Herodes Magno (“O Grande”). 

Império Romano – Portanto, na época do nascimento de Jesus, mais da metade do mundo conhecido era dominada pelo Império Romano (toda a região do Mar Mediterrâneo, a Palestina, norte da África e Egito), sendo a Palestina um reino parcialmente independente, cedido pelo imperador romano a Herodes.  Nesta região viviam os judeus, um povo com língua (hebraico ou aramaico), religião e costumes próprios. 

Rei – Herodes (Magno) era um Idumeu (povo que havia invadido a Palestina e assumido a religião judaica, porém excluído pelos judeus), casado com Mariana (judia), com a qual teve 2 filhos (Alexandre e Aristóbulo), além de outros filhos de casamentos anteriores. Administrativamente Herodes era um político hábil: trouxe paz para a região, reconstruiu Jerusalém (com obras pagãs como teatros e anfiteatros, inaceitáveis para os judeus), instituiu os jogos atléticos em homenagem ao imperador (os jovens competiam nus) e reconstruiu o templo dos judeus com o dobro do tamanho. 

Herodes – Era, porém, obcecado pelo poder. Para mantê-lo, tornou-se um tirano e criminoso: mandou matar dois cunhados, 45 aristocratas, os dois filhos que teve com Mariana (depois de deixá-los presos por um ano), mandou afogar seu cunhado no rio Jordão, mandou matar a sogra, mandou queimar vivo dois sábios; cinco dias antes de morrer (aos 70 anos) mandou matar seu filho Antipater.  Também é atribuída a Herodes a morte de sua mulher Mariana. Em 36 anos de reinado, não se passou um só dia sem execução de inocentes.  Enciumado com o nascimento de Jesus (Mt 2,1-12), mandou matar todos os meninos com menos de 2 anos nascidos em Belém. 

Filhos – Herodes morreu entre março ou abril do ano -4 (aproximadamente dois anos após o nascimento de Jesus), sendo seu reino dividido entre seus filhos: Herodes Antipas, que ficou com a Galiléia e Peréia (norte); Herodes Filipe, que ficou com as 5 províncias ao leste do rio Jordão; Herodes Arquelau, ficou com a Judéia e Samaria (ao sul). Arquelau se mostrou mais tirano que o pai.  Nos primeiros dias de sua posse matou muitos judeus.  Num só dia foram mortas 3.000 pessoas. 

Arquelau – O Evangelho de Mateus deixa bem claro a situação de opressão do povo (Mt 2,16-23) por ocasião do nascimento do Messias: José, Maria e Jesus se refugiaram no Egito com medo de Herodes e, depois da morte deste, retornaram para a Galiléia, com medo de Arquelau (que reinava na Judéia e Samaria, apenas). Em razão de inúmeros protestos dos judeus, em 6 d.C. Arquelau foi destituído do cargo pelo Imperador Otávio, passando a Judéia a ter administração direta de Roma, através de procuradores.  Trinta anos depois, Poncius Pilatus se tornaria o mais famoso dos procuradores. 

Antipas – Herodes Antipas, muito ambicioso, casou-se com a filha do rei da Arábia, ao mesmo tempo em que conquistava a estima e confiança do imperador romano.  Numa viagem a Roma, hospedou-se na casa do irmão, Herodes Filipe, apaixonando-se por Herodíades, mulher do irmão.  Algum tempo depois, Herodíades foi morar na Palestina com Herodes Antipas e levou junto a sua filha Salomé.  A situação de adultério foi denunciada por João Batista, que foi decapitado por vingança de Herodíades. 

Como se vê, a plenitude dos tempos, ocasião escolhida por Deus para o nascimento de seu Filho, foi uma época sombria da história de judeus e pagãos. O que nos leva a refletir sobre uma frase de São Tomás de Aquino: “Deus não ama o homem porque o homem seja bom, mas o homem é bom porque Deus o ama”.

sábado, 19 de novembro de 2011

Foi a mim que o fizestes

final. Você sabe dizer em que época foi realizado esse discurso? (resposta abaixo).

 O evangelho deste domingo é o famoso texto de Mateus 25, 31-46 sobre o Juízo Final. Nesse texto, enfatiza-se a sorte eterna dos que optaram ou não pela vivência da "justiça do Reino dos Céus". Mostra que a vivência dessa justiça será o critério de Deus para o julgamento final. Ilustra-se, de uma maneira viva, o sentido da frase lapidar do Sermão da Montanha: "Se a justiça de vocês não for superior à dos doutores da lei e dos fariseus, não entrarão no Reino do Céu" (5, 20). 

Cristo Rei – Chegamos ao último domingo do ano litúrgico, no qual celebramos a festa de Cristo Rei. O Evangelho faz-nos assistir ao último ato da história: o juízo universal. Que diferença há entre esta cena e a de Cristo ante os juízes em sua Paixão! Então, todos estavam sentados e Ele, em pé, amarrado; agora todos estão em pé e Ele está sentado no trono. Os homens e a história julgam Cristo; nesse dia, Cristo julgará os homens e a história. Ante Ele decide-se quem permanece em pé e quem cai. Esta é a fé imutável da Igreja que em seu Credo proclama: “De novo virá com glória para julgar vivos e mortos, e seu reino não terá fim”. 

