sexta-feira, 16 de outubro de 2015

“Aquele que quiser ser o maior de todos será o servo de todos”





No esquema do evangelho de Marcos, o texto de hoje (Mc 10, 35-45) situa-se quase no fim da caminhada de Jesus com os seus discípulos para Jerusalém, o lugar do desfecho de toda a sua missão. Estamos no mês de março do ano 30; no próximo dia 7 de abril do ano 30 Jesus será preso, condenado e crucificado.

Paixão – Pela terceira vez, ele tem dado aos seus mais íntimos colaboradores o anúncio sobre a sua paixão de morte: "Eis que somos subindo para Jerusalém, e o Filho do Homem vai ser entregue aos chefes dos sacerdotes e aos doutores da Lei. Eles o condenarão à morte e o entregarão aos pagãos. Vão caçoar dele, cuspir nele, vão torturá-lo e matá-lo".

Cegos – E de novo, a colocação mais do que clara de que significa ser o messias de Deus não surte efeito – os discípulos, cegados pela ideologia dominante, são incapazes de entender o sentido da vida de Jesus, e por conseguinte, o sentido de ser discípulo dele. Como Pedro, depois do primeiro anúncio, e todos os Doze depois do segundo, João e Tiago conseguem resistir o ensinamento de Jesus numa tentativa de impor a sua própria agenda!

Tiago e João – Apesar de ouvirem que Jesus veio para dar a sua vida em serviço de todos, os irmãos pedem os primeiros lugares quando Jesus entrasse na sua glória. O desejo de dominar estava muito enraizado neles. É tão gritante o descompasso entre o ensinamento de Jesus e os desejos dos dois irmãos que Mateus, relatando a mesma história, suaviza o texto de Marcos, fazendo com que a mãe deles fizessem o pedido! (Mt 10,20). A queixa de Deus no Antigo Testamento de que o seu povo era um povo de "cabeça dura", se atualiza nos Doze!!

Dominação – Mas não podemos pensar que eram só os dois filhos de Zebedeu que sentiram o gosto pela dominação. É interessante notar a reação dos outros dez diante do pedido feito: "Quando os outros dez discípulos ouviram isso, começaram a ficar com raiva de Tiago e João". Porque ficaram com raiva? Não porque achavam sem sentido o pedido dos dois, mas porque, no fundo, cada um deles queria ter o lugar de honra e poder!! O vírus de dominação é mais do que contagioso!!

Primeiro e servo – Mais uma vez, Jesus demonstra paciência histórica com os seus seguidores. Contrasta o sistema de organização da sociedade com aquele que queria para a comunidade dos seus discípulos: "entre vocês não devem ser assim: quem de vocês quiser ser grande, deve tornar-se o servo de vocês, e quem de vocês quiser ser o primeiro, deverá tornar-se o servo de todos".

Servir e ser servido – E deixa bem claro o motivo – não em razão de uma humildade qualquer, mas porque ele nos deu o exemplo: "porque o Filho do Homem não veio para ser servido. Ele veio para servir e para dar a sua vida como resgate em favor de muitos". Ser discípulo de Jesus, é ter o mesmo ideal, a mesma prática do que ele!

Poder – O texto torna-se muito atual para os dias de hoje. Infelizmente o contraste feito por Jesus entre os seus seguidores e o sistema da sociedade secular nem sempre se verifica. Existe, talvez nos últimos anos de forma mais acentuada, uma busca de status e do poder dentro do seio das igrejas, talvez especialmente entre o clero mais jovem.


Igreja – Mas ninguém pode se achar imune diante desta tentação, pois está bem enraizada dentro de todos nós. Somente uma mística bem cultivada do seguimento de Jesus, fundamentada na Palavra da Escritura, poderá nos ajudar para que realmente construamos uma Igreja onde e demonstra que "entre vocês não deve ser assim".

sábado, 10 de outubro de 2015

O CAMELO E O BURACO DA AGULHA


No Evangelho deste domingo é apresentado o texto de São Marcos (Mc 10,17-30) em que o jovem rico perguntou a Cristo o que deveria fazer para conseguir a vida eterna.

