sábado, 2 de março de 2013

A morte de Jesus e a perseguição dos judeus

Origem – Durante o julgamento de Jesus, a multidão pronunciou uma frase que involuntariamente marcou a história e o destino do povo judeu na sua relação com os cristãos: "O seu sangue (de Jesus) caia sobre nós e sobre nossos filhos!" (Mt 27,25). Este grito foi interpretado ao longo dos séculos como uma maldição do povo judeu que caiu sobre si mesmo, tomando a responsabilidade pela morte de Jesus. Este versículo tem servido para justificar as atrocidades e perseguições cometidas contra este povo, como se estivessem sofrendo um castigo divino. 

A água liberta – Quando os líderes judeus levaram Jesus a Pilatos para ser julgado, o governador romano percebeu que, por inveja, o haviam entregado, e tentou libertá-lo. Usando de uma artimanha, apresentou Jesus junto com um famoso preso chamado Barrabás, para escolher quem seria solto. Os chefes dos sacerdotes e os líderes judeus convenceram a multidão a pedir a liberdade do infrator (Mt 28,15-18). Pilatos viu frustrado seu estratagema, disse que os judeus não podiam condenar Jesus à morte, porque não havia um crime. As pessoas, impulsionadas pelos altos sacerdotes, começaram a gritar: "Crucifica-o, crucifica-o" (Mt 27,22-23). Pilatos fez um último gesto simbólico, lavando as mãos, dizendo: "Eu não sou responsável pelo sangue deste justo. A responsabilidade é vossa" (Mt 27,24).  

Mãos judaicas – É muito difícil acreditar que Pilatos tenha feito este gesto, pois a lavagem das mãos como uma expressão de inocência pública é um costume judaico, estabelecido por Moisés no Antigo Testamento (veja em Dt 21,1-9; Sl 26,6; Sl 73,13). É muito improvável que Pôncio Pilatos, sendo romano, tenha realizado um ritual próprio da cultura hebraica. Por isso, muitos autores afirmam que a cena é uma criação do evangelista Mateus. 

A ameaça de Jeremias – Em resposta ao ato de Pilatos, o povo judeu gritou: "Seu sangue (de Jesus) caia sobre nós e sobre nossos filhos" (Mt 27,25). Esta é uma das frases mais desconcertantes do Novo Testamento. É realmente uma fórmula jurídica do Antigo Testamento, o que indicava que a pessoa deveria assumir a responsabilidade por um crime e sofrer o castigo correspondente, que era a morte (veja em Lv 20,9; Lv 20,11; Lv 20,13; 1Sam 1,16). Também o profeta Jeremias disse às autoridades de Jerusalém: "Sei que se eu for morto, sangue inocente cairá sobre você e toda a cidade" (Jr 26,15). É claro o significado da frase no Evangelho de Mateus: a multidão presente no julgamento de Jesus assumiu a responsabilidade pela sua execução. 

Que significado tem esta cena? Desde os tempos antigos têm sido interpretada para significar que todos os judeus, de todos os tempos, são responsáveis pela morte de Jesus. Um dos primeiros a defender essa posição foi Orígenes (século III), que ensinou que o sangue de Jesus "estava sobre todas as gerações posteriores de judeus, até o fim dos tempos." A mesma opinião foi Melito de Sardes (séc. II), Santo Agostinho (séc. IV), São Jerônimo (séc. IV), João Crisóstomo (séc. IV), Teofilato (séc. IX), Tomás de Aquino (séc. XIII) e Calvino. Lutero disse que a miséria em que os judeus viviam em seu tempo e sua condenação posterior, foi porque eles haviam rejeitado o Filho de Deus.  

Para complicar – Para piorar as coisas, em seu último discurso público, Jesus recordou os judeus que derramaram muito sangue inocente em toda a história, "desde o justo Abel até Zacarias" (Mt 23,34-35). Abel era filho de Adão e Eva, morto por seu irmão Caim, e Zacarias foi um famoso sacerdote de Jerusalém, no século IX a.C., que foi incentivado a denunciar a imoralidade em que viviam os israelitas, morrendo apedrejado no pátio do Templo. E conclui o sermão com uma frase assustadora: "Em verdade vos digo: todos esses crimes pesam sobre esta raça." (Mt 23,36).  

Sangue na Última Ceia – Podemos encontrar uma solução para este problema na cena da Última Ceia (Mt 26,26-29). No final da refeição, Mateus afirma que Jesus disse: "Bebei dele todos, pois este é o meu sangue da aliança, que é derramado por muitos" (Mt 26,28). E então ele acrescentou, "para o perdão dos pecados" (Mt 26,28). Curiosamente, embora os três Evangelhos sinópticos e São Paulo (Mateus 26,28, Marcos 14,24, Lucas 22,20, 1Cor 11,24) descrevam a Última Ceia, Mateus é o único que esclarece que o sangue servirá para perdoar os pecados. A frase dita à multidão reunida no tribunal, que o sangue de Jesus cairia sobre a cabeça dos judeus e de seus filhos (ou seja, todos os descendentes seus), não é para amaldiçoar ou condenar e sim para perdoá-los de seus pecados. A multidão reunida nesse dia no palácio do governador pediu a morte de um condenado e, na realidade, sem se dar conta, obteve um ato salvador.  

Sarcasmo – A ironia do escritor bíblico é fantástica: alguém desatento pode pensar que o sangue de Jesus contaminou o povo judeu, entretanto, o que realmente intencionava era absolvê-lo e liberá-lo – não apenas daquela ação equivocada, mas de tudo o que pudesse ter existido em seu passado, desde o sangue de Abel até Zacarias. Assim, cumpre-se o programa que Mateus havia anunciado quando um anjo aparece para José e diz que a criança nascida de Maria “vai salvar o seu povo dos seus pecados” (Mt 1,21).  

Portas abertas – O grito do povo judeu naquela manhã, no palácio de Pilatos, abriu as portas da salvação e do perdão a toda a humanidade, a começar por aqueles que pareciam mais distantes. Mantê-las abertas para todos os povos, continua hoje a missão de tantos quantos lerem o Evangelho do judeu Mateus.

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