Juízo – O Evangelho diz-nos também como acontecerá o juízo: “tive fome, e me destes de comer, tive sede e me destes de beber...”. O que acontecerá, portanto, com quem não só não deu de comer a quem tinha fome, mas também lhe tirou a comida; não só não acolheu, mas provocou que o outro se convertesse em forasteiro? Isto não afeta só a uns poucos criminosos.  

Impunidade – É possível que se instaure um ambiente geral de impunidade, no qual se utilizem carreiras para violar a lei, para corromper ou deixar corromper, com a justificativa de que todos fazem isso. Mas a lei nunca foi abolida. De repente, chega um dia, no qual se começa uma investigação e sucede-se uma grande devastação, como a que aconteceu na Itália, com “Mãos Limpas” [escândalos de corrupção da administração pública italiana, nos anos noventa].  

Todos fazem – Mas não é esta a situação na qual vivemos, em certo sentido, todos nós, investigados e investigadores, frente à lei de Deus? Violam-se tranquilamente os mandamentos, um após o outro, inclusive o que diz “não matarás” (para não falar do que diz “não cometerás adultério”), com o pretexto de que, de todos os modos, o fazem todos, que a cultura, o progresso e inclusive a lei humana já o permitem. Mas Deus nunca pensou em abolir nem os mandamentos nem o Evangelho e este sentido geral de segurança não é mais que um engano fatal. 

Tempo – Há alguns anos, restaurou-se o afresco do juízo universal, de Miguelangelo. Mas há outro juízo universal que é preciso restaurar: não está pintado em paredes de ladrilho, mas no coração dos cristãos. Ficou totalmente descolorido e está convertendo-se em ruínas. “O mais além, e com ele o juízo, converteu-se em uma brincadeira, em algo tão incerto que se diverte pensando que havia uma época na qual esta idéia transformava toda a existência humana” (Soren Kierkegaard). Alguém poderia tentar consolar-se, dizendo que, depois de tudo, o dia do juízo está muito longe, talvez faltem milhões de anos. Mas Jesus, no Evangelho, responde: “Tolo! Ainda esta noite te reclamarão a alma” (Lucas 12, 20). 

Misericórdia – O tema do juízo se entrecruza, na liturgia deste domingo, com o de Jesus bom pastor. No salmo responsorial se diz: “O Senhor é meu Pastor, nada me faltará: em verdes prados me faz repousar” (Salmo 22, 1-2). O sentido está claro: agora Cristo se revela a nós como bom pastor; dia virá em que será nosso juiz. Agora é o tempo da misericórdia, então será o tempo da justiça. A nós cabe escolher, enquanto estamos a tempo. 

Este texto é de autoria do padre Raniero Cantalamessa OFM – pregador da Casa Pontifícia, Vaticano.

sábado, 12 de novembro de 2011

Os talentos

No Evangelho das missas deste domingo (Mt 25,14-30), Jesus apresenta a parábola dos talentos. 

Ambiente – Mais uma vez, o Evangelho apresenta-nos o tema da segunda vinda de Jesus. A catequese que Mateus apresenta neste discurso tem em conta as necessidades da sua comunidade cristã. Estamos no final do séc. I (década de 80). Os cristãos, fartos de esperar a segunda vinda de Jesus, esqueceram o seu entusiasmo inicial… Instalaram-se na mediocridade, na rotina, no comodismo, na facilidade. As perseguições que se adivinham provocam o desânimo e a deserção… Era preciso reaquecer o entusiasmo dos crentes, despertar a fé, renovar o compromisso cristão com Jesus e com a construção do Reino. 

Talentos – Por esta razão, Mateus encoraja a todos, para que se lembrem de que a segunda vinda do Senhor acontecerá no final da história humana; e que, até lá, os crentes devem “colocar os seus talentos para render”, vivendo na fidelidade aos ensinamentos de Jesus e comprometidos com a construção do Reino. A parábola fala de “talentos” que um senhor distribuiu entre os servos. Um “talento” significa uma quantia muito considerável… Corresponde a 36 quilos de prata e ao salário de aproximadamente 3.000 dias de trabalho de um operário não qualificado. 

A “parábola dos talentos” – Conta que um “senhor” partiu em viagem e deixou a sua fortuna nas mãos dos seus servos. A um, deixou cinco talentos, a outro dois e a outro um. Quando voltou, chamou os servos e pediu-lhes contas do que haviam feito com o que tinham recebido. Os dois primeiros duplicaram a soma recebida; mas o terceiro tinha escondido cuidadosamente o talento que lhe fora confiado, pois conhecia a exigência do “senhor” e tinha medo. Os dois primeiros servos foram louvados pelo “senhor”, ao passo que o terceiro foi severamente criticado e condenado. 

O Reino – Provavelmente a parábola, tal como saiu da boca de Jesus, era uma “parábola do Reino”. O “senhor” exigente seria Deus, que reclama para Si uma lealdade a toda a prova e que não aceita meios tons e situações de acomodação e de preguiça. Os servos a quem Ele confia os valores do Reino devem acolher os seus dons e fazer com que eles rendam, a fim de que o Reino seja uma realidade. No Reino, ou se está completamente comprometido, ou não se está. 