O jovem rico – Jesus lhe indicou os Dez Mandamentos da Lei de Deus.  Tendo o jovem respondido que já os observava desde a juventude, o Senhor aconselhou-lhe que vendesse as suas posses, distribuísse aos pobres e o seguisse.  Ao ouvir estas palavras, o jovem afastou-se entristecido, pois era proprietário de grandes posses. 

O camelo – Esta atitude do jovem ocasionou as seguintes observações de Cristo: Em verdade vos digo que dificilmente um rico entrará no reino dos céus. Digo-vos ainda: é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus” (Mc 10,25 e Mt 19,24).

Estranho – Sem qualquer dúvida, a desproporção, o contraste quase absurdo, causa estranheza aos dizeres de Jesus.  Os pesquisadores apresentam três explicações possíveis para a esquisita comparação:

a) JESUS TERIA USADO UM DITO POPULAR
          A primeira explicação sugere que Jesus realmente tenha dito tal frase, se utilizando de uma expressão (ditado) popular.  Parece que Ele quis mostrar a dificuldade da salvação, recorrendo a uma comparação absurda.  Cale lembrar que esta frase usada por Jesus em Mc 10,25 nunca foi encontrada em qualquer outro texto judaico, embora outras estranhas comparações tenham aparecido:
          - “Ninguém imagina, nem mesmo em sonho, uma palmeira de ouro, ou um elefante que passe pelo buraco de uma agulha” (Talmud (352).
          - “Pode um etíope mudar a própria pele? Ou um leopardo apagar as malhas do pêlo de que se reveste?” (Jr 13,23).
          Se Cristo vivesse nos dias atuais e se utilizasse de um ditado dos nossos dias, talvez dissesse: “Nem que chova canivete, um rico entrará no reino dos céus”.

b) CAMELO OU CORDA
          Na segunda explicação supõe-se que houve um erro na transcrição dos textos dos Evangelhos. Antes da invenção da imprensa, os textos eram copiados manualmente por copistas e sujeitos a inúmeros erros.  Dentre estas falhas, o escriba deve ter escrito camelo (Kámelos, em grego) no lugar de corda (Kámilos, em grego).  Kámilos era uma corda de grande diâmetro, usada para prender os barcos no porto.  Esta cópia do Evangelho (com a palavra trocada) teria sido usada como original por outros copistas, chegando até nossos dias. 
          Esta explicação foi apresentada por S. Cirilo de Alexandria (444) e aceita por outros textos do século V como o Tractatus de Divitiis, atribuído ao bispo Fastídio (410-450).
          Portanto, se aceitarmos esta justificativa, as verdadeiras palavras de Jesus foram (Mc 10,25): “É mais fácil uma corda passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus”.

c) A PORTA DE JERUSALÉM
          A terceira explicação se refere a uma descoberta recente: alguns textos da época de Jesus reportam a existência de uma pequena passagem (ou buraco) nos muros da cidade de Jerusalém, chamado de “Buraco da Agulha”.  Devemos lembrar que Jerusalém era cercada por altos muros e grandes portões que eram fechados durante a noite.  O Buraco da Agulha era uma passagem (talvez usada para entrar ou sair ilegalmente da cidade) onde os animais de carga só podiam passar se fossem despojados da bagagem e dobrassem os joelhos; os homens só transitavam por aí se se curvassem.

          Fica a dúvida: teria Jesus se referido a esta passagem em seu discurso aos discípulos?

domingo, 4 de outubro de 2015

E os dois serão uma só carne


O texto do Evangelho das missas deste domingo acontece durante a última viagem de Jesus a Jerusalém. Estamos em fevereiro do ano 30. Em pouco mais de um mês, Jesus será preso, condenado e crucificado. Alguns fariseus, tentando obter uma prova para condenar Jesus, perguntam: “Um homem pode mandar a sua esposa embora?”

Matrimônio – O tema deste domingo é o matrimônio. Em nossos dias, o que ameaça o matrimônio é a separação e o divórcio, enquanto que, nos tempos de Jesus, era o repúdio. Este, certamente, um mal pior, porque implicava uma injustiça contra a mulher, pois somente o homem tinha o direito de repudiar a esposa. Lamentavelmente, esse costume ainda persiste em certas culturas...

