sábado, 22 de fevereiro de 2014

JESUS ORDENOU AMAR OS INIMIGOS?


Nos seus ensinamentos no Sermão da Montanha, Jesus nos diz: “amem seus inimigos” (Mt 5,44). Diante dessa afirmação, surgem várias dúvidas: é possível mandar no amor? Alguém pode ordenar-nos sentir afeto por outro? A manifestação de carinho é espontânea? Como é possível amar alguém que é nosso inimigo?

Raiz do problema – Todo o problema dessa passagem está na tradução das palavras de Jesus. Na língua portuguesa usamos sempre o mesmo verbo “amar”, para qualquer sentimento amoroso a que queremos nos referir. Na língua grega (em que foram compostos os Evangelhos), existem quatro verbos distintos para indicar “amar”, cada um com sentidos diferentes.
 
Amor romântico – Em primeiro lugar temos o verbo erao (de onde vem a palavra eros e seu adjetivo erótico). Significa amar em seu sentido romântico, carnal, sexual. Emprega-se para a atração entre um homem e uma mulher, em seu aspecto espontâneo e instintivo. Na Bíblia, aparece o verbo “erao” várias vezes: “O rei amou (erao) a Éster mais que as outras mulheres de sua corte” (Est 2,17). “Vou reunir todos os que te amaram (erao)” (Ez 16,37).  

Amor familiar – Outro verbo grego que significa amar é stergo. Indica o amor familiar, o carinho do pai por seu filho e do filho pelo pai. É o amor doméstico, de família, que brota naturalmente dos laços do parentesco. São Paulo, em sua Carta aos Romanos escreve: “Tenham uma caridade sem fingimento: amem-se cordialmente (stergo) uns aos outros” (Rom 12,10).

Amor de amigos – O terceiro verbo grego usado para designar “amor” é fileo. Expressa o amor da amizade, o afeto que se sente pelos amigos. Quando Lázaro, o amigo de Jesus, estava doente, as suas irmãs mandaram dizer: “Senhor, aquele a quem tu amas (fileo) está enfermo” (Jo 11,3). Quando Maria Madalena não encontra o corpo de Jesus no sepulcro, sai correndo para encontrar Pedro “e o outro discípulo que Jesus amava (fileo)” (Jo 20,2). Na parábola do filho pródigo, o irmão reclama ao pai: “Faz tantos anos que te sirvo e nunca me deste um cabrito para fazer uma festa com meus amigos (filos)” (Lc 15,29).

Amor caritativo – O quarto verbo grego para “amar” é agapao. É utilizado para o amor de caridade, de benevolência, de boa vontade, o amor capaz de dar sem esperar nada em troca. É o amor totalmente desinteressado, completamente abnegado, o amor com sacrifício. O evangelista João usa o verbo “agapao” na descrição da Última Ceia: “Sabendo Jesus que havia chegado a hora de passar deste mundo ao Pai, tendo amado (agapao) aos seus, os amou até o fim” (Jo 13,1).  Ou ainda: “Como o Pai me amou, eu também os amo (agapao)” (Jo 15,9). E quando encontra os apóstolos: “Nada tem maior amor (agápe) do que dar a vida por seus amigos” (Jo 15,13).
 
Jogo de Palavras – Um exemplo interessante é o episódio em que Jesus ressuscitado aparece aos apóstolos no lago de Tiberíades (Jo 21,15s) e pergunta três vezes a Pedro: Simão, filho de João, amas-me mais que estes?”. Jesus usa o verbo agapao: ”Simon, agapás me?”. Pedro lhe responde com fileo: “Filo se”. Jesus pergunta a Pedro se ele o ama com amor total, amor de entrega de serviço, e Pedro lhe responde humildemente com fileo, menos pretensioso. Na segunda vez, Jesus volta a perguntar: “Simon, agapás me? E Pedro novamente responde com fileo. Na terceira vez, Jesus sabendo esperar com paciência o processo de maturidade de cada um, usa o verbo fileo: “Simon, fileis me? Então Pedro se entristece ao identificar o sentido da pergunta.

Amar os inimigos? – Voltando agora à frase de Jesus, ordenando que se ame os inimigos, Jesus não utilizou o verbo erao, nem stergo nem fileo. Usou o verbo agapao. Jesus nunca pediu que amássemos os inimigos do mesmo modo que amamos nossos entes queridos. Nem pretendeu que sentíssemos o mesmo afeto que sentimos por nosso cônjuge (erao), nossos familiares (stergo) ou nossos amigos (fileo). Se quisesse isso, teria usado os outros verbos.