Dons – No texto de Mateus, o “senhor” é Jesus que, antes de deixar este mundo, entregou bens consideráveis aos seus “servos” (os discípulos). Os “bens” são os dons que Deus, através de Jesus, ofereceu aos homens – a Palavra de Deus, os valores do Evangelho, o amor que se faz serviço aos irmãos e que se dá até a morte, a partilha e o serviço, a misericórdia e a fraternidade, os carismas e ministérios que ajudam a construir a comunidade do Reino… Os discípulos de Jesus são os depositários desses “bens”. A questão é, portanto, esta: como devem ser utilizados estes “bens”? Eles devem dar frutos, ou devem ser cuidadosamente conservados enterrados? Os discípulos de Jesus podem – por medo, por comodismo, por desinteresse – deixar que esses “bens” fiquem infrutíferos? 

Os bens – Na perspectiva da parábola, os “bens” que Jesus deixou aos seus discípulos têm de dar frutos. A parábola apresenta como modelos os dois servos que mexeram com os “bens”, que demonstraram interesse, que se preocuparam em não deixar parados os dons do “senhor”, que fizeram investimentos, que não se acomodaram nem se deixaram paralisar pela preguiça, pela rotina, ou pelo medo. Por outro lado, a parábola condena veementemente o servo que entregou intactos os bens que recebeu. Ele teve medo e, por isso, não correu riscos; mas não só não tirou desses bens qualquer fruto, como também impediu que os bens do “senhor” fossem criadores de vida nova. 

Comodismo – Através desta parábola, Mateus incentiva a sua comunidade a estar alerta e vigilante, sem se deixar vencer pelo comodismo e pela rotina. Esquecer os compromissos assumidos com Jesus e com o Reino, demitir-se das suas responsabilidades, deixar na gaveta os dons de Deus, aceitar passivamente que o mundo se construa de acordo com valores que não são os de Jesus, instalar-se na passividade e no comodismo é privar os irmãos, a Igreja e o mundo dos frutos a que têm direito. 

Construir – O discípulo de Jesus não pode esperar o Senhor de mãos erguidas e de olhos postos no céu, alheio aos problemas do mundo e preocupado em não se contaminar com as questões do mundo… O discípulo de Jesus espera o Senhor profundamente envolvido e empenhado no mundo, ocupado em distribuir a todos os homens, seus irmãos, os “bens” de Deus e em construir o Reino.

sábado, 5 de novembro de 2011

As bem-aventuranças

No Evangelho das missas deste domingo serão lidas as bem-aventuranças, também chamadas Sermão da Montanha (Mt 5,1-12). 

Verdadeiro Apóstolo – O Sermão da Montanha nos apresenta um retrato das qualidades do verdadeiro discípulo, daquele que, no seguimento de Jesus, procura viver os valores do Reino de Deus. Basta uma leitura superficial para ver que a proposta de Jesus está na contramão da proposta da sociedade vigente – tanto a do tempo de Jesus, como a de hoje. O texto de Mateus deixa claro que o seguimento de Jesus exige uma mudança radical na nossa maneira de pensar e viver. 

"Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus” – Este versículo chama a atenção pelo fato de estar com o verbo no presente: o Reino já é dos pobres em espírito e dos perseguidos por causa da justiça. O Senhor promete a felicidade na bem-aventurança eterna e, ao mesmo tempo, já nesta vida (“deles é”, não diz “deles será”). As bem-aventuranças são o mais surpreendente código de felicidade, e não se trata de uma felicidade qualquer: é uma felicidade incomparável, interior e profunda, embora ainda não possuída de modo perfeito e completo na vida terrena.  

Os pobres em espírito – No Antigo Testamento, o pobre está já delineado não só como uma situação socioeconômica, mas como um valor religioso muito elaborado: é pobre quem se apresenta diante de Deus com uma atitude humilde, sem méritos pessoais, considerando a sua realidade de homem pecador, necessitado do perdão divino, da misericórdia de Deus para ser salvo. Assim, além de viver com uma sobriedade e uma austeridade de vida reais, efetivas, é necessário que aceite e queira tais condições de pobreza – não como algo imposto pela necessidade, mas, voluntariamente, com afeto. 

Pobreza – A ‘explicação’ de Mateus, “em espírito”, sublinha a exigência dessa mesma pobreza: não é pobre em espírito quem só é assim porque é obrigado pela sua situação socioeconômica, mas também aquele que, além disso, é pobre, querendo essa pobreza de modo voluntário. Esta atitude religiosa de pobreza está muito relacionada com a chamada infância espiritual. O cristão considera-se diante de Deus como um filho pequeno que não tem nada como propriedade; tudo é de Deus, o seu Pai, e tudo que tem deve a Ele. De qualquer modo, a pobreza em espírito – ou seja, a pobreza cristã – exige o desprendimento dos bens materiais e austeridade no uso deles.  

Bem-aventurados os humildes, porque possuirão a terra. A tradução preferiu um termo mais suave do que “os mansos”, que são os que sofrem serenamente e sem ira, ódio ou abatimento, as perseguições injustas e as contrariedades. De fato só os humildes são capazes da virtude da mansidão, pois não dão demasiada importância a si próprios. A “terra” é a nova terra prometida, isto é, o Céu.  

Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados. Refere-se aos aflitos, e muito particularmente os que têm o coração cheio de mágoa por terem ofendido a Deus e que, com vontade de reparação, choram e lamentam os seus pecados.  

Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. A ideia de justiça na Sagrada Escritura é uma ideia de natureza religiosa: justo é aquele que cumpre a vontade de Deus e justiça corresponde à santidade, vocação a que todos são chamados.  

Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus. São, em geral, os que têm uma intenção reta, os que são capazes de um amor puro, limpo e nobre, os que têm um olhar reto e íntegro; está, portanto, englobada a castidade, mas não é só ela.  

Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus (uma tradução mais expressiva do que pacíficos). São os que promovem a paz entre os homens e dos homens com Deus, fundamento sério de toda a paz no mundo.  

Bem-aventurados sereis, quando, por minha causa, vos insultarem, vos perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós. Jesus deixa claro qual é a consequência de assumir esse projeto de vida: a perseguição! Um sistema baseado em valores antievangélicos não pode aguentar quem a contesta e questiona: algo que a história dos mártires testemunha muito bem.

sábado, 29 de outubro de 2011

Um só é vosso Mestre, o Cristo

O Evangelho deste domingo (Mt 23,1-12) coloca-nos, mais uma vez, em Jerusalém, nos últimos dias antes da paixão e morte de Jesus. É nesses dias que se desenrola o confronto final entre Jesus e o judaísmo. Jesus diz que “os mestres da Lei e os fariseus têm autoridade para explicar a Lei de Moisés, porém não imitem as suas ações, pois eles não fazem o que ensinam. Um só é vosso Mestre, o Cristo”. Para reflexão deste Evangelho, reproduzimos o comentário do padre Raniero Cantalamessa, pregador da Casa Pontifícia de Roma. 

Mestre – No Evangelho, os títulos de Cristo são como lados de um prisma, cada um dos quais reflete uma “cor” particular, isto é, um aspecto de sua realidade íntima. Este domingo, encontramo-nos com o importante título de Mestre “Um só é vosso Mestre, o Cristo”. Entre os artistas e certas categorias de profissionais, o nome do mestre em cuja escola se tenha formado é uma das coisas das quais se está mais orgulhoso e se põe na reunião das próprias referências. Mas a relação mestre-discípulo era ainda mais importante nos tempos de Jesus, quando não havia livros e toda a sabedoria se transmitia por via oral. 

Aprendei de mim – Em um ponto Jesus se distancia do que ocorria em seu tempo entre o mestre e os discípulos. Estes pagavam, por assim dizer, os estudos, servindo ao mestre, fazendo por ele pequenos encargos e prestando-lhe os serviços que um jovem pode fazer a um ancião, entre os quais estava lavar-lhe os pés. Com Jesus sucede ao contrário: é ele quem serve aos discípulos e lhes lava os pés. Jesus não é verdadeiramente da categoria dos mestres que “dizem e não fazem”. Ele não disse a seus discípulos que fizessem nada que não tivesse feito ele mesmo. É o contrário dos mestres admoestados na passagem do Evangelho do dia, que “atam cargas pesadas e as deixam às costas das pessoas, mas eles nem com o dedo querem movê-las”. Por isso Jesus pode dizer com toda verdade: “Aprendei de mim”. 

M maiúsculo – Mas o que quer dizer que Jesus é o único mestre? Que este título não devr ser utilizado de agora em diante por nenhum outro, que ninguém tem direito de fazer-se chamar mestre. Quer dizer que ninguém tem o direito de fazer-se chamar Mestre com M maiúsculo, como se fosse o proprietário último da verdade e ensinasse em nome próprio a verdade sobre Deus. Jesus é a suprema e definitiva revelação de Deus aos homens e contém em si todas as revelações parciais que foram dadas a conhecer antes ou depois dele.  

Verdades definitivas – Não se limitou a revelar-nos quem é Deus, também nos disse o que Deus quer, qual é sua vontade em nós. Isto há que recordar ao homem de hoje, tentado de relativismo ético. João Paulo II o fez com a encíclica “O esplendor da verdade” (Veritatis splendor) e seu sucessor, Bento XVI, não se cansa de insistir nisso. Não se trata de excluir um sadio pluralismo de perspectivas sobre as questões ainda abertas ou sobre os problemas novos que se apresentam à humanidade, mas de combater essa forma de relativismo absoluto que nega a possibilidade de verdades certas e definitivas. 

Verdade absoluta – Contra este relativismo, o Magistério da Igreja reafirma que existe uma verdade absoluta, porque existe Deus que é o mediador da Verdade. Esta verdade essencial, certamente a identificar sempre com maior esmero, está impressa na consciência. Mas já que a consciência se obscureceu pelo pecado, pelos costumes e os exemplos contrários, eis aqui o papel de Cristo, que veio revelar de forma clara esta verdade de Deus; eis aqui o papel da Igreja e de seu Magistério, que explica tal verdade de Cristo e a aplica às constantes mudanças de situações da vida. 