Judaísmo – No judaísmo, duas correntes de opiniões se contrapunham: para uma delas, era lícito repudiar a própria mulher por qualquer motivo (até se “o feijão queimasse”), e a decisão do marido era soberana, conforme o seu julgamento ou vontade; para a outra, ao contrário, era preciso um motivo grave, previsto pela Lei. Os fariseus submeteram esta questão a Jesus, esperando que adotasse uma postura a favor de uma ou outra tese. Mas, receberam uma resposta que não esperavam: “Foi por causa da dureza do coração de vocês que Moisés escreveu esse mandamento.  Mas, desde o início da criação, Deus os fez homem e mulher. Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe, e os dois serão uma só carne. Portanto, eles já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, o homem não deve separar”.

Moisés – A lei de Moisés sobre o repúdio é vista por Cristo como algo não desejado, mas tolerado por Deus (como a poligamia ou outras desordens) por causa da dureza de coração e da imaturidade humana. Jesus não critica Moisés pela concessão feita; reconhece que, nesta matéria, o legislador humano não pode deixar de levar em conta a realidade. Mas, volta a propor a todos o ideal originário da união indissolúvel entre o homem e a mulher (uma só carne) que, ao menos para seus discípulos, deverá ser a única forma possível de matrimônio.

Sacramento – Contudo, Jesus não se limita a reafirmar a lei; acrescenta-lhe a graça. Ou seja, os esposos cristãos não só têm o dever de se manterem fiéis até a morte, como têm também a ajuda necessária para fazê-lo. Da morte redentora de Cristo vem uma força – o Espírito Santo – que permeia todo aspecto da vida do crente, inclusive o matrimônio. Este, inclusive, é elevado à dignidade de sacramento e de imagem viva de sua união com a Igreja na cruz (Ef 5, 31-32). Dizer que o matrimônio é um sacramento significa que ele se converte em um modo de unir-se a Cristo, por meio do amor ao outro, tornando-se um verdadeiro caminho de santificação.

Crise - O ideal de fidelidade conjugal nunca foi fácil (adultério é uma palavra que ressoa sinistramente até na Bíblia) e hoje, mais difícil ainda. A crise que a instituição do matrimônio atravessa em nossa sociedade é visível e as legislações civis que permitem o divórcio apenas poucos meses depois de vida em comum, indiretamente, o estimulam. Palavras como: “estou farto desta vida”, “se é assim, cada um por si!”, “vou embora”, são pronunciadas entre cônjuges na primeira dificuldade.

Descartável – Vive-se também, no matrimônio, a mentalidade comum do “usar e jogar fora”. Se um aparelho ou uma ferramenta sofre algum dano ou uma pequena avaria, não se pensa em repará-lo, pensa-se só em substituir. Essa mentalidade, no matrimônio, é mortífera. O que se pode fazer para conter esta tendência, causa de tanto mal para a sociedade e de tanta tristeza para os filhos? Substituir a mentalidade do “usar e jogar fora” pela do “usar e remendar”. Quase ninguém faz remendos mais. Mas se não se fazem na roupa, deve-se praticar esta arte na vida a dois (Veja Ef 4, 26-27; Col 3, 13; Ga 6, 2).

Santidade – O importante a compreender é que o matrimônio não se gasta com crises e superações, mas se aperfeiçoa e melhora. Se olharmos para a vida dos santos, perceberemos que o caminho que leva à santidade é feita de vazios, aridez e muita força de vontade e cansaço. Muitos chegaram a duvidar de que estivessem no caminho certo. Seguiram adiante só por fé e só depois de passar por crises, entenderam o quanto é mais profundo e mais desinteressado o amor a Deus. Os casais também atravessam, frequentemente, crises em seu matrimônio. Se, com boa vontade e ajuda, conseguem supera-las, percebem que, se antes ambos se amavam pela satisfação que isso lhes proporcionava, hoje talvez se amem um pouco mais com um amor de ternura, livre de egoísmo e capaz de compaixão; amam-se pelas coisas que passaram e sofreram juntos.


