sábado, 25 de setembro de 2021

MATEUS: O COBRADOR DE IMPOSTOS

  


No dia 21 de setembro, a Igreja comemora São Mateus, Evangelista, também chamado de Levi e apóstolo de Jesus.

 Impostos – No Império Romano, os impostos eram cobrados em todas as províncias, pois era necessário pagar as contas do imperador e manter o Império. Basicamente, dois tipos de impostos eram cobrados: sobre as propriedades (terras e prédios), arrecadado do povo em recenseamentos e o imposto sobre a circulação de mercadorias, arrecadado em pedágios.

 Cobradores – Para coletar os impostos das províncias, o Império Romano dispunha pessoas nativas de cada lugar encarregadas de recolher as taxas de impostos que o povo devia pagar ao Imperador. Elas eram chamadas de coletores de impostos ou publicanos. Na época de Jesus, esse era um dos trabalhos mais indignos de serem feitos. Afinal, um judeu que cobrasse impostos de seu próprio povo para ajudar o Império Romano era visto como o mais sujo entre a população.

 Terceirização – Os cobradores de impostos auferiam lucros cobrando um imposto mais alto do que a lei permitia. Os coletores licenciados pelo Império contratavam oficiais de menor categoria, chamados de publicanos, para efetuar o verdadeiro trabalho de coletar. Os publicanos recebiam seus próprios salários cobrando uma fração a mais do que seu empregador exigia. Os Evangelhos citam Zaqueu como chefe dos coletores (Lc 19,2) e o apóstolo Mateus como publicano (Mc 2,13-14).

 Pedágio – O discípulo Mateus era um desses publicanos; ele coletava pedágio na estrada entre Damasco e Aco; sua tenda estava localizada fora da cidade de Cafarnaum, o que lhe dava a oportunidade de, também, cobrar impostos dos pescadores. Normalmente um publicano cobrava 5% do preço da compra de artigos normais de comércio, e até 12,5% sobre artigos de luxo. Mateus cobrava impostos também dos pescadores que trabalhavam no mar da Galiléia e dos barqueiros que traziam suas mercadorias das cidades situadas no outro lado do lago.

 Impuro – Os judeus consideravam impuro o dinheiro dos cobradores de impostos, por isso nunca pediam troco. Para agravar a situação, os judeus eram proibidos por lei divina de tocarem as moedas do Império Romano, pois traziam a esfinge do imperador. Por consequência, os cobradores de impostos, que as manuseavam com frequência, eram considerados pecadores públicos, impuros e mal vistos. Não era permitido aos publicanos prestar depoimento no tribunal, e não podiam pagar o dízimo de seu dinheiro ao Templo. Os fariseus, muito ciosos da sua santidade, mudavam de passeio público, quando viam um publicano, na rua, vir ao seu encontro. Eles evitavam até que a sombra do publicano passasse sobre eles. Eram, portanto, gente desclassificada (apesar de rica), impura, considerada amaldiçoada por Deus e, portanto, completamente à margem da salvação.

 Um Publicano Apóstolo? – Vejam a situação extraordinária criada por Jesus: Ele não só chama um publicano para o seu grupo de discípulos, como também aceita sentar-se à mesa com ele (estabelecendo, assim, laços de familiaridade, de fraternidade, de comunhão). O comportamento de Jesus não é só ofensivo à moral e aos bons costumes, mas uma verdadeira provocação. Jesus reúne num mesmo grupo várias classes sociais: pescadores (Pedro, Tiago, João, André), nacionalistas (Simão), publicanos, etc.