Discípulo – Um fruto pessoal da reflexão de hoje sobre o Evangelho será redescobrir que honra, que privilégio inaudito, que “título de recomendação” é, ante Deus, ser discípulo de Jesus de Nazaré. Coloquemos também nós, isso no cume de todas as nossas “referências”. Que vendo-nos ou ouvindo-nos qualquer um possa dizer de nós o que a mulher disse a Pedro, no átrio do Sinédrio: “Também tu és um de seus discípulos. Tua própria fala (tua atuação) te denuncia”.

sábado, 22 de outubro de 2011

Amarás a teu próximo

No Evangelho das missas deste domingo, Mateus (22,34-40) descreve mais uma discussão entre Jesus e os fariseus. Para testá-lo perguntam: "Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?". Jesus responde: “Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu entendimento e amarás teu próximo como a ti mesmo”. Para reflexão deste Evangelho, reproduzimos o comentário do padre Raniero Cantalamessa, pregador da Casa Pontifícia de Roma. 

Espelho – “Amarás teu próximo como a ti mesmo”. Acrescentando as palavras “como a ti mesmo”, Jesus nos pôs diante de um espelho ao que não podemos mentir; deu-nos uma medida infalível para descobrir se amamos ou não o próximo. Sabemos muito bem, em cada circunstância, o que significa amar-nos a nós mesmos e o que queríamos que os outros fizessem por nós. Jesus não diz, se se presta bem atenção: “o que o outro faz a ti, faça a ele”. Isto seria a lei do talião: “Olho por olho, dente por dente”. Diz: o que tu queres que o outro te faça, faça tu a ele (Mt 7, 12), que é bem diferente. 

Mandamento – Jesus considerava o amor ao próximo como “seu mandamento”, aquele no qual se resume toda a Lei. “Este é meu mandamento: que vos ameis uns aos outros assim como eu vos amei” (Jo 15, 12). Muitos identificam todo o cristianismo com o preceito do amor ao próximo, e não carecem de razão. Mas devemos tentar ir um pouco mais além da superfície das coisas. Quando se fala de amor ao próximo, a mente vai em seguida às “obras” de caridade, às coisas que há que fazer pelo próximo: dar-lhe de comer, de beber, visitá-lo; em resumo, ajudar o próximo. Mas isto é um efeito do amor, não é ainda o amor. Antes da beneficência vem a benevolência, antes que fazer o bem, vem o querer bem. 

Pureza – A caridade deve ser “sem fingimento”, isto é, sincera (literalmente “sem hipocrisia”, Rm 12, 9); deve-se amar “com coração puro” (1 Pd 1,22). Pode-se de fato fazer a caridade e a esmola por muitos motivos que nada têm a ver com o amor: para admoestar-se, para passar por benfeitor, para ganhar o paraíso, até por remorsos de consciência. 

Caridade – Muita caridade que fazemos a países do Terceiro Mundo não está ditada pelo amor, mas por remorso. Damo-nos conta da escandalosa diferença que existe entre nós e eles e nos sentimos em parte responsáveis por sua miséria. Pode-se carecer de caridade inclusive ao “fazer caridade”! Seria um erro fatal contrapor entre si o amor do coração e da caridade dos fatos, ou refugiar-se nas boas disposições interiores para os demais para encontrar nisso uma desculpa à própria falta de caridade ativa e concreta. 

Obras – Se encontras um pobre faminto e tremendo de frio, dizia São Tiago, de que lhe serve se lhe diz: “Pobrezinho, vê, acalenta-te, coma algo!”, mas não lhe dás nada do que necessita? “Filhos”, acrescenta São João, “não amemos de palavra nem de boca, mas com obras e segundo a verdade” (1 Jo 3, 18). Não se trata, portanto, de desvalorizar as obras exteriores de caridade, mas fazer que estas tenham o fundamento em um genuíno sentimento de amor e de benevolência. 

Olhar – A caridade do coração ou interior é a caridade que todos podemos exercitar, é universal. Não é uma caridade que alguns – os ricos e os sãos – só podem dar e os outros – os pobres e os enfermos – só receber. Todos podem dá-la e recebê-la. Também é concreta. Trata-se de começar a olhar com olhos novos as situações e as pessoas com as quais vivemos. Que olhos? É simples: os olhos com os quais queríamos que Deus nos olhasse! Olhos de desculpa, de benevolência, de compreensão, de perdão... 

Máscara – Quando isto sucede, todas as relações mudam. Caem, como por milagre, todos os motivos de prevenção e hostilidade que impediam de amar a certa pessoa e esta nos começa a aparecer pelo que é na realidade: uma pobre criatura que sofre por suas fraquezas e suas limitações, como tu, como todos. É como se a máscara que os homens e as coisas se puseram caísse e a pessoa aparecesse pelo que verdadeiramente é.

sábado, 15 de outubro de 2011

Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus

No Evangelho das missas deste domingo, Mateus (22,15-21) descreve mais uma discussão entre Jesus e os fariseus.  

Pegadinha – Os fariseus se reuniram para criar uma maneira de surpreender Jesus. Foram até Ele e perguntaram se era correto pagar o tributo a César (o Imperador de Roma). Percebendo a malícia, Jesus pediu que lhe mostrassem a moeda. Ao apresentarem uma moeda de um denário, perguntou: “De quem é esta imagem e esta inscrição?” Ao lhe responderem que era de César, Jesus disse: “Então, dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. 

O texto – Com esse texto, entramos em um bloco de quatro unidades, que apresentam diversas controvérsias entre Jesus e lideranças judaicas diferentes: os fariseus, os herodianos e os saduceus. A discussão do trecho deste domingo talvez seja a mais conhecida, mas muitas vezes tem sido interpretada de maneira errada, projetando sobre Jesus os nossos preconceitos políticos e sociais.