Acolhimento – Apesar de tudo, a vida dos homens e das mulheres é marcada pela fragilidade própria da condição humana. Nem sempre, apesar do esforço e boa vontade, as pessoas conseguem ser fiéis aos ideais que Deus propõe. A vida de todos nós está cheia de fracassos, de infidelidades, de falhas. Nessas circunstâncias, a comunidade cristã deve usar de muita compreensão para os que, muitas vezes sem culpa, não conseguiram a vivência desse projeto de amor. Em nenhuma circunstância os divorciados devem ser marginalizadas ou afastados da comunidade cristã, que deve acolher, integrar, compreender, ajudar a quem as circunstâncias da vida impediram de viver o projeto ideal de Deus. Não se trata de renunciar ao “ideal” proposto; trata-se de testemunhar a bondade e a misericórdia de Deus para com todos aqueles a quem a partilha de um projeto comum fez sofrer e que, por diversas razões, não puderam realizar esse ideal que um dia, diante de Deus e da comunidade, se comprometeram a viver.

sábado, 26 de setembro de 2015

LEVI: O COBRADOR DE IMPOSTOS


Não. Não se trata do Ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Estamos falando do Evangelista São Mateus, também chamado de Levi, apóstolo de Jesus, comemorado pela Igreja no dia 21 de setembro.

Impostos – No Império Romano, os impostos eram cobrados em todas as províncias, pois era necessário pagar as contas do imperador e manter o Império. Basicamente, dois tipos de impostos eram cobrados: sobre as propriedades (terras e prédios), arrecadado do povo em recenseamentos e o imposto sobre a circulação de mercadorias, arrecadado em pedágios.

Cobradores – Para coletar os impostos das províncias, o Império Romano dispunha pessoas nativas de cada lugar encarregadas de recolher as taxas de impostos que o povo devia pagar ao Imperador. Elas eram chamadas de coletores de impostos ou publicanos. Na época de Jesus, esse era um dos trabalhos mais indignos de serem feitos. Afinal, um judeu que cobrasse impostos de seu próprio povo para ajudar o Império Romano era visto como o mais sujo entre a população.

Terceirização – Os cobradores de impostos auferiam lucros cobrando um imposto mais alto do que a lei permitia. Os coletores licenciados pelo Império contratavam oficiais de menor categoria, chamados de publicanos, para efetuar o verdadeiro trabalho de coletar. Os publicanos recebiam seus próprios salários cobrando uma fração a mais do que seu empregador exigia. Os Evangelhos citam Zaqueu como chefe dos coletores (Lc 19,2) e o apóstolo Mateus como publicano (Mc 2,13-14).

Pedágio – O discípulo Mateus era um desses publicanos; ele coletava pedágio na estrada entre Damasco e Aco; sua tenda estava localizada fora da cidade de Cafarnaum, o que lhe dava a oportunidade de, também, cobrar impostos dos pescadores. Normalmente um publicano cobrava 5% do preço da compra de artigos normais de comércio, e até 12,5% sobre artigos de luxo. Mateus cobrava impostos também dos pescadores que trabalhavam no mar da Galiléia e dos barqueiros que traziam suas mercadorias das cidades situadas no outro lado do lago.

Impuro – O judeus consideravam impuro o dinheiro dos cobradores de impostos, por isso nunca pediam troco. Para agravar a situação, os judeus eram proibidos por lei divina de tocarem as moedas do Império Romano, pois traziam a esfinge do imperador. Por consequência, os cobradores de impostos, que as manuseavam com frequência, eram considerados pecadores públicos, impuros e mal vistos. Não era permitido aos publicanos prestar depoimento no tribunal, e não podiam pagar o dízimo de seu dinheiro ao Templo. Os fariseus, muito ciosos da sua santidade, mudavam de passeio, quando viam um publicano, na rua, vir ao seu encontro. Eram, portanto, gente desclassificada (apesar de rica), impura, considerada amaldiçoada por Deus e, portanto, completamente à margem da salvação.

Um Publicano Apóstolo? – Vejam a situação extraordinária criada por Jesus: Ele não só chama um publicano para o seu grupo de discípulos, como também aceita sentar-se à mesa com ele (estabelecendo, assim, laços de familiaridade, de fraternidade, de comunhão). O comportamento de Jesus não é só ofensivo à moral e aos bons costumes, mas uma verdadeira provocação. Jesus reúne num mesmo grupo várias classes sociais: pescadores (Pedro, Tiago, João, André), nacionalistas (Simão), publicanos, etc.