Amor ágape O que Jesus exige é o amor ágape. Este não consiste em um sentimento, nem afeto, nem algo de coração (senão seria impossível cumprir). O ágape que Jesus pede é uma decisão, uma atitude, uma determinação que depende da vontade. Não nos obriga a sentir apreço ou estima, nem devolver a amizade por quem nos tenha ofendido. O que Jesus pede é a capacidade de ajudar e prestar um serviço de caridade, se algum dia aquele que nos ofendeu necessitar.


QUER SABER MAIS – Gostou dos termos em grego? Se você quer conhecer o Novo Testamento em grego (na forma original em que foi escrito), solicite por E-mail.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Não penseis que vim revogar a Lei


O Evangelho das missas deste domingo (Mt 5, 20-37) é a continuação das bem-aventuranças de domingo passado (Mt 5, 13-16). Com o objetivo de doutrinar, Mateus reúne, didaticamente, uma grande coleção de sentenças associadas a Jesus, às quais se denomina "o Sermão da Montanha".

A Lei – Os judeus chamavam de “A Lei” os cinco primeiros livros da Bíblia: Gênesis, êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Estes cinco livros constituem a base da doutrina judaica. Também são chamados de Torá, ou Pentateuco ou ainda de Lei de Moisés.

Jesus e Moisés – O discurso de Jesus “no cimo de um monte” nos leva à montanha da Lei (Sinai), onde Deus Se revelou e deu ao seu Povo a Lei (os Dez Mandamentos). Agora, é Jesus que, numa montanha, oferece ao novo Povo de Deus essa nova Lei que deve guiar todos os que estão interessados em aderir ao “Reino”. Neste discurso (o primeiro dos cinco grandes discursos que Mateus apresenta), o evangelista agrupa um conjunto de “ditos” de Jesus e oferece à comunidade cristã um novo código ético, a nova Lei, que deve guiar os discípulos de Jesus na sua marcha pela história.

Cumprimento da Lei – A Primeira Leitura apresenta Deus propondo os Mandamentos ao Povo de Israel, num clima de aliança e o povo acolhe unânime (Eclo 15,16-21). Para o povo de Israel, o amor e a fidelidade à Lei constituiam toda a justiça e a santidade... É no cumprimento dos mandamentos da Lei de Deus que está a vida e a felicidade, pois ela é uma fonte de bênção (Dt 28,1-14) e a sua rejeição, uma fonte de maldições (Dt 28,15ss) – apesar de muitas infidelidades... Mas, com o passar do tempo, o povo reduziu a Lei a uma observância puramente externa, sem uma convicção interior mais profunda...

Nova Lei? – Para entendermos o “pano de fundo” do Evangelho, convém que nos situemos no ambiente das comunidades cristãs primitivas e, de forma especial, no ambiente da comunidade de Mateus: trata-se de uma comunidade com fortes raízes judaicas, na qual predominavam os cristãos que vinham do judaísmo… As questões que a comunidade propunha, na década de oitenta (quando este Evangelho aparece), eram: continuamos obrigados a cumprir a Lei de Moisés? Jesus não aboliu a Lei antiga? O que é que há de verdadeiramente novo na mensagem de Jesus?

Dúvida – O texto começa por eliminar esse equívoco que perdurou por longo período e foi ocasião de disputas não somente entre Jesus e os seus contemporâneos, mas entre judeus e cristãos. O modo como Jesus interpretava e punha em prática a Lei de Moisés desconcertava a tal ponto, que fazia com que seus contemporâneos e a geração posterior pensassem que ele desprezava e revogava a Lei de Moisés.

Vida e liberdade – Jesus censura uma observância puramente externa, sem convicção interior... "Se a vossa justiça não for maior que a justiça dos escribas e fariseus, não entrareis no Reino dos céus!". E apresenta seis exemplos concretos, em forma de antíteses ("Ouvistes o que foi dito... EU, porém, vos digo..."), proclamando com elas o sentido da nova Lei. No Evangelho deste domingo, aparecem quatro delas: homicídio, adultério, divórcio e perjúrio. As duas últimas são: perdão no lugar de vingança (Lei do talião) e o Amor ao inimigo, ao invés de ódio (próximo domingo). As antíteses são o exemplo claro de que Jesus ultrapassa a letra da Lei, supera o rigor que sufoca e que impede de entrar na finalidade própria da Lei: preservar o dom da vida e da liberdade. Parece que é exatamente isso que Jesus quer dizer ao afirmar que a justiça (o modo de proceder em conformidade com a vontade de Deus) expressa na Lei, deve superar o rigorismo dos escribas e fariseus. Não basta uma prática apenas externa da lei, temos que obedecer, viver o espírito da Lei.  