 Mateus – O relato da vocação de Mateus é semelhante ao chamamento de outros apóstolos (Mt 4,18-22): são homens que estão trabalhando, a quem Jesus chama e que, deixando tudo, seguem Jesus. No entanto, um dado novo em relação a outros relatos de vocação: Jesus demonstra que, no “Reino”, há lugar para todos, mesmo para aqueles que o mundo considera desclassificados e marginais. Deus tem uma proposta de salvação para apresentar a todos os homens, sem exceção; e essa proposta não distingue entre bons e maus: é uma proposta que se destina a todos aqueles que estiverem interessados em acolhê-la.

sábado, 18 de setembro de 2021

JESUS X NIETZSCHE

  


No Evangelho deste domingo (Marcos 9, 30-37), Jesus termina a sua viagem pela Galiléia e chega a Cafarnaum. Estamos em agosto do ano 29. Jesus estava chegando de uma longa viagem de vários meses: saiu da região das cidades de Tiro e Sidom, atravessou a Fenícia, passou próximo da cidade de Cesaréia de Felipe e, finalmente, chegou a Cafarnaum.

 Primeiro e último – Sabendo o que os discípulos haviam discutido durante a viagem, Jesus sentou-se, chamou os doze e lhes disse: "Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos!" Em seguida, pegou uma criança, colocou-a no meio deles e, abraçando-a, disse: "Quem acolher, em meu nome, uma destas crianças, é a mim que estará acolhendo. E quem me acolher está acolhendo não a mim, mas àquele que me enviou".

 Uma questão – Será que, com estas palavras, Jesus condena o desejo de sobressair, de fazer grandes coisas na vida, de dar o melhor de si, e privilegia, ao contrário, a apatia, o espírito de abandono, os negligentes?

 Nietzsche – Assim pensava o filósofo Nietzsche (Friedrich Nietzsche, filósofo alemão que viveu entre 1844 e 1900), que se sentiu no dever de combater ferozmente o cristianismo por ter (em sua opinião) introduzido, no mundo, o “câncer” da humildade e da renúncia. Em sua obra “Assim falou Zaratustra”, ele opõe a este valor evangélico o da “vontade de poder”, encarnado pelo “super-homem”, o homem da “grande saúde”, que quer levantar-se, não se abaixar.

 Ser o primeiro – Pode ser que os cristãos, às vezes, tenham interpretado mal o pensamento de Jesus e tenham dado ocasião a este mal-entendido. Mas, certamente, não é isso o que o Evangelho quer nos dizer. “Se alguém quiser ser o primeiro...” indica que é possível querer ser o primeiro, não está proibido, não é pecado. Jesus não só não proíbe o desejo de querer ser o primeiro, mas, o estimula.

 Ser o último – Só que revela uma via nova e diferente para realizá-lo: não à custa dos outros, mas a favor dos outros. De fato, acrescenta: “... seja o último de todos e o servidor de todos”. Mas, quais são os frutos de uma ou outra forma de sobressair? A ânsia de poder conduz a uma situação na qual a pessoa se impõe e os outros servem; e a pessoa é “feliz”, enquanto os outros são infelizes; só se sente vencedor com todos os outros derrotados e se domina, com os outros dominados.

 Guerras? – Sabemos os resultados alcançados com o “ideal do super-homem” alardeado por Hitler. Aliás, não se trata só do nazismo: quase todos os males da humanidade provêm dessa raiz. Na segunda leitura deste domingo, Tiago propõe a angustiosa e perene pergunta: “De onde procedem as guerras?”. Jesus, no Evangelho, nos dá a resposta: do desejo de dominar! Domínio de um povo sobre outro, de uma raça sobre outra, de um partido sobre os outros, de um sexo sobre o outro, de uma religião sobre a outra...

 Serviço – No serviço, ao contrário, todos se beneficiam da grandeza das pessoas. Quem é grande no serviço, se torna grande e torna os outros grandes também; mais que elevar-se acima dos outros, eleva os demais consigo. É o caso de Madre Teresa de Calcutá, Raoul Follereau e todos os que diariamente servem à causa dos pobres e dos feridos das guerras, frequentemente arriscando sua própria vida.

 QUER LER MAIS – Se você gostou do assunto e que saber mais, podemos lhe oferecer o livro “Assim falou Zaratustra” (351 pág. em português), escrito por Nietzsche em 1883. Solicite por E-mail.