Mateus – O relato da vocação de Mateus é semelhante ao chamamento de outros apóstolos (Mt 4,18-22): são homens que estão trabalhando, a quem Jesus chama e que, deixando tudo, seguem Jesus. Usa o verbo “akolouthéô”, que significa “ir atrás” e define como deve ser a atitude de um discípulo que aceita ligar‑se a um “mestre”: escutar as suas lições e imitar os seus exemplos de vida… Mateus, sem objeções nem pedidos de esclarecimento, deixa tudo e aceita ser discípulo, numa adesão plena, total e radical a Jesus e às suas propostas de vida. Mateus define aqui o caminho do verdadeiro discípulo: é aquele que, na sua vida normal, se encontra com Jesus, escuta o seu convite, aceita-o sem discussão e segue Jesus de forma incondicional.


Reino – No relato de vocação de Mateus há, no entanto, um dado novo em relação a outros relatos de vocação: Jesus demonstra que, no “Reino”, há lugar para todos, mesmo para aqueles que o mundo considera desclassificados e marginais. Deus tem uma proposta de salvação para apresentar a todos os homens, sem exceção; e essa proposta não distingue entre bons e maus: é uma proposta que se destina a todos aqueles que estiverem interessados em acolhê-la.

sábado, 19 de setembro de 2015

Uma nova corrida


No Evangelho deste domingo (Marcos 9, 30-37), Jesus termina a sua viagem pela Galiléia e chega a Cafarnaum. Estamos em agosto do ano 29. Jesus estava chegando de uma longa viagem de vários meses: saiu da região das cidades de Tiro e Sidom, atravessou a Fenícia, passou próximo da cidade de Cesaréia de Felipe e, finalmente, chegou a Cafarnaum.

Primeiro e último – Sabendo o que os discípulos haviam discutido durante a viagem, Jesus sentou-se, chamou os doze e lhes disse: "Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos!" Em seguida, pegou uma criança, colocou-a no meio deles e, abraçando-a, disse: "Quem acolher, em meu nome, uma destas crianças, é a mim que estará acolhendo. E quem me acolher está acolhendo não a mim, mas àquele que me enviou".

Uma questão – Será que, com estas palavras, Jesus condena o desejo de sobressair, de fazer grandes coisas na vida, de dar o melhor de si, e privilegia, ao contrário, a apatia, o espírito de abandono, os negligentes?

Nietzsche – Assim pensava o filósofo Nietzsche, que se sentiu no dever de combater ferozmente o cristianismo por ter (em sua opinião) introduzido, no mundo, o “câncer” da humildade e da renúncia. Em sua obra “Assim falava Zaratustra”, ele opõe a este valor evangélico o da “vontade de poder”, encarnado pelo “super-homem”, o homem da “grande saúde”, que quer levantar-se, não abaixar-se.

Ser o primeiro – Pode ser que os cristãos, às vezes, tenham interpretado mal o pensamento de Jesus e tenham dado ocasião a este mal-entendido. Mas, certamente, não é isso o que o Evangelho quer nos dizer. “Se alguém quiser ser o primeiro...” indica que é possível querer ser o primeiro, não está proibido, não é pecado. Jesus não só não proíbe o desejo de querer ser o primeiro, mas, o estimula.

Ser o último – Só que revela uma via nova e diferente para realizá-lo: não à custa dos outros, mas a favor dos outros. De fato, acrescenta: “... seja o último de todos e o servidor de todos”. Mas, quais são os frutos de uma ou outra forma de sobressair? A ânsia de poder conduz a uma situação na qual a pessoa se impõe e os outros servem; e a pessoa é “feliz”, enquanto os outros são infelizes; só se sente vencedor com todos os outros derrotados e se domina, com os outros dominados.

Guerras? – Sabemos os resultados alcançados com o “ideal do super-homem” alardeado por Hitler. Aliás, não se trata só do nazismo: quase todos os males da humanidade provêm dessa raiz. Na segunda leitura deste domingo, Tiago propõe a angustiosa e perene pergunta: “De onde procedem as guerras?”. Jesus, no Evangelho, nos dá a resposta: do desejo de dominar! Domínio de um povo sobre outro, de uma raça sobre outra, de um partido sobre os outros, de um sexo sobre o outro, de uma religião sobre a outra...

