Quando nós lemos os Evangelhos, notamos que existe uma lacuna na descrição da vida de Cristo: descrevem os primeiros anos (anunciação, nascimento, visita dos pastores e dos magos, perseguição de Herodes, fuga para o Egito) e depois saltam para descrição do Batismo, com Jesus adulto, com 33-34 anos. Um único fato é citado por Lucas, que descreve uma visita ao templo quando Jesus tinha 12 anos (Lc 2, 41s). Como existem registros históricos de como era a cultura judaica naquela época, podemos imaginar como teria sido a vida de Jesus nestes anos.
Educação Religiosa – Como no judaísmo o pai é o principal encarregado da formação religiosa dos filhos, José foi o responsável por ensinar a Jesus as primeiras práticas religiosas. Assim, logo que Jesus começou a falar, aprendeu a recitação diária do Shemá e da prece das Dezoito Bênçãos, e, quando começou a andar, foi à sinagoga e, anualmente, ao Templo de Jerusalém. Dessa maneira, passo a passo, Jesus foi conduzido ao pleno cumprimento da Lei.
Escola – Como todos os de sua idade, também Jesus, aos cinco ou seis anos, enfrentou o afastamento da intimidade familiar, começando a frequentar a escola, que já naqueles tempos era considerada obrigatória. Nos primeiros dias, lá chegava conduzido pelas mãos da jovem mãe (que não completara ainda vinte anos) que o confiava, como atestam as fontes judaicas de então, a um austero mestre. Aprontar os filhos para a escola era a primeira preocupação do dia, para a mãe. Um texto rabínico registra: “a mãe se levanta de manhã cedo, lava o rosto dos meninos antes de apresentá-los ao professor; depois, à sexta hora (meio-dia) sai novamente a receber os filhos que deixam a escola”.
Aprendizado – O pequeno aluno Jesus, entregue aos cuidados do mestre, era introduzido desde cedo no conhecimento do alfabeto hebraico: o professor, com um estilete, escrevia letra após letra sobre uma pequena tábua recoberta de cera, pronunciando distintamente o nome de cada uma delas. Aprendidas as letras, passava-se aos exercícios iniciais de leitura sobre o texto da Bíblia: o professor lia cada palavra de algum versículo do Levítico e solicitava que os alunos o repetissem, junto com ele, em voz alta. Poucas semanas depois, os meninos recém-acolhidos na escola haviam se integrado ao grupo dos veteranos e seguiam com eles o ciclo normal das lições. Estas consistiam, com exclusividade, durante cinco anos, no ensino de uma só matéria: leitura declamada (e repetida infinitas vezes) da Bíblia hebraica. O professor mostrava um versículo no manuscrito bíblico aos alunos sentados diante dele; lia-o, explicava-o e depois mandava que as crianças o repetissem, em coro, diversas vezes. Dessa maneira, de versículo em versículo, de livro em livro, em cinco anos se aprendia toda a Bíblia, em especial os seus primeiros cinco livros (Livro da Lei ou Torah). Com esse sistema, Jesus aprendeu praticamente de cor as Sagradas Escrituras.
Ciclo Superior – Transcorrido esse período (sobre os manuscritos bíblicos), sem interrupção para férias, o garoto Jesus, com dez ou onze anos de idade, passou a um ciclo superior, com a duração de dois anos. Essa etapa acarretava um sacrifício ainda maior para a exuberância infantil. Agora, o comparecimento à escola não se limitava ao período matutino, como no ciclo primário, mas comportava também uma sessão à tarde. Além disso, a matéria abordada no segundo ciclo era mais árida e abstrata, com relação à Bíblia. O aluno aprendia tradições que remontavam ao próprio Moisés ou que tinham sido desenvolvidas pelos doutores da Lei. No final desse ciclo, Jesus viajou até o templo em Jerusalém, onde deixou os doutores do templo maravilhados “da sua sabedoria e das suas respostas” (Lucas 2,47).
Em casa – Aos doze ou treze anos, findo o curso escolar, Jesus retornou definitivamente para casa e seu pai, que devia encaminhá-lo em uma profissão, em geral a sua própria. Só poucos jovens podiam prosseguir os estudos, ingressando na escola de algum mestre romano. Em Nazaré, José guiou Jesus para o próprio ofício de carpinteiro e o menino retornou à vida cotidiana, interrompida apenas quando do singular episódio entre os doutores no templo de Jerusalém. Daí em diante, passou a ser conhecido como “filho do carpinteiro” (Mateus 13,55), ou como “o carpinteiro” (Marcos 6,3).
Sinagoga – Desde a primeira infância e acompanhado dos pais, o menino Jesus começou a familiarizar-se com os complicados rituais da sinagoga aos sábados (o ofício se iniciava antes da aurora e findava pouco antes do meio-dia). As preces eram, na maior parte, em língua hebraica, portanto, difíceis de acompanhar, visto que se falava comumente o aramaico. A assimilação das orações e dos ritos durou vários anos, até que chegou o dia em que ele mesmo subiu ao púlpito para ler o trecho escolhido da Torah. Tal cerimônia tinha ocasião quando o garoto completava treze anos, ao atingir a puberdade; depois disso, era oficialmente declarado um bar mitzvà, ou seja, um adulto dedicado à observância de toda a Lei.
Sábado – Vivido nesse compasso simples e espontâneo, o sábado era uma ocasião de descoberta das coisas mais importantes da vida. Ficava claro que “não só de pão vive o homem”, mas também da palavra de Deus, da contemplação serena da natureza, da troca de afetos entre os amigos e conhecidos, da comunhão pura e direta entre, pai, mãe e filhos no íntimo da família. Dessa forma, o sábado era uma verdadeira pausa para o aprimoramento do homem. Assim o viveu também Jesus: primeiro em Nazaré, ao lado de Maria e José, e depois nas aldeias da Galiléia, em companhia dos discípulos. Jesus dirá que, esse sábado libertador, dedicado ao homem e a Deus, é o caminho para “ver o Pai”.
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