Plenitude dos tempos – Jesus não revoga a Lei de Moisés. Contudo, ela precisa ser interpretada à luz da revelação de Jesus Cristo (Mt 5,17; 7,12; 22,40). No centro dessa “nova justiça” estão o amor, o perdão e a reconciliação, a misericórdia, a unidade e o acolhimento, que incluem e integram a todos na comunhão com Deus. O Sermão da Montanha, nesse trecho, nos ensina que a vida espiritual não está num catálogo de normas perfeitas que proíbem as más ações, mas na limpeza da fonte de todas as ações: o coração, pois dele procedem assassínios, adultérios, prostituições, falsos testemunhos e difamações.


Para refletir - E nós, como observamos os Mandamentos? Com o espírito do Antigo Testamento, fazendo isto ou aquilo porque é lei, porque é "obrigado"? Por que vou à Missa? Por ser ela um preceito? "Se a justiça de vocês não for maior que a dos escribas e fariseus, vocês não entrarão no Reino dos céus". Quem me AMA, guarda os meus mandamentos...". Seja a nossa observância uma expressão sincera e profunda do nosso amor para com Deus.       

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Vós sois o sal e a luz do mundo


O Evangelho das missas deste domingo (Mt 5, 13-16) é a continuação do texto de domingo passado. Após a apresentação das bem-aventuranças, Mateus reúne uma grande coleção de sentenças associadas a Jesus. Com o objetivo de doutrinar, ele reuniu didaticamente, ditos e sentenças dispersos, originários de palavras de Jesus, que circulavam livremente como tradição entre os cristãos. Vários desses ditos e sentenças aparecem espalhados ao longo dos outros evangelhos sinóticos (Marcos e Lucas). O conjunto forma o que se costuma denominar como "o Sermão da Montanha".

História – Mateus redige sua obra em um momento em que o judaísmo, após a destruição do Templo de Jerusalém (Guerra Judaica, no ano 70), busca sua identidade estrita e rigorosamente na observância da Lei. Sob esta decisão, os fariseus expulsaram das sinagogas os judeus convertidos ao cristianismo que, embora ameaçados, perseveravam em sua fé cristã.

Diferenças do Reino – Com a coletânea de sentenças do Sermão da Montanha, Mateus procura identificar, para as comunidades que vieram do judaísmo, as características do Reino dos Céus, diferenciando-as daqueles critérios de identidade que os fariseus exigiam. Daí vem a frequente repetição da expressão: “... foi dito aos antigos... Eu, porém, vos digo...", ao longo do Sermão.

Sal e Luz – As palavras de Jesus, escritas por Mateus, animam, encorajam e motivam os discípulos que são e serão insultados, perseguidos, maltratados por causa do anúncio e testemunho do Evangelho. Eles devem ter a consciência de que serão o sal da terra, que preserva a humanidade de todo mal, e a luz do mundo, que irradia a mensagem da Salvação para todos os povos, iluminando os caminhos. O v. 16 identifica esta luz com as boas obras.

Sal – Na Bíblia, esta é a única passagem em que o sal é usado em uma metáfora aplicada a pessoas. O sal tem efeito de purificar, curar, conservar e dar sabor. Assim, os discípulos têm uma grande responsabilidade para com todos os povos: mediante a proclamação do Evangelho e a conduta de vida têm a responsabilidade, o compromisso de preservar o mundo da corrupção e degradação espiritual, levando cada um a viver segundo a dignidade e a responsabilidade própria dos filhos de Deus. Os discípulos são chamados ao compromisso da fidelidade ao projeto de Deus. Se não contribuírem para o “sabor” do Evangelho, com o testemunho de vida, com coerência, serão desprezados pelo povo e recusados como pessoas “sem gosto, sem sabor” (insossos).

A luz – A luz é o admirável fenômeno físico que nos revela a natureza das coisas materiais. No âmbito das realidades espirituais, a luz identifica-se com a verdade. É pela verdade que alcançamos a realidade dos fatos e da vida, ocultados pela falsidade e pela mentira. Os discípulos devem difundir a luz do Evangelho para levar as pessoas à conversão; sobretudo com o bom exemplo e o testemunho de vida. A conduta edificante dos discípulos, sobretudo com a prática das boas obras, manifesta a ação de Deus no mundo, inaugurando o seu Reino de amor e paz.