Serviço – No serviço, ao contrário, todos se beneficiam da grandeza das pessoas. Quem é grande no serviço, se torna grande e torna os outros grandes também; mais que elevar-se acima dos outros, eleva os demais consigo. É o caso de Madre Teresa de Calcutá, Raoul Follereau e todos os que diariamente servem à causa dos pobres e dos feridos das guerras, frequentemente arriscando sua própria vida.

Dúvida – Resta somente uma dúvida. O que pensar do antagonismo no esporte e da concorrência no comércio? Também estas coisas estão condenadas pela palavra de Cristo? Não; quando estão contidas dentro de limites da concorrência esportiva e comercial, estas coisas são boas, servem para aumentar o nível das possibilidades físicas e para abaixar os preços no comércio...

Esporte – O convite de Jesus, a ser o último, não se aplica, certamente, às corridas ciclísticas ou às de Fórmula 1! Mas, especialmente o esporte, serve para esclarecer o limite desta grandeza em relação ao serviço: “Nas corridas do estádio, todos correm, mas um só recebe o prêmio”, diz São Paulo (1Cor 9,24). Basta recordar o que ocorre no término de uma final de 100 metros rasos: o vencedor exulta, é rodeado de fotógrafos e levado triunfalmente; todos os outros se afastam tristes e humilhados. “Todos correm, mas um só recebe o prêmio.”


Nova Corrida – São Paulo extrai das competições atléticas um ensinamento positivo: “Os atletas se privam de tudo; e isso por uma coroa corruptível!; Nós, ao contrário [para receber de Deus a], coroa incorruptível [da vida eterna]”. Luz verde, portanto, à nova corrida inventada por Cristo, na qual o primeiro é quem se torna último de todos e servo de todos.

sábado, 12 de setembro de 2015

Quem vocês dizem que sou?


No Evangelho deste domingo, Jesus estava caminhando com os apóstolos perto da cidade de Cesaréia de Felipe. Em meio ao caminho, pergunta aos apóstolos: “Quem o povo diz que eu sou?” E os discípulos responderam: “Alguns dizem que o senhor é João Batista; outros, que é Elias; e outros, que é um dos profetas“. Jesus torna a perguntar: “E vocês? Quem vocês dizem que eu sou?” Pedro então responde: “O senhor é o Messias!”

Estranho – Qual a razão dos apóstolos citarem os nomes de Elias e João Batista se eles já estavam mortos? Os judeus acreditavam em reencarnação? Certamente, seria muito estranho os judeus acharem que Jesus fosse uma pessoa morta que “voltou”... O caso não é bem esse... Mas, primeiramente, vamos recordar quem foram Elias e João Batista.

Elias – Originário de Tesbi, Elias foi um profeta do Antigo Testamento que exerceu seu ministério no reino do Norte, no século 9 a.C. Ele manteve a fé do povo em Deus e lutou com vigor contra todo sincretismo religioso. Assim, é descrito no Antigo Testamento como o profeta que "surgiu como fogo e cuja palavra queimava como uma tocha”. O seu desaparecimento é descrito como um arrebatamento por um carro de fogo (2Rs 2-13). Dessa descrição se originou a antiga crença hebraica de que o profeta não teria morrido, mas, teria sido levado para junto de Deus. Sobre ele Malaquias (3, 23) profetizou: “Eis que eu vos enviarei o profeta Elias, antes que venha o grande e terrível dia do Senhor”. Assim, surgiu a crença judaica de que Elias haveria de regressar antes do "Grande dia de Yavéh" ou da "parusia" do Messias, para preparar a vinda do Salvador. Essa convicção foi descrita pelos evangelistas em Mc 6, 14-16; Mc 9,11; Mt 17,10-13, Lc 9, 7; Jo 1, 21.

João Batista – João Batista nasceu cerca de cinco meses antes de Cristo, numa região montanhosa de Judá. Tanto seu pai, o sacerdote Zacarias, como sua mãe, Isabel, eram descendentes de Aarão. Sua mãe era prima de Maria, a mãe de Jesus. Sobre ele o Anjo Gabriel anunciou uma profecia muito semelhante à de Malaquias: “Ele reconduzirá muitos do povo de Israel ao Senhor seu Deus. Caminhará à frente deles, com o espírito e o poder de Elias, a fim de converter os corações dos pais aos filhos e os rebeldes à sabedoria dos justos, preparando para o Senhor um povo bem disposto” (Lc 1, 16). Marcos 9, 13 e Mt 11, 14 também confirmam que João Batista tinha o mesmo ideal e o zelo do profeta Elias. O próprio Jesus declara que: “E se vocês o quiserem aceitar [o reino do céu], João é Elias que devia vir” (Mt 11, 14).

