sábado, 11 de maio de 2013

Jesus proibiu o divórcio?


Conforme a Lei Judaica, todo judeu podia se divorciar de sua mulher. Era um direito outorgado por Moisés: “Se um homem se casa com uma mulher, e depois descobre nela algo que não lhe agrada, ele deverá escrever uma carta de divórcio, entregar a ela e despedi-la de sua casa” (Dt 24,1). Durante a pregação de Jesus, os fariseus se acercaram Dele e perguntaram em que casos um homem poderia divorciar-se de sua mulher. Jesus respondeu que “nunca, porque o homem não pode separar o que Deus uniu”. Porque Jesus assumiu uma postura tão rígida (e contrária ao judaísmo) diante do matrimônio? 

Novo Testamento – Lendo o Novo Testamento, entretanto, verificamos com surpresa que a ordem determinante de Jesus foi suavizada pelos autores bíblicos, sendo adaptada às diversas circunstâncias da pregação da Boa Nova. No Novo Testamento encontramos quatro versões diferentes.  

Paulo – O texto mais antigo está na 1ª Carta aos Corintios, em que Paulo diz: “Aos que estão casados, tenho uma ordem. Aliás, não eu, mas o Senhor: a esposa não se separe do marido; e caso venha a separar-se, não se case de novo, ou então se reconcilie com o marido. E o marido não se divorcie de sua esposa.’” (1Cor 7,10-11). Até aqui, Paulo repete os dizeres da Jesus. Porém, Paulo acrescenta uma exceção: “Se o não cristão quiser separar-se, que se separe. Nesse caso, o irmão ou irmã não estão vinculados, pois foi para viver em paz que Deus nos chamou.” (1Cor 7,15). Paulo permitiu esta exceção porque constatava em suas comunidades que, quando um pagão se convertia ao cristianismo, nem sempre era acompanhado por seu cônjuge, gerando tensões. Ou seja, apenas 20 anos após a morte de Jesus, Paulo já permitiu o divórcio em suas comunidades alegando que poderiam “viver em paz”.  

Marcos – Por volta do ano 68 (38 anos após a morte de Jesus), foi escrito o Evangelho de Marcos, com um ensinamento diferente sobre o divórcio. Segundo Marcos, na discussão com os fariseus, Jesus disse que o homem não deve divorciar-se de sua mulher (Mc 10,9); quando os discípulos lhe pediram uma explicação, ele esclareceu: “O homem que se divorciar de sua mulher e se casar com outra, cometerá adultério contra a primeira mulher. E se a mulher se divorciar do seu marido e se casar com outro homem, ela cometerá adultério”. (Mc 10,11-12). Temos aqui uma nova adaptação das palavras de Jesus: Marcos não proíbe o homem de separar-se. Pode separar-se. O que não pode é casar-se outra vez. Portanto, se o cristão de sua comunidade (Roma) tivesse problemas com sua mulher, podia divorciar-se e seguir considerando-se cristão. Outra inovação do texto de Marcos é a possibilidade da mulher se divorciar. 

Lucas – Nos anos 80 Lucas nos apresenta mais uma versão para o divórcio: “Todo homem que se divorcia da sua mulher, e se casa com outra, comete adultério; e quem se casa com mulher divorciada do seu marido, comete adultério”.  (Lc 16,18). Segundo este texto, Jesus não só proibiu um divorciado voltar a casar-se, mas também um solteiro a casar-se com uma divorciada, talvez seguindo o Antigo Testamento (Lv 21,7). 

Mateus – Por fim, nos anos 90, Mateus nos apresenta uma quarta norma. Segundo ele, Jesus disse aos fariseus: Jesus respondeu: “Moisés permitiu o divórcio, porque vocês são duros de coração. Mas não foi assim desde o início. Eu, por isso, digo a vocês: quem se divorciar de sua mulher, a não ser em caso de fornicação, e casar-se com outra, comete adultério” (Mt 19,8-9). Nestes casos, o homem pode divorciar-se e voltar a casar-se. 

Afinal, o que Jesus disse – Não sabemos exatamente qual foi o ensinamento de Jesus (certamente proibiu o divórcio), pois nos quatro textos que chegaram a nós, os autores bíblicos adaptaram as palavras de Jesus segundo as necessidades de cada comunidade: segundo Paulo, Jesus permitiu o divórcio se um cônjuge se convertia ao cristianismo e o outro não; segundo Mateus, Jesus permitiu o divórcio em caso de imoralidade; segundo Marcos, Jesus proibiu que um divorciado voltasse a casar; e segundo Lucas, proibiu inclusive que um solteiro se case com uma divorciada. 

A Igreja Católica – A Igreja também ficou indecisa em aplicar os ensinamentos de Jesus. Até os séculos III e IV, alguns Santos Padres rechaçaram absolutamente o divórcio, enquanto outros o aceitavam em caso de adultério. Vários Concílios da Igreja aceitaram e regularam o divórcio, como, por exemplo, o Concílio de Verberie (752), que estabelecia: “Se uma mulher planeja matar o seu marido, e este pode provar, ele pode divorciar-se dela e tomar outra esposa”. O Concílio de Compiegne (757) afirmava: “Se um enfermo de lepra permitir, sua mulher pode casar-se com outro”. 

Situação atual – Somente no final do século XII, com o Papa Alexandre III, estabeleceu de maneira definitiva a postura atual da Igreja Católica, que proíbe absolutamente o divórcio e um novo casamento. O Catecismo da Igreja Católica não reconhece como válida uma segunda união, determinando que o homem e a mulher não podem ter acesso à Comunhão Eucarística e a responsabilidades eclesiais enquanto perdurar a situação (§1650). O divórcio separa o que Deus uniu (§1664).

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