No Evangelho
das missas deste domingo (Mt 10,1-16), o evangelista Mateus apresenta um texto
de difícil interpretação, conhecida como a parábola dos operários da vinha.
Chamado – A parábola refere-se a um dono de uma vinha que, ao raiar da manhã, se
dirigiu à praça e chamou “clientes” para trabalhar na sua vinha, ajustando com
eles o preço habitual: um denário. O volume de tarefas a realizar na vinha fez
com que este patrão voltasse a sair no meio da manhã, ao meio-dia, às três da
tarde e ao cair da tarde e que trouxesse, de cada vez, novas levas de
trabalhadores. O trabalho decorreu sem incidentes, até ao final do dia.
Pagamento – Ao anoitecer, os trabalhadores foram chamados diante do senhor, a fim de
receberem a paga do trabalho. Todos – tanto os que só tinham trabalhado uma
hora, como os que tinham trabalhado todo o dia – receberam a mesma paga: um
denário. Contudo, os trabalhadores da primeira hora (os “clientes” habituais do
dono da vinha) ficaram indignados por não terem recebido um tratamento “de
favor”.
A resposta final – O dono da vinha afirma que ninguém tem nada a reclamar se ele decide
derramar a sua justiça e a sua misericórdia sobre todos, sem exceção. Ele
cumpre as suas obrigações para com aqueles que trabalham com ele desde o
início; não poderá ser bondoso e misericordioso para com aqueles que só chegam
ao fim? Isso em nada deveria afetar os outros…
Naquele tempo... – Esta parábola nasce na realidade agrícola do povo da Galileia. Era uma
região rica, de terra boa, mas com o seu povo empobrecido, pois as terras
estavam nas mãos de poucos e a maioria trabalhava como arrendatário ou como
"boia-fria", como diríamos hoje. Para sobreviver, esses camponeses
sem terra alugavam a sua força de trabalho. Juntavam-se na praça da cidade e
esperavam que os grandes donos de terra os contratassem para trabalhar nos seus
campos ou nas suas vinhas. Normalmente, cada “patrão” tinha os seus “clientes”,
isto é, homens que ele contratava regularmente e recebiam um tratamento de
favor (eram sempre os primeiros a ser contratados), a fim de que pudessem
ganhar uma “jornada” completa (um “denário”, que era o pagamento diário de um
trabalhador).
Mensagem – A parábola é dirigida às comunidades de judeus que aderiram ao cristianismo.
Os judeus das sinagogas os rejeitavam e ameaçavam expulsá-los de seu convívio.
Eles não admitiam que, no cristianismo, os pagãos se considerassem eleitos de
Deus, assim como eles próprios se consideravam, conforme sua tradição do
Primeiro Testamento. Mateus quer instruir estas comunidades de judeu-cristãos para
que compreendam que, pela revelação de Jesus, Deus não se limita ao exclusivismo
pretendido pelo judaísmo.
Parábola – Assim, na parábola os trabalhadores de última hora (os gentios), ao
receberem seu pagamento, são tratados em pé de igualdade com os primeiros que
vieram trabalhar na vinha (o povo de Israel). As parábolas partem de imagens
extraídas da vida real. Analisando as imagens utilizadas, vemos que no cenário
aparecem o dono da vinha, imagem característica na tradição de Israel, e os
trabalhadores desocupados na praça, cena característica de uma cidade grega.
Sustento da vida – O texto nos ensina que a lógica do Reino não é a lógica da sociedade
vigente. Na nossa sociedade, uma pessoa vale pelo que produz – logo, quem não
produz não tem valor. Assim, se faz pouco caso do idoso, aposentado, doente, portador
de deficiência... Na parábola, o patrão (símbolo do Pai) usa como critério de
pagamento, não a produção, mas o sustento da vida – também o trabalhador da
última hora precisa sustentar a família e por isso recebe o valor suficiente,
um denário.
Trabalho – Pode-se analisar nestas imagens o significado do trabalho. O trabalho
não é mercadoria que se vende, avaliado pela quantidade da produção que dele
resultou. O trabalho é o meio de subsistência das pessoas e da família, bem
como é serviço à comunidade, pela partilha de seus frutos. Todos têm direito ao
essencial para a sua sobrevivência. Na parábola, a todos foi dado o necessário
para a sobrevivência de um dia, independentemente da quantidade de sua
produção. A venda do fruto do trabalho por um salário é uma alienação da
dignidade do trabalhador. É vender uma parte do seu ser, de seu próprio corpo,
do fruto de seu trabalho, para a acumulação de riqueza e prazer do patrão.
Valores – O Reino de Deus tem valores diferentes da sociedade neoliberal do nosso
tempo - a vida é o critério, não a produção. Por isso, quem procura vivenciar
os valores do Reino estará na contramão da sociedade dominante. O texto nos
convida a imitar o Pai do Céu, lutando por novas relações na sociedade e no
trabalho, baseadas no valor da vida, não na produção e consumo. O critério é a
gratuidade de Deus Pai, pois tudo o que temos recebemos Dele e, sendo todos seus
filhos amados, a comunidade cristã não pode discriminar pessoas, por qualquer
motivo que seja.
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