Crença – Como tinham aprendido que Elias tinha sido arrebatado para junto de Deus e que haveria de ser reenviado para preparar a vinda do Salvador, os judeus na época de Jesus acreditavam que em algum momento ele “voltaria”. Por isso o evangelho de João (1, 21) relata que perguntam a João Batista se ele era Elias. Ou seja, esperavam o retorno do próprio Elias para anunciar a chegada do Messias.  Assim, não tinham a preocupação de identificar o Messias e sim de reconhecer Elias, pois apenas após o seu reaparecimento viria o Messias.

João Batista, o profeta do anúncio – Em Mt 17,10-13 (Mc 9, 11) lemos que os discípulos interrogaram Jesus perguntando a razão de os escribas dizerem que era necessário que Elias viesse primeiro. Jesus respondeu que “De fato, Elias virá e restaurará todas as coisas. Eu, porém, vos declaro que Elias já veio, e não o reconheceram; antes, fizeram com ele tudo quanto quiseram. Assim também o Filho do Homem há de padecer nas mãos deles” O texto de Mateus termina dizendo que, então, os discípulos entenderam que Jesus estava falando de João Batista. Mais uma vez, Jesus atesta que João Batista veio cumprir a mesma missão designada a Elias, de zelar com vigor pelas coisas de Deus e cumprir a profecia de ser o precursor do Messias.

Sem dúvidas, mas ainda sem compreender... – Tendo visto todas as coisas que Jesus realizara e tendo compreendido que João Batista era o profeta que viria anunciar a chegada de Jesus, quando são interrogados pelo Mestre sobre quem pensam que Ele é, a resposta de Pedro é categórica: “Tu és o Messias”, atestando que Jesus é o Libertador que Israel esperava, enviado por Deus para livrar o seu Povo e para lhe oferecer a salvação definitiva. Jesus, entretanto, não é o Messias triunfante ou vingador, que busca as glórias humanas, preenchendo as esperanças político-nacionalistas dos judeus. Por isso, para evitar equívocos, instrui-os para que não falem sobre quem Ele é e explica-lhes que a sua missão deve ser entendida à luz da cruz (isto é, como dom da vida aos homens, por amor), dando-lhes instruções sobre o significado e as exigências de ser um discípulo seu.


Atualizando – E para nós, quem é Jesus? Responder a esta questão não significa repetir lições de catequese ou tratados de teologia e sim interrogar o nosso coração e tentar perceber qual é o lugar que Cristo ocupa na nossa existência… Obriga-nos a pensar no significado que Cristo tem na nossa vida, na atenção que damos às suas propostas, na importância que os seus valores assumem nas nossas opções, no esforço que fazemos ou que não fazemos para o seguir… Quem é Cristo para mim? Ele é o Messias libertador, que o Pai enviou ao meu encontro com uma proposta de salvação e de vida plena?

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Natividade de Maria Santíssima


No próximo dia 8 de setembro a Igreja comemora a Natividade de Nossa Senhora. Como os Evangelhos Canônicos trazem poucas informações sobre a vida de Maria, fomos buscar mais detalhes (histórias, nomes, datas, etc.) em outras fontes, como a tradição judaica, fontes históricas e textos apócrifos (Proto-evangelho de Tiago, a História de José o Carpinteiro). A Igreja Católica aceita alguns destes fatos na sua liturgia (os nomes dos pais de Maria, a cerimônia de apresentação de Maria no Templo, Imaculada Conceição, as figuras do boi e do jumento no presépio) mesmo não constando nos Evangelhos.

O pai de Maria – Joaquim era um homem muito rico que vivia atormentado por não ter filhos. Para o povo hebreu era muito importante gerar descendentes. Estava tão angustiado que retirou-se para o deserto e jejuou quarenta dias e quarenta noites para que suas preces fossem atendidas.