Verdade – A alegria e a verdade são manifestações do amor que une os discípulos em comunidades e que irradiam, transformando o mundo. Na humildade e na confiança em Deus (primeira leitura), os discípulos são chamados a ser a luz que ilumina os caminhos e revela a verdade de Jesus. Todo homem que crê tem uma missão a desempenhar em favor dos outros homens, daqueles que não conhecem a Deus. O cristão, de fato, não pode fugir do mundo, esconder-se ou considerar a religião um assunto particular. Ele vive no mundo e tem uma responsabilidade, uma missão diante de todos os homens: ser a luz que ilumina. Esta missão está confiada a todos nós e, se não a cumprirmos, seremos inúteis como o sal que perdeu o sabor ou como a luz que se tornou sombra.


Reino – Ser o sal da terra e a luz do mundo é comprometer-se com o Reino dos Céus encarnado na história, no dia a dia. É partilhar com quem tem fome, acolher os pobres, vestir os nus. É praticar a justiça e a paz, que demovem os poderosos injustos e violentos. O cristão deve realizar boas obras com um espírito novo, aquele espírito que faz com que não seja mais ele a viver em si mesmo, mas Cristo nele. "Assim, qual novo amanhecer,... tua luz brilhará nas trevas". 

sábado, 1 de fevereiro de 2014

Quantos eram os apóstolos? – conclusão



 Na semana passada, vimos que o Novo Testamento nos apresenta três listas dos apóstolos (Mc 3, 16-19; Mt 10, 2-4; Lucas 6, 14-16 e At 1, 13). Quando estas listas são comparadas, elas apresentam alguns problemas, com nomes diferentes e até mesmo uma mulher recebe o título de apóstolo.

Quantos eram, afinal, os apóstolos? A esta altura, já é evidente que não eram doze. Por que, então, nós falamos sempre em doze apóstolos?

Porque Doze – Antigamente, o povo de Israel era formado por doze tribos. Mas, no século 8 a.C., ao sofrer uma invasão por parte dos assírios, dez delas desapareceram. No século 6 a.C., as tribos que restavam também sofreram a invasão dos babilônicos, mas uma delas se salvou: a tribo de Judá (de onde vem o nome atual de “judeus”). Os profetas predisseram que chegaria um dia em que Deus voltaria a reunir as doze tribos de Israel. Recordando essas profecias, Jesus buscou entre seus seguidores doze homens, um de cada tribo perdida, e os fez seus discípulos imediatos. Era uma maneira de dizer que Deus estava começando um novo povo. As profecias, pois, se haviam cumprido em Jesus. Os novos tempos haviam chegado.

Apóstolos? – Mas os doze homens eleitos por Jesus nunca se chamaram “apóstolos”, mas simplesmente os “Doze”. Por quê? Porque a palavra “apóstolo” significa “enviado”. E, enquanto Jesus viveu, os doze não se separaram dele. Estavam ao seu lado, o acompanharam em suas viagens, o ajudaram em seus milagres e curas e, de vez em quando, iam pregar em seu nome; mas não os “enviou” de um modo permanente a nenhum lugar. Sempre voltavam a ele. Por isso, a maioria das vezes nos Evangelhos não se diz “os doze apóstolos”, mas somente os “Doze”: Jesus elegeu os Doze (Mc 3, 14); perguntaram-lhe os Doze (Mc 4, 10); tomou os Doze (Mc 10, 32), saiu com os Doze (Mc 11, 11); reuniu os Doze (Mt 20, 17); o acompanhavam os Doze (Lc 8, 1); acercaram-lhe os Doze (Lc 9, 12); Judas, um dos Doze (Jo 6, 71).

Enviados – A partir da ressurreição de Jesus, os Doze compreenderam que o Senhor os mandava pregar o Evangelho a todos os povos. Então se sentiram “enviados” e decidiram criar o título de apóstolo (enviado) para designar essa nova missão que tinham. Por isso os “Doze” receberam também o título de “apóstolos”, que nunca haviam recebido durante a vida de Jesus.

Outros – Além dos Doze, muitas outras pessoas também se sentiram “enviadas” e quiseram sair a pregar o Evangelho de Jesus (ex-leprosos, cegos curados, discípulos, gente que o havia conhecido e escutado). Que fazer com toda essa gente?