Herodianos – É necessário entender que não se tratava de uma pergunta sincera feita a Jesus, mas, de uma armadilha preparada por membros de dois grupos politicamente opostos e antagônicos: os herodianos (submissos à dominação romana) e os fariseus (muitos dos quais olhavam os herodianos como impuros, pela sua colaboração com o poder estrangeiro). 
 

Cilada – Se Jesus respondesse que era lícito pagar o imposto, correria o risco de ser apresentado pelos fariseus como um opressor do povo. Se Ele negasse, poderia ser denunciado pelos herodianos como subversivo político. Era uma situação semelhante àquela que aparece em João 8, 1-11 (a mulher adúltera), pois qualquer resposta deixaria Jesus em maus lençóis. Como naquela ocasião, Jesus se mostrou verdadeiro Mestre, escapando da cilada e, ainda por cima, oferecendo um ensinamento importante.

A Moeda – Primeiro Ele deixa claro que entendeu a “jogada”: “Hipócritas, por que me armais uma cilada?” Depois, coloca os seus interlocutores contra a parede, pedindo uma moeda do imposto e perguntando: “De quem são esta efígie e esta inscrição?” A inscrição seria “Tibério César Filho do Divino Augusto, Sumo Pontífice” - demonstrando as pretensões de divinização do Império Romano. Com a resposta: “Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, Jesus joga para os seus ouvintes uma questão essencial: o que é que pertence a César e o que é que pertence a Deus? 
 

Império – A divindade pertence a Deus, não ao Império Romano nem a César. Assim, Ele evita confirmar o projeto nacionalista violento de muitos judeus da sua época e condena também qualquer projeto que divinizasse o poder civil. Uma advertência muito atual para os nossos dias, quando o único poder imperial hegemônico (muito semelhante à situação do Império Romano do tempo de Jesus) reivindica para si o direito de impor as suas decisões sobre todas as nações, taxando de “terrorista” quem discorda da sua dominação ideológica, econômica e militar. O poder civil existe para cuidar do povo – que é de Deus – e não para explorá-lo. Desta forma, Jesus nega as aspirações imperialistas e, evitando uma resposta direta à pergunta, enfatiza e relativiza todo e qualquer poder, pois o verdadeiro poder só pertence a Deus.

Neoliberalismo – Nos nossos dias, ainda existem poderes com as mesmas aspirações dos romanos. Embora não digam abertamente, os defensores do neoliberalismo desenfreado divinizam um sistema ganancioso que só visa o lucro e explora o povo sofrido. As palavras de Jesus nos lembram de que nenhum cristão pode compactuar com qualquer sistema – seja político, econômico ou religioso – que atribua a si o que pertence a Deus. 
 

Dualismo – O texto de forma alguma justifica um dualismo entre o espiritual (de Deus) e o material (de César). Pelo contrário, mostra que o poder político, econômico e religioso deve estar a serviço do bem comum, pois, se não for assim, está roubando o que é de Deus: o seu povo. Não se pode entregar às garras de um poder opressor, seja ele estrangeiro ou nacional, o que pertence ao Pai. O poder é legítimo quando está a serviço da vida e do bem-estar comum; é ilegítimo quando está a serviço somente de uns poucos privilegiados. “Dar a Deus o que é de Deus” não se resume em rituais religiosos; refere-se à construção de uma sociedade solidária, justa e fraterna, na qual todos possam “ter a vida e a vida em abundância” (Jo 10, 10). À medida que lutamos por esse objetivo, estamos dando “a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.

sábado, 8 de outubro de 2011

Banquete do Reino

No Evangelho das missas deste domingo (Mt 22,1-14), o evangelista Mateus apresenta a parábola dos convidados para o banquete nupcial. 

O Evangelho – Jesus se dirige aos sacerdotes e anciãos do povo e conta a parábola do rei que preparou um banquete nupcial para o seu filho. Mandou chamar os convidados, mas eles não quiseram vir. Chamou todas as pessoas que encontrou, maus e bons, e a sala do banquete encheu-se de convidados. Ao entrar na sala, o rei viu um homem que não estava vestido com o traje nupcial e mandou retira-lo da festa. No final conclui: “Na verdade, muitos são os chamados, mas poucos os escolhidos”. 

Situação – Continuamos em Jerusalém, nos dias que antecedem a Páscoa. Os dirigentes religiosos judeus aumentam a pressão sobre Jesus. Instalados nas suas certezas e seguranças, já decidiram que a proposta de Jesus não vem de Deus; por isso, rejeitam de forma absoluta o Reino que ele anuncia. 

Banquete – O “banquete” era, na cultura semita, o lugar do encontro, da comunhão, do estreitamento de laços familiares entre os convivas. Além disso, o “banquete” era também a cerimônia através da qual se confirmava o “status” das pessoas e o seu lugar dentro da escala social. Quem organizava um “banquete” procurava fazer uma seleção cuidadosa dos convidados: a presença de gente “desclassificada” faria descer consideravelmente, aos olhos de toda a comunidade, o “status” da família; e, por outro lado, a presença à mesa de pessoas importantes realçava a importância e a honra da família. 