A mãe de Maria – Ana era uma mulher que lamentava a sua esterilidade. Apresentou-se a ela um anjo de Deus dizendo que o Senhor ouviu seus pedidos e que ela daria à luz uma criança. A concepção imaculada de Maria é aceita pela Igreja Católica como dogma de fé (instituído pelo Papa Pio IX em 1854) e comemorada como a festa da Imaculada Conceição de Maria (8 de dezembro, nove meses antes do nascimento).

Nascimento – Ana e Joaquim eram residentes em Jerusalém, ao lado da piscina de Betesda, onde hoje se ergue a Basílica de Santa Ana. Num sábado, 8 de setembro do ano 20 a.C., nasceu-lhes uma filha que recebeu o nome de Miriam, que em hebraico significa "Senhora da Luz", passado para o latim como Maria. Maria foi oferecida ao Templo de Jerusalém aos três anos, tendo lá permanecido até os doze anos.

Data – Dados tirados de textos apócrifos indicam que Maria teria entre 13 e 14 anos ao ficar noiva de José (um carpinteiro, viúvo e pai de 6 filhos: 4 homens e 2 mulheres). Como já discutimos nesta coluna, a data mais provável para o nascimento de Jesus é o final do ano 7 antes de nossa era (7 a.C.), ou início do ano 6 a.C. Isso nos leva a localizar o nascimento de Maria por volta do ano 20 a.C.

Cronograma da vida – Um cronograma aproximado da vida de Maria seria o seguinte: nasceu no ano 20 a.C.. No final do ano 7 a.C. (com 13 anos) deu à luz Jesus, na cidade de Belém. Maria assistiu a crucificação e morte de Jesus em abril do ano 30 d.C., com 50 anos de idade. Segundo Hipólito de Tebas (autor bizantino do século VII), a Virgem Maria viveu onze anos após a morte de Jesus, morrendo no ano de 41 d.C. (com 61 anos de idade).

Aos doze anos – Quando Maria completou doze anos (aprox. 9 a.C.), os sacerdotes se reuniram e deliberaram que o Sumo Sacerdote deveria decidir o destino de Maria. Este, orando no aposento chamado ‘santo dos santos’, indicou que fossem reunidos 12 viúvos (um de cada tribo de Israel). Cada viúvo deveria vir ao templo com um bastão e aquele que recebesse um sinal singular do Senhor seria o esposo de Maria.

Os viúvos – José, atendendo o chamado do Sumo Sacerdote, se dirigiu de Belém ao templo, entregando o seu bastão. O Sumo Sacerdote, após orar, devolveu os bastões aos viúvos. Ao entregar o bastão a José, uma pomba passou a voar sobre sua cabeça, indicando que José deveria ser o esposo de Maria.

Contestação – José replicou que já era velho e tinha filhos (Judas, Josetos, Tiago, Simão Lígia e Lídia), enquanto que Maria era uma menina; argumentando ainda que seria objeto de zombarias por parte do povo. O sacerdote convenceu-o, dizendo que deveria aceitar o casamento como desejo divino.

A tradição da época – Na palestina não havia diferença entre noivado e casamento. Por isso que em Mt 1,18 nós encontramos que Maria estava desposada de José. Desposada quer dizer noiva. O noivado já tinha o valor de casamento; por isto, em Mt 1,19, José é chamado de esposo. A tradição mandava que após a festa de noivado, a noiva (ou esposa) continuava na casa de seus pais, e o noivo (esposo) ia construir a casa. Pronta a casa, o noivo ia buscar a noiva, geralmente em procissão luminosa, da qual participavam também outras moças do lugar (veja a parábola das dez virgens em Mt 25, 1-13).

José e Maria – Como Maria vivia no templo (e não na casa dos seus pais), José levou-a para sua casa e saiu em viagem de trabalho com os dois filhos maiores. José era carpinteiro e trabalhava na construção de casas. Maria cuidou do pequeno Tiago (filho de José) com carinho e dedicação. Maria viveu como noiva de José perto de dois anos.

Um certo anjo ... – Um certo dia, no início do ano 7 a.C., Maria pegou um cântaro e foi enchê-lo de água. Mas eis que ouviu uma voz que lhe dizia: "Deus te salve, cheia de graça, o Senhor está contigo ...". Bem, mas este é um outro assunto ... .


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