Critérios para ser Apóstolo – Os Doze pensaram que não era qualquer um que podia ser um enviado oficial de Jesus Cristo, já que existia o perigo de que a doutrina se desviasse. Então resolveram colocar duas condições para que alguém mais, além dos Doze, pudesse ser chamado de apóstolo: a) ter visto Jesus Ressuscitado; e, b) ter recebido de Jesus a missão de pregar.

Os primeiros apóstolos – Dessa maneira, foi se formando um grupo mais amplo de apóstolos, dedicados principalmente ao anúncio e pregação do Evangelho. Os “Doze” constituíam um grupo distinto ao dos “apóstolos”. Vejam as palavras de Paulo: “Apareceu a Cefas, logo aos Doze..., logo a todos os apóstolos, e em último lugar a mim” (1Cor 15, 5-8).

Os Doze e os apóstolos – Pouco a pouco, os Doze foram desaparecendo. A última vez em que são citados no Novo Testamento é em Atos (6, 2), na eleição dos sete diáconos. Depois não são mencionados nunca mais. Então os “apóstolos” passaram a ser os de maior prestígio e autoridade dentro da Igreja. Com o transcorrer do tempo, desapareceram também os apóstolos, esse grupo privilegiado de testemunhas de Jesus Cristo, e surgiram outros ministros novos, como os presbíteros, os diáconos, os bispos. Mas ninguém voltou a ter o título oficial de apóstolo.


As listas – Quando, a partir do ano 70, se escreveram os Evangelhos, os nomes de alguns dos Doze que acompanharam Jesus foram se perdendo, pois não se teve mais notícias deles e se mesclaram com os outros apóstolos posteriores. Por isso, ao confeccionar as diversas listas, colocaram nomes diferentes. E como fazia muito tempo que os “Doze” também eram chamados “apóstolos”, em algumas partes do Evangelho se misturaram ambos os títulos e puseram “os doze apóstolos” (Mt 10,2; Lc 6, 13), como se houvessem sido os únicos apóstolos. Daí procede nossa confusão atual.   

sábado, 25 de janeiro de 2014

Quantos eram os apóstolos?





No Evangelho das missas deste domingo (Mt 4,12-23), Jesus chama os primeiros apóstolos. É comum falar dos “doze apóstolos” de Jesus. Pinturas, quadros e esculturas fizeram famosa a cena do Mestre rodeado por seus doze amigos íntimos e contribuíram para imortalizar esse número, que hoje ninguém mais discute. Mas, os apóstolos de Jesus eram realmente doze? No Novo Testamento aparecem quatro vezes a lista com os nomes dos doze apóstolos (Mc 3, 16-19; Mt 10, 2-4; Lucas 6, 14-16 e At 1, 13). Delas, podemos observar alguns dados.

Os mais próximos – Se tomarmos em primeiro lugar a lista de Mateus, veremos que começa com Simão Pedro. É um dos apóstolos de quem mais dados temos. Sabemos que era oriundo de Betsaida (Jo 1, 44), mas tinha sua moradia em Carfanaum (Mt 8, 14), onde ganhava a vida como pescador no Lago da Galileia. Era casado (1 Cor 9,5) e vivia com seu irmão André e sua sogra (Mc 1, 29-30). O segundo da lista é André, irmão de Simão Pedro. Como este, era oriundo de Betsaida e vivia em Carfanaum, dedicando-se à pesca. Tiago e João eram igualmente pescadores do lago da Galileia (Mc 1, 19) e parece que gozavam de boa posição econômica, já que o pai de ambos, Zebedeu, era dono de uma pequena empresa pesqueira. Pedro, Tiago e João (sem André) constituíam um grupo especial dentro dos doze apóstolos e eram, de alguma forma, os preferidos de Jesus, já que lhes concedeu alguns privilégios. E unicamente a eles colocou um nome novo: a Simão chamou “Pedro”, e a Tiago e João, “Boanerges”, que significa “filhos do trovão” (Mc 3, 17).

