sábado, 18 de maio de 2013

O Início da Igreja


Este domingo é uma grande festa missionária. Marca a transformação da Igreja de uma seita judaica para uma comunidade universal, missionária, comprometida com a construção do Reino de Deus "até os confins da Terra". A liturgia deste final de semana nos apresenta a descida do Espírito Santo sobre a comunidade dos discípulos, em duas tradições: a de Lucas (Atos 2,1-11) e a de João (João 20, 19-23). 

Diferença – Uma leitura fundamentalista da Bíblia leva a gente a um beco sem saída, pois, em João, a Ressurreição, a Ascensão e a descida do Espírito se deram no mesmo dia (domingo de Páscoa, dia 9 de abril do ano 30), enquanto Lucas descreve a ascensão e a descida do Espírito cinquenta dias depois. Assim, devemos ler os textos dentro dos interesses teológicos dos dois autores: os 50 dias de Lucas, por exemplo, entre a Ressurreição e a Ascensão, correspondem aos 40 dias da preparação de Jesus no deserto, para a sua missão. Da mesma maneira que Jesus ficou "repleto do Espírito Santo" e se lançou na sua missão "com a força do Espírito", a comunidade cristã se preparou durante um período semelhante e, na festa judaica de Pentecostes, também experimentou que "todos ficaram repletos do Espírito Santo".

Atos – “Atos dos Apóstolos” descreve o dia de Pentecostes, quando os discípulos estavam reunidos e veio do céu um barulho, como se fosse uma forte ventania, que encheu a casa onde eles se encontravam. Então apareceram línguas como de fogo, que se repartiram e pousaram sobre cada um deles. Todos ficaram cheios de Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, conforme o Espírito os inspirava.
 

Catequese – Não podemos tomar o texto de Lucas (Atos) como uma reportagem jornalística de acontecimentos históricos. O texto que descreve os acontecimentos do dia do Pentecostes é uma construção, com uma evidente intenção teológica. Para apresentar a sua catequese, Lucas recorre às imagens, aos símbolos, à linguagem poética das metáforas. Precisamos entender estes símbolos, para chegarmos à interpelação essencial que a catequese primitiva quis transmitir. 

Símbolos – Nos primeiros versículos, o ambiente é o de uma casa, onde os discípulos se reuniram. Lembra que estavam reunidos três grupos distintos: os Onze, as mulheres (entre as quais Maria, a mãe de Jesus) e os irmãos do Senhor. A expressão externa da descida do Espírito é o "falar em outras línguas" (não o "falar em línguas" – glossolalia – tão valorizado por muitos grupos de cunho neopentecostal). 

Ouvir e compreender – No meio do texto o ambiente muda: da casa para um lugar público, provavelmente o pátio do Templo. O sinal visível da presença do Espírito não é mais o falar em outras línguas, mas o fato de que todos os presentes – destacado por três vezes – pudessem "ouvir os discípulos falarem, na sua própria língua". O termo "ouvir" implica também "compreender". Lucas quer enfatizar que o dom do Espírito Santo tem um objetivo missionário e profético. O texto é uma releitura da Torre de Babel, em que a língua única era o instrumento de um projeto de dominação (uma torre até o céu), que foi destruído por Deus, pela diversidade de línguas.

Missão – O Pentecostes de “Atos” é uma página programática da Igreja e anuncia aquilo que será o resultado da ação das “testemunhas” de Jesus: a humanidade nova, a anti-Babel, nascida da ação do Espírito, onde todos serão capazes de comunicar e de se relacionar como irmãos, porque o Espírito reside no coração de todos como lei suprema, como fonte de amor e de liberdade.

Evangelho – O Evangelho de João descreve o anoitecer, o primeiro da semana. É um quadro que reproduz a situação de uma comunidade desamparada no meio de um ambiente hostil e, portanto, desorientada e insegura. É uma comunidade que perdeu as suas referências e a sua identidade e que não sabe, agora, a que se agarrar. Quando estavam reunidos com as portas fechadas, Jesus entrou e, pondo-se no meio deles, disse: "A paz esteja convosco. Como o Pai me enviou, também eu vos envio. Recebei o Espírito Santo. A quem perdoardes os pecados, eles lhes serão perdoados; a quem não os perdoardes, eles lhes serão retidos".
 

Evangelho de João – Em João é o próprio Jesus que aparece aos Apóstolos e doa o Espírito Santo. O evangelista quer destacar que os discípulos, fazendo a experiência do encontro com Jesus ressuscitado, redescobriram o seu centro, o seu ponto de referência, à volta do qual a comunidade se constrói e toma consciência da sua identidade. A comunidade cristã só existe consistentemente se está centrada em Jesus ressuscitado. Duas vezes o Cristo proclama o seu desejo para os seus discípulos: "A paz esteja com vocês". Na verdade, Jesus usou o termo hebraico “Shalom!” que tem um significado bem mais amplo que a palavra paz. O "Shalom" é a paz que vem da presença de Deus, da justiça do Reino. Envia os seus discípulos na missão árdua em favor do Reino e promete o “shalom”, pois Ele nunca abandonará aquele que procura viver, na fidelidade, o projeto de Deus.  

Reino – Que a celebração de Pentecostes nos anime a buscar um mundo onde o Shalom realmente possa reinar; não a paz falsa da opressão e injustiça, mas, do Reino de Deus, fruto de justiça, solidariedade e fraternidade. Jesus nos deu o Espírito Santo – agora depende de nós usarmos essa força que temos, na construção do mundo que Deus quer.

Nenhum comentário:

Postar um comentário