Reino – O sentido da parábola é óbvio… Deus é o rei que convidou Israel para o “banquete” do encontro, da comunhão, da chegada dos tempos messiânicos (as bodas do “filho”). Os sacerdotes, os escribas, os doutores da Lei recusaram o convite e preferiram continuar agarrados aos seus esquemas, aos seus preconceitos, aos seus sistemas de autossalvação. Então, Deus convidou para o “banquete” do Messias esses pecadores e desclassificados que, na perspectiva da teologia oficial, estavam excluídos da comunhão com Deus e do Reino. 

Pecadores – Esta parábola explicita bem o cenário em que o próprio Jesus se move… Ele aparece, com frequência, participando de “banquetes” ao lado de gente duvidosa e desclassificada. Os líderes de Israel, no entanto, sempre reprovaram que Jesus mantivesse esse contato com essas pessoas… Para eles, os publicanos e as prostitutas, por exemplo, estavam definitivamente excluídas da comunidade, da salvação. Sentá-los à mesa do “banquete” do Reino era algo que os líderes de Israel achavam absolutamente inapropriado. 

Traje – A segunda parte da parábola fala do convidado que se apresentou na festa sem o traje nupcial. O rei que organizou o “banquete” mandou, então, lançá-lo fora da sala onde se realizava a festa. A parábola constitui uma advertência àqueles que aceitaram o convite de Deus para a festa do Reino, aderiram à proposta de Jesus e receberam o Batismo.  

Batizados – Mateus escreve no final do século I (anos 80), quando os cristãos já tinham esquecido o entusiasmo inicial e viviam instalados numa fé pouco exigente. Consideravam que já tinham feito uma opção definitiva, ao serem batizados, e que já tinham assegurado a salvação. Mateus diz-lhes: cuidado, porque não basta entrar na sala do “banquete”; é preciso, além disso, vestir um estilo de vida que ponha em prática os ensinamentos de Jesus. Quem foi batizado e aderiu ao “banquete” do Reino, mas recusou o traje do amor, da partilha, do serviço, da misericórdia, do dom da vida e continua vestido de egoísmo, de arrogância, de orgulho, de injustiça, não pode participar na festa do encontro e da comunhão com Deus. Deus chamou todos os homens e mulheres para participarem no “banquete”; mas só serão admitidos aqueles que responderem ao convite e mudarem completamente a sua vida.

sábado, 1 de outubro de 2011

A Vinha de Deus

No Evangelho das missas deste domingo (Mt 21,33-43), o evangelista Mateus apresenta a parábola dos lavradores maus. 

O Evangelho – Um agricultor fez uma plantação de uvas e, em seguida, arrendou a plantação para alguns lavradores e foi viajar. Quando chegou o tempo da colheita, o dono mandou alguns empregados a fim de receber a parte dele, mas os lavradores agarraram e mataram os empregados. Aí o dono mandou mais empregados do que da primeira vez e os lavradores fizeram a mesma coisa. Depois, ele mandou o seu próprio filho, que também foi morto. E Jesus perguntou: “E agora, quando o dono da plantação voltar, o que é que ele vai fazer com aqueles lavradores?”. 

Situação – O texto proposto situa-nos em Jerusalém, na segunda ou terça-feira da semana da Paixão. No sábado anterior (1º de abril do ano 30), Jesus entrou solenemente em Jerusalém (Mt 21,1-11); na segunda-feira, os judeus se reuniram para condenar Jesus (Lc 19,47s) e, na próxima sexta-feira (7 de abril), Jesus será preso, condenado e morto. 

Tensão – De hora para hora, cresce a tensão entre Jesus e os seus adversários. Os líderes judaicos pressionam Jesus, num esquema organizado para realizar um processo judicial. Adivinha-se, no horizonte próximo de Jesus, a prisão, o julgamento, a condenação à morte. Jesus está plenamente consciente do destino que lhe está reservado, mas enfrenta os dirigentes e condena implacavelmente a sua recusa em acolher o Reino. 

Latifundiários – A história que nos vai ser narrada compreende-se melhor à luz da situação socioeconômica da Galileia do tempo de Jesus… A terra estava, quase sempre, nas mãos de grandes proprietários, que viviam nas cidades. Esses donos de terra utilizavam vários sistemas para a exploração de seus latifúndios; uma das formas preferidas consistia em arrendar pedaços de terra, em troca de uma parte considerável dos produtos recolhidos.  

Arrendatários – Os que arrendavam as terras, geralmente, eram camponeses que tinham perdido as suas próprias terras, por causa dos altos impostos ou devido às más colheitas. Estes camponeses viviam numa situação difícil: depois de descontados os gastos com a exploração, os impostos pagos e a parte que pertencia ao latifundiário, mal ficavam com o indispensável para sustentar a sua família. Em anos que as colheitas eram ruins, este esquema significava a mais absoluta miséria… Este quadro provocava conflitos sociais frequentes e o aparecimento de revolta por parte dos camponeses, que lutavam contra os proprietários ou contra a carga excessiva de impostos. É neste cenário que Jesus vai colocar a parábola da leitura deste domingo. 

A vinha – A vinha, na tradição profética de Israel, representa o povo. Deus é o proprietário da vinha (povo) que é entregue aos cuidados de agricultores arrendatários (uma alusão aos dirigentes religiosos de Jerusalém), aos quais cabia multiplicar os frutos da vinha (a justiça e o direito). Mas isso não aconteceu. Quando o Filho vem para colher estes frutos, não só não os encontra como será morto por estes dirigentes. 

