Conforme a Lei Judaica, todo judeu podia se
divorciar de sua mulher. Era um direito outorgado por Moisés: “Se um homem se
casa com uma mulher, e depois descobre nela algo que não lhe agrada, ele deverá
escrever uma carta de divórcio, entregar a ela e despedi-la de sua casa” (Dt
24,1). Durante a pregação de Jesus, os fariseus se acercaram Dele e perguntaram
em que casos um homem poderia divorciar-se de sua mulher. Jesus respondeu que
“nunca, porque o homem não pode separar o que Deus uniu”. Porque Jesus assumiu
uma postura tão rígida (e contrária ao judaísmo) diante do matrimônio?
Novo
Testamento – Lendo o Novo Testamento, entretanto, verificamos com
surpresa que a ordem determinante de Jesus foi suavizada pelos autores
bíblicos, sendo adaptada às diversas circunstâncias da pregação da Boa Nova. No
Novo Testamento encontramos quatro versões diferentes.
Paulo
– O texto mais antigo está na 1ª Carta aos Corintios, em que Paulo diz: “Aos
que estão casados, tenho uma ordem. Aliás, não eu, mas o Senhor: a esposa não
se separe do marido; e caso venha a separar-se, não se case de novo, ou então
se reconcilie com o marido. E o marido não se divorcie de sua esposa.’” (1Cor
7,10-11). Até aqui, Paulo repete os dizeres da Jesus. Porém, Paulo acrescenta
uma exceção: “Se o não cristão quiser separar-se, que se separe. Nesse caso, o
irmão ou irmã não estão vinculados, pois foi para viver em paz que Deus nos
chamou.” (1Cor 7,15). Paulo permitiu esta exceção porque constatava em suas
comunidades que, quando um pagão se convertia ao cristianismo, nem sempre era
acompanhado por seu cônjuge, gerando tensões. Ou seja, apenas 20 anos após a
morte de Jesus, Paulo já permitiu o divórcio em suas comunidades alegando que
poderiam “viver em paz”.
Marcos
– Por volta do ano 68 (38 anos após a morte de Jesus), foi escrito o
Evangelho de Marcos, com um ensinamento diferente sobre o divórcio. Segundo
Marcos, na discussão com os fariseus, Jesus disse que o homem não deve
divorciar-se de sua mulher (Mc 10,9); quando os discípulos lhe pediram uma
explicação, ele esclareceu: “O homem que se divorciar de sua mulher e se casar
com outra, cometerá adultério contra a primeira mulher. E se a mulher se
divorciar do seu marido e se casar com outro homem, ela cometerá adultério”. (Mc
10,11-12). Temos aqui uma nova adaptação das palavras de Jesus: Marcos não
proíbe o homem de separar-se. Pode separar-se. O que não pode é casar-se outra
vez. Portanto, se o cristão de sua comunidade (Roma) tivesse problemas com sua
mulher, podia divorciar-se e seguir considerando-se cristão. Outra inovação do
texto de Marcos é a possibilidade da mulher se divorciar.
Lucas
– Nos anos 80 Lucas nos apresenta mais uma versão para o divórcio: “Todo
homem que se divorcia da sua mulher, e se casa com outra, comete adultério; e
quem se casa com mulher divorciada do seu marido, comete adultério”. (Lc 16,18). Segundo este texto, Jesus não só
proibiu um divorciado voltar a casar-se, mas também um solteiro a casar-se com
uma divorciada, talvez seguindo o Antigo Testamento (Lv 21,7).
Mateus
– Por fim, nos anos 90, Mateus nos apresenta uma quarta norma. Segundo
ele, Jesus disse aos fariseus: Jesus respondeu: “Moisés permitiu o divórcio,
porque vocês são duros de coração. Mas não foi assim desde o início. Eu, por
isso, digo a vocês: quem se divorciar de sua mulher, a não ser em caso de
fornicação, e casar-se com outra, comete adultério” (Mt 19,8-9). Nestes casos,
o homem pode divorciar-se e voltar a casar-se.
Afinal,
o que Jesus disse – Não sabemos exatamente qual foi o ensinamento de
Jesus (certamente proibiu o divórcio), pois nos quatro textos que chegaram a
nós, os autores bíblicos adaptaram as palavras de Jesus segundo as necessidades
de cada comunidade: segundo Paulo, Jesus permitiu o divórcio se um cônjuge se
convertia ao cristianismo e o outro não; segundo Mateus, Jesus permitiu o
divórcio em caso de imoralidade; segundo Marcos, Jesus proibiu que um
divorciado voltasse a casar; e segundo Lucas, proibiu inclusive que um solteiro
se case com uma divorciada.
A
Igreja Católica – A Igreja também ficou indecisa em aplicar os
ensinamentos de Jesus. Até os séculos III e IV, alguns Santos Padres rechaçaram
absolutamente o divórcio, enquanto outros o aceitavam
em caso de adultério. Vários Concílios da Igreja aceitaram e regularam o
divórcio, como, por exemplo, o Concílio de Verberie (752), que estabelecia: “Se
uma mulher planeja matar o seu marido, e este pode provar, ele pode
divorciar-se dela e tomar outra esposa”. O Concílio de Compiegne (757)
afirmava: “Se um enfermo de lepra permitir, sua mulher pode casar-se com
outro”.
Situação
atual – Somente no final do século XII, com o Papa Alexandre III, estabeleceu de
maneira definitiva a postura atual da Igreja Católica, que proíbe absolutamente
o divórcio e um novo casamento. O Catecismo da Igreja Católica não reconhece
como válida uma segunda união, determinando que o homem e a mulher não podem
ter acesso à Comunhão Eucarística e a responsabilidades eclesiais enquanto
perdurar a situação (§1650). O divórcio separa o que Deus uniu (§1664).
Nenhum comentário:
Postar um comentário