Deixai os
meninos, e não os impeçais de vir a mim, porque deles é o reino dos céus (Mt
19, 14).
Ternura – Jesus
demonstra afeto e ternura para com as crianças. Quando os Doze tentaram
afastá-las dele, indignou-se (Mc 10,13-16, Mt 19,13-15 e Lc 18,15-17). Pode
parecer estranho que Jesus, solteiro, sem filhos, tivesse por aqueles pequenos
– descalços, esfarrapados, frequentemente doentes – uma ternura que os Doze não
sentiam, sendo na maior parte casados e tendo filhos (1Cor 9,5). Mas talvez
fosse exatamente essa condição que não lhes permitia espalhar afeto e ternura
além das paredes do lar.
Oposição dos doze – O motivo
fundamental da oposição dos Doze àqueles "pequeninos" era, na
realidade, outro. Devido à situação sóciojurídica das crianças, Jesus ensinava,
na prática, qual era a verdadeira grandeza no seio da Comunidade (Mt 18,1-6, Mc
9, 33-37 e Lc 9,46-48). Para os contemporâneos de Jesus, o nascimento de um
menino era uma graça de Deus (Salmos 126,3-5;127,3-4), a garantia do futuro
religioso, nacional e político da estirpe, se bem que o menino, o herdeiro,
enquanto não atingisse a maioridade, não diferia em nada de um
"escravo" (Gl 4,1). Fora do âmbito da casa e da escola, preocupar-se
com uma criança era considerado, na melhor das hipóteses, perda de tempo. Para
um rabino, portanto, acariciar e abraçar as crianças, como Jesus fazia, era
aviltar a própria dignidade. Por esse motivo, os Doze cerravam fileiras em
torno daquele que, orgulhosamente, chamavam de Mestre.
Argumento eficaz – Pois bem,
era exatamente essa condição jurídica da criança, para Jesus, um ótimo
argumento para desmontar a soberba dos Doze, preocupados em saber qual deles
seria o maior e para sugerir um modelo de comportamento. Com certeza, Jesus não
falava para induzir à infantilidade e muito menos para tecer inverdades à
virtude infantil. Pelo contrário, a única vez que Jesus faz uma avaliação das
qualidades naturais da criança, define-a como caprichosa, arrogante e incapaz
de levar a cabo uma brincadeira que seja (Mt 11,16-19; Lc 7,31-35).
No que ser criança – Mas existe
um primado, pertencente à criança, ao qual o discípulo de Cristo deve
inclinar-se: o de colocar-se em último lugar, como naquela época a lei
determinava que devia ser. Colocar-se em último lugar para servir, não para ser
servido e dar a própria vida para a redenção dos irmãos (Mc 10,45 e passagens
paralelas).
Modelo de conversão – Alguns
exegetas acreditavam que os adjetivos "mikros", "pequeno",
"mikroteros", "menor", talvez fossem sinônimos de
"paidion", "criança". Pensou-se em encontrar um exemplo
dessa aproximação em Mateus 18,1-6. Mas Jesus, na realidade, apresenta um
menino como modelo de conversão aos discípulos, caso quisessem entrar no Reino
dos céus, ou seja, se quisessem fazer parte da Igreja, a qual, embora não seja
o Reino dos céus, é o húmus em que o Reino se desenvolve.
Recomendações – No
versículo 5, passando do símbolo à realidade, Jesus recomenda o acolhimento
terno e afetuoso das crianças – quem as acolhe, alimenta, veste, educa, acolhe
a Cristo. No versículo 6, que se liga ao precedente pela repetição de termos, é
transmitido um ensinamento ministrado por Jesus em outras circunstâncias sobre
a gravidade do pecado do escândalo: "Porém, o que escandalizar um destes
pequeninos, que creem em mim, melhor lhe fora que se lhe pendurasse ao pescoço
a mó dum moinho, e que o lançassem ao fundo do mar".
Quem? são os pequeninos – Os
"pequeninos" desse versículo não são as crianças — que certamente não
estão excluídas, mas os discípulos, que em outras ocasiões são chamados de
"mikroi", "pequeninos" (Mt 18, 10; 10, 42; 11, 11; Lucas
12, 32). Quem consegue tornar-se "pequeno" é efetivamente
"grande" no seio da Comunidade: "Aquele que entre vós todos é o
menor, esse ó o maior" (Lc 9,48).
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