Questão – Jesus interpela diretamente os seus ouvintes: “quando vier o dono da vinha, que fará àqueles vinhateiros?”. 

Resposta – A comunidade cristã primitiva encontrou facilmente a resposta para esta questão. Na perspectiva dos primeiros catequistas cristãos, a resposta de Deus à recusa de Israel foi dada em dois movimentos. Em primeiro lugar, Deus ressuscitou o “filho” que os “vinhateiros” mataram, glorificou-o e constituiu-o “pedra angular” de uma nova construção; em segundo lugar, Deus decidiu retirar a “vinha” das mãos desses “vinhateiros” maus e ingratos e confiá-la a outros “vinhateiros” – a um povo que fizesse a “vinha” produzir bons frutos e que entregasse ao “senhor” os frutos a que ele tem direito.

sábado, 24 de setembro de 2011

“Sim” ou “não” a Deus

No Evangelho das missas deste domingo (Mt 21,28-32), o evangelista Mateus apresenta a parábola dos dois filhos com atitudes diferentes. 

O Evangelho – O primeiro filho foi convidado pelo pai a trabalhar “na vinha”. A sua primeira resposta foi negativa: “não quero”. No entanto, acabou por reconsiderar e por ir trabalhar na vinha. O segundo filho, diante do mesmo convite, respondeu: “vou, sim, senhor”. No entanto, acabou por não ir trabalhar na vinha. Jesus coloca, em seguida uma questão: “qual dos dois fez a vontade do pai?” 

Situação – O texto proposto situa-nos em Jerusalém, na segunda ou terça-feira da semana da Paixão. No sábado anterior (1º de abril do ano 30), Jesus entrou solenemente em Jerusalém (Mt 21,1-11); na segunda-feira, os judeus se reuniram para condenar Jesus (Lc 19,47s) e, na próxima sexta-feira (7 de abril), Jesus será preso, condenado e morto. 

O texto – A parábola, exclusiva de Mateus, é dirigida aos chefes religiosos de Jerusalém, membros do Sinédrio, por ocasião da chegada de Jesus e seus discípulos, a esta cidade. O Sinédrio de Jerusalém, que funcionava como Suprema Corte do judaísmo, sob a presidência do Sumo Sacerdote, era formado pelos sacerdotes, escribas e anciãos, sendo estes, principalmente, latifundiários de prestígio. 

O primeiro filho – O primeiro filho foi convidado pelo pai a trabalhar “na vinha”. A sua primeira resposta foi negativa: “não quero”. No contexto familiar da Palestina do tempo de Jesus, trata-se de uma resposta totalmente reprovável, particularmente porque uma atitude deste tipo ia contra todas as convenções sociais… Enchia um pai de vergonha e punha em causa a sua autoridade diante dos familiares, dos amigos, dos vizinhos. No entanto, este primeiro filho acabou por reconsiderar e por ir trabalhar na vinha. 

O segundo filho – Diante do mesmo convite, o outro filho respondeu: “vou, sim, senhor”. Deu ao pai uma resposta satisfatória, que não punha em causa a sua autoridade e a sua “honra”. Ficou bem visto diante de todos e todos o consideraram um filho exemplar. No entanto, acabou por não ir trabalhar na vinha. 

Questão – Em seguida, Jesus propõe a seguinte questão aos ouvintes: “qual dos dois fez a vontade do pai?” A resposta é tão óbvia que os próprios interlocutores de Jesus não têm qualquer dificuldade para responder: “o primeiro”. 

Lógica de Deus – A parábola ensina que, na perspectiva de Deus, o importante não é quem se comportou bem e não escandalizou os outros; mas, de acordo com a lógica de Deus, o importante é cumprir, realmente, a vontade do pai. Na perspectiva de Deus, não bastam palavras bonitas ou declarações de boas intenções; mas é preciso uma resposta adequada e coerente aos desafios e às propostas do Pai (Deus). 

Judeus – É certo que os fariseus, os sacerdotes, os anciãos do Povo disseram “sim” a Deus ao aceitar a Lei de Moisés… A sua atitude – como a do filho que disse “sim” e depois não foi trabalhar para a vinha – foi irrepreensível do ponto de vista das convenções sociais; mas, do ponto de vista do cumprimento da vontade de Deus, a sua atitude foi uma mentira, pois se recusaram a acolher o convite de João à conversão. Em contrapartida, aqueles que – do ponto de vista “politicamente correto” – disseram “não” (por exemplo, os cobradores de impostos e as prostitutas), cumpriram a vontade do Pai: acolheram o convite de João à conversão e acolheram a proposta do Reino que Jesus veio apresentar. 

Resposta – Lida no contexto do ministério de Jesus, esta parábola dava uma resposta àqueles que O acusavam de acolher os pecadores e os marginais – isto é, aqueles que, de acordo com as “convenções”, disseram não a Deus. Jesus deixa claro que, na perspectiva de Deus, não interessam as convenções externas, mas a atitude interior. O que honra a Deus não é o que cumpre ritos externos e que dá “boa impressão” às massas, mas é o que cumpre a vontade de Deus.