A leitura do Evangelho deste domingo apresenta somente uma parte (Jo 3, 14-21) do longo diálogo entre Cristo e Nicodemos, um dos homens mais ricos de Jerusalém. Vale a pena saber quem foi Nicodemos e conhecer como a conversa com Jesus se inicia.
Mestre da Lei – Nicodemos, cujo nome significa “vencedor do povo”, era um importante fariseu, um dos três homens mais ricos de Jerusalém. É possível que se trate do “filho de Gorion” e que teria morrido durante a guerra judaico-romana do ano 70, depois que os zelotes saquearam as suas propriedades. É citado três vezes no Evangelho de João. Nicodemos quis conhecer Jesus e interrogá-lo, depois de ter ficado impressionado com o que ele dizia e fazia.
A visita – A sua condição social e a sua formação intelectual (era fariseu) lhe haviam aconselhado certa reserva em relação a Jesus e, por isso, decidira ver o Nazareno de noite, longe dos olhares indiscretos, na penumbra iluminada por uma lamparina. A conversa foi longa, talvez tenha durado a noite toda, embora o evangelista nos tenha relatado somente as passagens mais importantes.
Nascer de novo – Nicodemos começa o seu discurso reconhecendo que a origem da missão de Jesus não podia ser humana: “Sabemos que és um mestre mandado por Deus...”. Na resposta, há uma referência a essa consideração. “Jesus respondeu: Na verdade, na verdade te digo, se o homem não renasce do alto, não pode ver o reino de Deus”. Mas Nicodemos parece não se dar conta do significado oculto na frase de Jesus e, talvez para provocá-lo a explicar-se e a falar mais, finge ser obtuso de mente: “Como pode um homem nascer, quando já é velho?”, pergunta. “Por acaso ele pode entrar uma segunda vez no seio de sua mãe e renascer?”.
Sopro de Vento – O Nazareno responde fazendo com que o fariseu retorne à condição de um aluno iniciante e lhe explica que alguém não pode ver o reino de Deus se nele já não foi introduzido, e isso não é resultado do esforço ou do talento humano: “Em verdade, em verdade te digo, se alguém não nasce da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus”. Em hebraico, a palavra “espírito” queria dizer também “sopro de vento”, e esse duplo significado permite que Jesus se explique: embora invisível e intocável, o vento é real. Assim também o Espírito não pode ser controlado ou manipulado com argumentos humanos.
Testemunho – Na penumbra mal-iluminada pela lamparina, Nicodemos replica: “Como isso pode acontecer?”. Cristo responde: “Tu és mestre em Israel e desconheces tais coisas? Na verdade, na verdade, te digo, nós falamos daquilo que sabemos e testemunhamos o que vimos; mas vós não acolheis nosso testemunho. Se vos falo de coisas terrenas e não credes, como havereis de crer quando vos falar das coisas do céu?”.
Repercussão – Apesar daquele encontro noturno, Nicodemos não se torna um verdadeiro discípulo, um seguidor do Nazareno. Entretanto, a fala de Jesus “Quem pratica o mal odeia a luz e não se aproxima da luz, para que suas ações não sejam denunciadas. Mas, quem age conforme a verdade, aproxima-se da luz, para que se manifeste que suas ações são realizadas em Deus” impressionaram o rico mestre israelita, pois ele aparece outras duas vezes, demonstrando ter ficado, de algum modo, impactado com Jesus. No fundo, ele não se contentara em ouvir dizer, quis verificar pessoalmente a proposta de Jesus, confrontar-se cara a cara com ele. Quis ir ao fundo do anúncio daquele estranho profeta; decidiu procurá-lo, embora secretamente. Não abandonara os seus cargos nem o seu prestigioso posto. Mas o encontro deixara nele uma marca. As palavras do Mestre certamente o atingiram.
No Sinédrio – O reencontramos nos dias da última Páscoa em Jerusalém, quando o Sinédrio se divide a respeito da captura do homem que dentro em breve seria pregado na cruz. Os sumos sacerdotes fariseus criticavam os guardas porque não tinham conseguido aprisionar o Nazareno (Jo 7,47). Nicodemos, lembrando-se daquele distante colóquio noturno, sob o claridade da lamparina, levanta-se e intervém com sua autoridade em defesa do acusado: “Por acaso a nossa Lei permite julgar um homem sem antes ouvi-lo e sem sabermos o que ele faz?”.
Mirra e aloé – O último e breve aparecimento de Nicodemos se dá no pior momento da dor e da piedade, quando o corpo de Jesus é retirado da cruz por José de Arimatéia para ser levado ao sepulcro. “Compareceu também Nicodemos, aquele que anteriormente havia procurado Jesus à noite, e levou uma mistura de cerca de cem libras de mirra e aloé.” (Jo 19,39). Também a partir desse último gesto, descrito pelo Evangelho, se intui que o seu coração havia sido tomado secretamente por Jesus, por aquele Nazareno que, depois de algumas horas, sairia do sepulcro, vitorioso para sempre.
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