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

A FÉ SEM OBRAS É MORTA

Nas missas deste domingo será lida a Carta de Tiago (Tg 2,14-18), na qual o autor discorre sobre fé e obras. No versículo 17, o autor escreve: “a fé sem obras está completamente morta”. Esta é uma das questões que motivou a Reforma Protestante. A salvação se dá somente pela fé ou pela fé mais as obras? Sou salvo apenas por crer em Jesus ou tenho que crer em Jesus e fazer certas coisas?

 

A Carta de Tiago – Trata-se de uma carta enviada aos cristãos de origem judaica, dispersos no mundo greco-romano, sobretudo nas regiões próximas da Palestina – como a Síria, o Egipto ou a Ásia Menor. O objetivo fundamental do autor é exortar os crentes para que não percam os valores cristãos autênticos, herdados do judaísmo através dos ensinamentos de Cristo.

 

A Fé – Segundo o autor do texto, a fé se expressa, não através de ritos formais ou de palavras ocas, mas através de ações concretas em favor do homem (Tg 2,14-26). No geral, este capítulo convida os crentes a assumirem uma fé operativa, que se traduza num compromisso social e comunitário.

 

Paulo X Tiago (1º round) – A questão da fé somente ou fé mais as obras se faz delicada, por causa de algumas passagens bíblicas de difícil interpretação. Comparando-se a Carta de São Paulo aos Romanos (Rom 3,28 e 5,1) e aos Gálatas (Gal 3,28) com a Carta de Tiago (Tg 2,17), notamos uma diferença conceitual: enquanto Paulo garante que “é pela fé que o homem é justificado, independentemente das obras”, Tiago afirma que “a fé sem obras não serve para nada”.

 

Paulo X Tiago (2º round) e a Reforma de Lutero – A questão existente entre a fé e as obras foi objeto de muitas discussões, sobretudo a partir do séc. XVI. A afirmação de Paulo, na Carta aos Romanos, foi usada por Lutero para fundamentar a sua teologia da salvação pela fé: a salvação não depende das ações do homem, mas é um dom gratuito e imerecido que Deus, na sua infinita misericórdia, oferece ao homem.

 

Paulo X Tiago (3º round) – Este aparente problema é resolvido quando se examina o que diz Tiago: nega a crença de que a pessoa possa ter fé sem produzir quaisquer boas obras (Tg 2,17-18). Tiago está enfatizando o argumento de que a fé genuína em Cristo produzirá uma vida transformada e boas obras (Tg 2,20-26). O que o autor quer dizer é que a fé tem de traduzir-se em ações concretas de compromisso com o mundo e com os homens. Se isso não acontecer, essa fé é apenas uma declaração de boas intenções, mas que não passa de uma farsa sem valor e sem conteúdo.

 

Adesão – A adesão a Jesus e ao seu projeto significa que o homem está disposto a acolher essa vida nova e plena que Deus, gratuitamente e sem condições, lhe oferece (salvação). Essa vida, interiorizada e assumida, tem de transparecer em gestos de amor, de solidariedade, de fraternidade, de serviço, de partilha, de perdão. A vivência da fé tem, portanto, de se traduzir na vida do dia a dia, especialmente na forma como se vive a relação com esses irmãos com quem cruzamos nos caminhos do mundo. Se isso não acontece, quer dizer que a fé é uma mentira.

 

Gestos concretos – Os bonitos discursos que fazemos, os conselhos muito sábios que damos, as teorias bem elaboradas que apresentamos, as reflexões muito piedosas que impingimos, não passam de belas palavras que podem não significar nada. Quando um irmão tem fome ou não tem o que vestir ou está sofrendo, é preciso ir ao seu encontro e manifestar-lhe, com gestos concretos, o nosso amor, a nossa solidariedade, a nossa fraternidade. A nossa religião tem de manifestar-se na vida e tem de transparecer nos nossos gestos.

 

Quer ler mais – Se você quer ler mais detalhes sobre a Reforma Protestante de Lutero, podemos lhe oferecer dois textos: “As 95 teses de Lutero” e “As Linhas doutrinárias de Lutero”. Solicite por E-mail.

sexta-feira, 3 de setembro de 2021

"Efatá." Abre-te!