Os menos famosos – Os outros oito apóstolos são menos conhecidos. De Felipe, o quinto da lista, só sabemos que era também de Betsaida e, ao que parece, muito amigo de André (Jo 12, 20-22). De Bartolomeu, o sexto, não sabemos nada. De Tomé, o sétimo, sabemos que tinha como apelido "Gêmeo", mas não se conta de quem. Foi ele quem convenceu os demais apóstolos a acompanharem Jesus, por ocasião da morte de Lázaro (Jo 11, 6-16); e foi ele quem duvidou das aparições do Senhor Ressuscitado (Jo 20, 24-29), pelo que foi chamado de incrédulo. De Mateus sabemos que era um cobrador de impostos. Dos três apóstolos que seguem – Tiago, filho de Alfeu; Tadeu e Simão, o zelote – não temos nenhum detalhe de suas vidas. E ao final da lista aparece Judas Iscariotes, o que entregou Jesus às autoridades judaicas que o mataram.

Problemas – Esta lista de Mateus coincide com a de Marcos. O problema aparece ao compará-la com as outras duas (de Lucas e Atos), porque nestas aparecem um apóstolo novo: um tal Judas, filho de Tiago (Lc 6, 16, At 1, 13). Quem é este Judas? Como nestas duas listas não há Tadeu, a solução que se encontrou foi que este Judas (de Lucas e Atos) é a mesma pessoa que Tadeu (de Mateus e Marcos). E o chamam Judas Tadeu. Mas, essa identificação carece de fundamento bíblico.

Mais problemas – Se prosseguirmos lendo os Evangelhos, veremos que Marcos narra a vocação de outro apóstolo, chamado Levi, cobrador de impostos. Por que ele tampouco aparece na lista dos doze? Aqui a tradição solucionou o problema do mesmo modo: identificando Levi com Mateus. O que não é possível, porque Marcos apresenta Levi e Mateus como pessoas claramente distintas: uma em uma lista dos nomes (Mc 3, 18) e outra no relato de sua vocação (Mc 2, 13-14). Por sua vez, o Evangelho de João relata a vocação de um apóstolo chamado Natanael (1, 45-51), que não está em nenhuma das quatro listas. Para poder seguir mantendo o número doze, a tradição o identificou com Bartolomeu, sem nenhuma razão válida.

Mais apóstolos? Vemos, pois, como os Evangelhos mencionam mais de doze apóstolos. Porém, se continuarmos buscando no Novo Testamento, encontraremos que Paulo e Barnabé eram também apóstolos (Atos 14, 14); que Silvano e Timóteo figuram como apóstolos (1 Ts 2, 5-7); que “Tiago, irmão do Senhor” é chamado apóstolo (Gálatas 1, 19); que Apolo é apóstolo (1 Cor 4, 6.9); e inclusive Andrônico e Júnia (uma mulher!) tem o título de apóstolos (Rm 16, 7).


Quantos eram, afinal, os apóstolos? A esta altura, já é evidente que não eram doze. Por que, então, nós falamos sempre em doze apóstolos? Bem ....  Isto nós veremos na próxima semana.

domingo, 19 de janeiro de 2014

O preço de testemunhar Jesus Cristo


No Evangelho deste domingo, João Batista vê Jesus e proclama: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo”. E dá o testemunho: “Eu vi o Espírito Santo descer do Céu como uma pomba e repousar sobre Ele. Ora eu vi e dou testemunho de que Ele é o Filho de Deus”. Atualmente, no mundo, quase 400 milhões de fiéis são discriminados ou perseguidos por darem o testemunho de sua religião, dos quais 200 milhões são cristãos.

Um pouco de História – As religiões cristãs nasceram com os ensinamentos de Cristo na Terra. Jesus Cristo nasceu no ano -7 a.C., foi batizado no ano 27 d.C., pregou entre os anos 27 e 30 d.C., foi crucificado e ressuscitou, em abril do ano 30 d.C. Portanto, a partir do ano 30 d.C., começaram a se formar as comunidades cristãs no mundo.

1º Século – No primeiro século do cristianismo (entre os anos 30 e 100 d.C.), os ensinamentos de Jesus são coletados e escritos, formando o Novo Testamento. Os apóstolos morrem, aparecendo a segunda geração de cristãos. As comunidades e igrejas cristãs proliferam dentro do Império Romano, aparecendo uma nova religião dentro do judaísmo. As perseguições aparecem, principalmente em Roma: Nero usa os corpos de cristãos como tochas humanas para iluminar os seus jardins e Dominiano ordena que todos devem cultuá-lo como “Senhor e Deus”. No ano 100 d.C., os cristãos eram 2 milhões (0,6% da população mundial), 25 mil tinham sido assassinados (1,2%), ou seja, 360 cristãos morriam por ano.

