quarta-feira, 6 de setembro de 2000

O QUE VOCÊ DEVE SABER PARA LER A BÍBLIA COM PROVEITO (II)

Coluna "Ser Católico" – Jornal da Cidade – 06/09/2000

Livro da caminhada do povo

A Bíblia não caiu pronta do céu. Ela surgiu da terra, da vida do povo de Deus. Surgiu como fruto da inspiração divina e do esforço humano. Quem escreveu foram homens e mulheres como nós. Eles é que pegaram caneta e papel e escreveram o que estava no seu coração. A maior parte deles não tinha consciência de estar falando ou escrevendo sob a inspiração de Deus. Estavam só querendo prestar um serviço aos irmãos em nome de Deus. Eles eram pessoas que faziam parte de uma comunidade, de um povo em formação, onde a fé em Deus e a prática da justiça eram ou deviam ser o eixo da vida. Preocupados em animar esta fé e em promover esta justiça, eles falavam e argumentavam para instruir os irmãos, para criticar abusos, para denunciar desvios, para lembrar a caminhada já feita e apontar novos rumos. Alguns deles chegaram a escrever, eles mesmos, as suas palavras ao povo. Outros nem sabiam escrever. Só sabiam falar e animar a fé pelo seu testemunho. As palavras destes últimos foram transmitidas oralmente, de boca em boca, durante muitos anos. Só bem mais tarde, outras pessoas decidiram fixá-las por escrito.

As palavras faladas ou escritas de todos estes homens e mulheres contribuíram para formar e organizar o povo de Deus. Por isso, o povo delas se lembrou e por elas se interessou. Não permitiu que caíssem no esquecimento. Fez questão de distingui-las das palavras e gestos de tantos outros que em nada contribuíram para a formação do povo, nem para a animação da fé e nem para a prática da justiça. Foi um longo processo. Muita gente colaborou. O povo todo se interessou.

Ora, a Bíblia foi surgindo do esforço comunitário de toda esta gente. Surgiu aos poucos, misturada com a história do próprio povo de Deus. Resumindo, a gente pode dizer: a Bíblia nasceu da vontade do povo de ser fiel a Deus e a si mesmo, e da preocupação de transmitir aos outros e a nós esta mesma vontade de ser fiel. Eles diziam: as coisas do passado aconteceram "para servir de exemplo, e foram escritas para advertir-nos, para quem chegou a plenitude dos tempos"(1Cor 10,11). A Bíblia surgiu sem rótulo. Só mais tarde, o próprio povo descobriu aí dentro a expressão da vontade de Deus e a presença da sua palavra santa.

Livro inspirado por Deus

Como é que um livro que surge da vida e da caminhada do povo pode ser, ao mesmo tempo, a palavra de Deus? Um agricultor resumiu a resposta nesta frase: "Deus fala misturado nas coisas: os olhos percebem as coisas, mas a fé enxerga Deus que nos fala!" A ação do Espírito de Deus pode ser comparada com a chuva: cai do alto, penetra no chão, e acorda a semente que produz a planta (cf. Is 55,10-11). A planta é fruto, ao mesmo tempo, da ação gratuita de Deus e do esforço suado das pessoas. É a palavra do Deus do povo e do povo de Deus.

A ação do Espírito de Deus pode ser comparada com o sol: seus raios invisíveis esquentam a terra e fazem crescer as plantas de baixo para cima. Pode ser comparada ainda com o vento que não se vê. A Bíblia é fruto do vento invisível de Deus, que moveu os homens a agir, a falar ou a escrever. Até hoje, o Espírito de Deus nos atinge quando lemos a Bíblia. Ele nos ajuda a ouvir e a praticar a palavra de Deus. Sem ele, não é possível descobrir o sentido que a Bíblia tem para nós (cf. Jo 16,12-13; 14,26). O Espírito Santo não se compra nem se vende (cf. At 8,20), nem é fruto só de estudo. É um dom de Deus que deve ser pedido na oração (cf. Lc 11,13).


A lista dos livros inspirados

Em vista da fidelidade a Deus e a si mesmo, o povo foi fazendo uma seleção daqueles escritos que eram considerados de grande importância para a sua caminhada. Assim surgiu uma lista de livros, reconhecidos por todos como sendo a expressão da sua fé, das suas convicções, da sua história, das suas leis, do seu culto, da sua missão. Lidos e relidos nas reuniões e nas celebrações do povo, os livros desta lista foram adquirindo, aos poucos, uma grande autoridade. Eram o patrimônio sagrado do povo, porque lhe revelavam a vontade de Deus. Daí vem a expressão Escritura Sagrada.

Nós dizemos lista. Eles usavam uma palavra grega e diziam cânon, o que quer dizer lista ou norma. Os livros canônicos (cânon) eram a norma da fé e da vida do povo. Ora, esta lista de livros sagrados recebeu mais tarde o nome de Bíblia.

A Bíblia é o resultado final de uma longa caminhada, fruto da ação de Deus, que quer o bem dos homens, e do esforço dos homens que querem conhecer e praticar a vontade de Deus. Ou seja, a Bíblia é o fruto de um mutirão prolongado do povo que procurava descobrir, praticar, escrever e transmitir aos outros e a nós a palavra de Deus presente na vida. Vamos ver alguns aspectos deste mutirão do povo que deu origem à Bíblia. (Editora Vozes. Bíblia Sagrada - Editora Vozes (24) 237-5112 - www.vozes.com.br)

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