 


O acontecimento relatado por Marcos 7, 31-37, que veremos neste domingo, acontece em junho do ano 29, quando Jesus está na região da Fenícia, entre as cidades de Tiro e Sidon. As duas cidades existem até hoje e distam 30 quilômetros entre si. Na época de Jesus, eram cidades muito ricas e formavam uma região totalmente pagã.

 Viagem – Jesus viajou desta região para o mar da Galiléia e chegou à região da Decápole. Durante a viagem, lhe trouxeram um homem surdo, que falava com dificuldade, e pediram que Jesus lhe impusesse as mãos. Jesus colocou os dedos nos seus ouvidos, cuspiu e, com a saliva, tocou a língua dele. Olhando para o céu, suspirou e disse: "Efatá!", que quer dizer "Abre-te!" Imediatamente, seus ouvidos se abriram, sua língua se soltou e ele começou a falar sem dificuldade.  Jesus recomendou que não contassem a ninguém, mas, quanto mais ele recomendava, mais eles divulgavam. Muito impressionados, diziam: "Ele tem feito bem todas as coisas: aos surdos faz ouvir e aos mudos falar”.

 Milagre – Mais uma vez, estamos diante de um milagre de Jesus, que manifesta o poder de Deus que age nele, que causa espanto e alegria entre as testemunhas. Em si, o relato segue o roteiro de tantos outros – uma pessoa sofrendo (neste caso de surdez e incapacidade de falar corretamente), a compaixão da parte de Jesus, que o leva a atender o pedido de uma cura, a cura em si, a proibição de espalhar a notícia (o "Segredo Messiânico), e a incapacidade das testemunhas de guardar o segredo.

 Identidade – A violação da proibição, por parte da multidão, traz à tona a questão da verdadeira identidade de Jesus, dando a impressão de que ele é muito mais do que um simples curador! As palavras que expressam o entusiasmo da multidão diante dele (7,37) são tiradas de uma seção apocalíptica de Isaías, sugerindo que, nas atividades de Jesus, o Reino de Deus se faz presente.

 Segredo Messiânico – O que é isso? Provavelmente, faz parte da insistência de Marcos, de que Jesus é mais do que um milagreiro, e que a sua verdadeira identidade só se revelará na sua Cruz e Ressurreição. Pois é somente lá, e não diante dos milagres, que Jesus é proclamado "Filho de Deus" por um homem – o oficial que exclamou a pé da Cruz, vendo como Jesus havia expirado. Para Marcos, uma fé baseada nos milagres é sempre ambígua, pois pode levar ao seguimento de Jesus por motivos errôneos e duvidosos. Para corrigir essa tendência na sua comunidade, ele insiste que só se pode proclamar Jesus com o título messiânico "Filho de Deus" ao pé da Cruz, onde não há lugar para dúvidas.

 Hoje – Podemos ver um sentido mais simbólico para os nossos dias na cura relatada – o de abrir os ouvidos e soltar as línguas: o sistema hegemônico de hoje e os meios de comunicação, frequentemente atrelados e coniventes, procuram tapar os ouvidos do povo diante dos gritos dos sofridos. Fazem questão de camuflar a realidade sofrida de milhões, escondendo-a ou banalizando-a, como fica claro na maioria dos noticiários de televisão.

 Oprimidos – Também as forças dominantes, cada vez mais, deixam os excluídos sem voz: na nossa sociedade consumista, só pode ter voz ativa quem produz e consome. Diante da surdez e mudez físicas, Jesus cura! O evangelho e a atividade evangelizadora das igrejas devem ajudar as pessoas, para que ouçam o grito dos oprimidos e para que ajudem a devolver a voz àqueles a quem foi tirada.

 Igreja – Jesus fez bem todas as coisas – fez os surdos ouvirem e os mudos falarem! Que se possa dizer isso de todas as Igrejas e pastorais – que possamos ajudar a devolver, aos ensurdecidos pela ideologia dominante, a capacidade de ouvir os gemidos dos sofredores; e, aos os sem-voz, a recuperar a voz ativa, nas decisões das igrejas e da sociedade em geral.