2º século – Entre anos 100 e 200 d.C., os martírios continuaram, aparecendo também as seitas heréticas e os apologistas. Os centros fortes da Igreja estavam na Ásia Menor, no Norte da África e em Roma. A Igreja continuou se espalhando e alcançando todas as classes, particularmente a mais baixa. No ano 200 d.C., os cristãos já eram 16 milhões (3,5% da população), 80 mil já tinham sido assassinados.

3º século – O imperador Setimo Severo (202-211 d.C.) foi o principal perseguidor da Igreja, no 3º século, proibindo a conversão para o Cristianismo. Assim mesmo, o cristianismo crescia: somente no Egito, no ano 300 d.C., existiam cerca de um milhão de cristãos. Até esse ano, os mártires cristão já somavam 410 mil.

4º século – O séc. IV foi o século das grandes transformações. No início, deu-se a maior perseguição – instituída pelo imperador Dioclesio, em 305 d.C. – com a intenção de acabar com a Igreja. Em seguida, o imperador Constantino aceita o cristianismo e a Igreja é legalizada. É o século dos Concílios Ecumênicos e é definido o cânon do Novo Testamento. No ano 400 d.C., os cristãos já são 16% da população, o Novo Testamento existe em 11 idiomas e já existem 2 milhões de mártires cristãos.

Séculos seguintes – No 5º século a Igreja passa a usar o calendário cristão. Acontece a desintegração do Império Romano. As perseguições continuam. No ano 500 d.C. os cristãos já são 22% da população e já existem 2,5 milhões de mártires. A partir do 6º século, a Igreja ganha poder junto aos imperadores, diminuindo as perseguições.

Hoje – No início do século 21, 200 milhões de cristãos são perseguidos por causa de sua fé. Os responsáveis por isso são 70 Estados, nos quais impera um regime ateu (China, Vietnã, Cuba, Laos, Coréia do Norte), ou um crescente fundamentalismo religioso (Sudão, Paquistão, Egito, Índia, Indonésia, Arábia Saudita...).

Coreia do Norte – Segundo o “Open Doors 2011 World Watch List”, que avalia as condições em que vivem os cristãos em 77 nações, a Coreia do Norte é (pela nona vez) a que mais persegue os seguidores de Jesus, sendo citada como um dos lugares mais perigosos para um cristão viver.

Iraque – Nos últimos anos, há um êxodo de cristãos deixando o Iraque para escapar da perseguição. Atualmente, restam pouco mais de 300 mil cristãos nesse antigo berço do Cristianismo, onde hoje, milícias organizadas barbarizam famílias apenas pelo fato de não professarem a mesma fé que eles. Em outubro de 2011, um atentado contra uma catedral em Bagdá matou 52 cristãos; em dezembro, um ataque contra casas de cristãos deixou um saldo dois mortos e 16 feridos. No dia de Natal de 2013, atentados mataram ao menos 37 pessoas que saíam da missa num bairro cristão de Bagdá.

Últimos dados – Entre 2001 e 2010, foram assassinados 253 agentes de pastoral em todo o mundo. Na noite do ano novo de 2011, uma bomba em uma igreja cristã matou 21 fiéis e feriu dezenas em Alexandria, no Egito. No dia 22/09/2013, um duplo atentado suicida em frente a uma igreja, no final da missa, matou pelo menos 81 pessoas no Paquistão (37 mulheres, e 131 feridos), sendo considerado o ataque mais sangrento de contra a minoria cristã no país.


Mais mortes – Em dezembro de 2013 D. Warduni, Bispo Auxiliar de Bagdá, e D. Samir Nassar, Arcebispo Maronita de Damasco denunciaram que “O futuro dos Cristãos no Iraque e em todo o Médio Oriente é muito obscuro e pode dizer-se mesmo que existe um plano para o esvaziar de Cristãos.” Estima-se que 75% das vítimas de perseguição religiosa no mundo seja de Cristãos. A cada cinco minutos, um cristão é assassinado por razão da sua fé. A cada ano, 105 mil cristãos no mundo são condenados ao martírio: um verdadeiro holocausto.

sábado, 11 de janeiro de 2014

O Batismo de Jesus



Neste domingo, o Evangelho relata o batismo de Jesus por João Batista. De acordo com Mateus, a presença de Jesus na fila de pecadores à espera do batismo confundiu João Batista. Sendo o Mestre, o Messias esperado, que sentido tinha fazer-se batizar, como se houvesse sido infiel a Deus? Por outro lado, a atitude de Jesus não condizia com a crença messiânica, pregada pelo Batista, que dizia ser o Messias um juiz inflexível, incapaz de contemporizar com as fraquezas humanas. O gesto de Jesus inaugurava, assim, uma forma diferente de messianismo, em nada parecida com os messianismos em voga. Ele era o Messias-Filho, amado pelo Pai e plenamente disposto a cumprir a vontade paterna. A dificuldade de João consistia em não saber lidar com a imagem de um Deus tão misericordioso e próximo da humanidade decaída. Vejamos suas razões para isso e como se deu o convívio de João e Jesus.

