No
Evangelho das missas deste domingo os fariseus interrogam Jesus sobre a
legalidade do divórcio.
Fariseus – Neste trecho do Evangelho de Marcos,
os fariseus se encontram com Jesus e tentam colocá-lo à prova com a pergunta: “Pode um homem repudiar a sua mulher?”
(Mc 10, 2). Cabe lembrar que Jesus e seus discípulos estavam em território da
Peréia (transjordânico), governado por
Herodes Antipas. Foi nessa mesma região que João Batista foi preso e degolado,
por denunciar o divórcio ilegal e o casamento ilícito de Herodes Antipas com
sua cunhada Herodiades. Os fariseus instigavam Jesus a ter a mesma atitude de
João, pensando que com isso Ele teria o mesmo destino. O que os fariseus
queriam era que Jesus se tornasse intolerável política e religiosamente.
Divórcio – O assunto gerava grandes discussões
entre os fariseus, pois havia várias interpretações para as escrituras. Os
judeus não sabiam o verdadeiro sentido do texto do livro Deuteronômio (Dt 24,
1), que diz: “Quando um homem se casa
com uma mulher e consuma o matrimônio, se depois ele não gostar mais dela, por
ter visto nela alguma coisa inconveniente, escreva para ela um documento de
divórcio e o entregue a ela, deixando-a sair de casa em liberdade”. Eles
consideravam que não eram totalmente claras as razões que poderiam fundamentar
a rejeição da mulher pelo marido. A Lei, que era atribuída a Moisés, com seu
caráter patriarcal machista, relegava a mulher a uma posição de submissão.
Dois grupos – Na época de Jesus, duas grandes
escolas teológicas judaicas divergiam na interpretação da Lei do divórcio: a
escola de Hillel e a de Shammai. Hillel (viveu entre os anos 60 a .C. e 9 d.C.) foi um conhecido
líder religioso judeu, estudioso respeitado em seu tempo, fundador de uma
escola para ensino de mestres no judaísmo (Beit Hillel). Hillel tinha uma visão
mais liberal dos textos bíblicos. Shammai, por sua vez, liderava uma escola
conservadora, que proibia até o comércio de qualquer mercadoria com gentios
(pagãos).
Coisa
inconveniente – O grande problema dos fariseus é a interpretação dada ao
termo “alguma coisa inconveniente” de
Dt 24, 1. Hillel, mais liberal, entendia que o marido podia despedir sua mulher
por qualquer motivo, como queimar o jantar, falar alto ou mesmo se esse marido
encontrasse uma mulher mais interessante. Shammai, mais conservador, acreditava
que o divórcio só poderia ser dado no caso de o marido encontrar na mulher alguma coisa inconveniente. Esse termo
hebraico para descrever “coisa inconveniente”, erwath dabar, era entendido por Shammai como falta de castidade ou
adultério.
Pegadinha – Na verdade, os fariseus tentavam
incriminar Jesus: se Ele dissesse que era lícito, afrouxaria o ensinamento de
Moisés sobre o divórcio; se dissesse que era ilícito estaria condenando o
matrimônio de Herodes Antipas com a cunhada, Herodíades. A pergunta dos
fariseus insere-se, provavelmente, na tentativa de encontrar razões para
eliminar Jesus.
Proposta – Jesus recorda a perspectiva da Lei (“Moisés
permitiu que se passasse um certificado de divórcio para se repudiar a
mulher”); contudo, essa condescendência da Lei não resulta do projeto de Deus
para o homem e para a mulher, mas é o resultado da “dureza do coração” dos
homens. As prescrições de Moisés não definem o quadro ideal do amor do homem e
da mulher, mas apenas regulam o compromisso matrimonial, tendo em conta a mediocridade
humana.
Projeto de Deus – Em contraste com a permissividade da
Lei, Jesus vai apresentar o projeto primordial de Deus para o amor do homem e
da mulher. Citando livremente Gn 1,27 e Gn 2,24, Jesus explica que, no projeto
original de Deus, o homem e a mulher foram criados um para o outro, para se
completarem, para se ajudarem, para se amarem. Unidos pelo amor, o homem e a
mulher formarão “uma só carne”. Ser “uma só carne” implica viverem em comunhão
total um com o outro, dando-se um ao outro, partilhando a vida um com o outro,
unidos por um amor que é mais forte do que qualquer outro vínculo. A separação
será sempre o fracasso do amor; não está prevista no projeto ideal de Deus,
pois Deus não considera um amor que não seja total e duradouro. Só o amor
eterno, expresso num compromisso indissolúvel, respeita o projeto primordial de
Deus para o homem e para a mulher.
Reino de Deus – A perspectiva de Jesus sobre a
questão é a seguinte: nessa nova realidade que Deus quer propor ao homem (o
Reino de Deus), chegou o momento de abandonar a facilidade, a mesquinhez, as
meias-verdades e de apontar para um patamar mais alto. Ora, no que diz respeito
ao matrimônio, o patamar mais alto é o projeto inicial de Deus para o homem e
para a mulher, que previa um compromisso de amor estável, duradouro,
indissolúvel.
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