Situação política, social e religiosa da época – No primeiro século da era cristã, a religião judaica havia caído num profundo desinteresse, num profundo estado de abatimento moral e físico das pessoas. A situação política opressora, que reinava no país, com o domínio do Império Romano; a espera por um Salvador que não chegava nunca; a vida escandalosa da classe governante e a degradação dos sacerdotes do Templo (mais preocupados com seus próprios interesses) foi esfriando a devoção das pessoas e desanimando a prática religiosa.

O clamor do deserto – Frente a este panorama, surge João (filho único de Zacarias, sacerdote do Templo), um homem que buscou injetar novas forças ao judaísmo decadente. Com sua linguagem implacável e dureza insensível para um pregador, passou a convocar as pessoas para uma mudança de vida. Dizia que o juízo de Deus era iminente e que, em muito pouco tempo, Deus iria castigar com fogo todos os que não se arrependessem de seus pecados (Mt 3,7).

Deserto com água – As pessoas vinham de todas as regiões para escutar suas pregações e ficavam impressionadas. A todos que aceitavam seus ensinamentos e buscavam uma mudança de vida, João pedia como sinal de arrependimento um banho exterior: o batismo, que ele pessoalmente ministrava no rio Jordão.

No Jordão – Toda a pregação de João se desenvolvia junto ao rio Jordão, o que lhe permitia as cerimônias com água. Mas não tinha um lugar fixo. Às vezes se instalava num braço do rio, próximo ao vilarejo de Betânia, na província da Peréia (Jo 1,28). Outras vezes, mais ao norte, em Enon, próximo a Salim, na Samaria (Jo 3,22). O Evangelho de Lucas afirma que João pregava em toda região do rio Jordão (Lc 3,3), em busca de ouvintes para proclamar sua mensagem e batizar.

Discípulos – Aos poucos, foi se formando ao redor do Batista um pequeno grupo de discípulos que o acompanhava nas sessões batismais (Jo 1, 28.35-37), ajudava nas pregações (Jo 3,23), recebia os ensinamentos mais profundos (Jo 3,26-30), compartilhava sua espiritualidade asceta (Mc 2,18) e a oração (Lc 11.1).

Jesus – No início do ano 27 d.C., Jesus viajou da cidade de Nazaré (na Galiléia) até o vale do rio Jordão, para ver João. Ali, entre as áridas colinas e vales da Judéia, Jesus pôde escutar a mensagem escatológica de João, que podia ser resumida em três idéias: o fim do mundo está próximo; o povo de Israel perdeu seu rumo e pode ser extinto pelo juízo de Deus; é necessário mudar de vida, deixando-se batizar. Jesus aceitou a mensagem de João, como muitos outros judeus, deixando-se batizar (Mt 3,13-17; Mc 1,9-11; Lc 3,21-22).

O novo Mestre – Os Evangelhos descrevem que alguns discípulos de João Batista (André e outro, que se deduz ser Felipe) reconheceram Jesus como Mestre e passaram a segui-Lo (Jo 1,35-37). Logo, esses dois discípulos convidaram outros dois (Pedro e Natanael) para que eles se juntassem ao novo mestre.  Assim, Jesus formou o seu grupo de discípulos, indo para a província da Judéia, onde também batizava (Jo 3,22).


Jesus e João – Os Evangelhos mostram que Jesus integrou o grupo de João Batista, convivendo algum tempo com ele (não se sabe quanto). Depois, como Mestre, passou a empreender seu próprio ministério, com uma metodologia própria, que diferenciava em três pontos de João Batista: não anunciava o castigo iminente de Deus, mas a Sua misericórdia e amor; não permanecia no deserto, mas percorria os povoados e aldeias de toda a Palestina; não jejuava nem fazia abstinência de bebidas, mas comia e bebia com os pecadores.